16 Junho 2023
Confirmada a presença a bordo de mais de 700 pessoas, apenas 104 sobreviveram, os desaparecidos estão sendo procurados. OIM: "As autoridades tinham que intervir, o barco estava superlotado e em péssimas condições". EuroMed Rights "Na Líbia está em curso um jogo que coloca em risco as pessoas". Arci: "Massacre de inocentes, a Europa é responsável".
A reportagem é de Eleonora Camilli, publicada por Redattore Sociale, 15-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que até ontem era uma hipótese terrível, agora é uma confirmação. Havia entre 700 e 750 pessoas no barco de pesca que partiu do porto de Tobruk, na Líbia, e naufragou perto da costa do Peloponeso, em Pylos, na Grécia. Quem conta a história são os sobreviventes, as únicas testemunhas daquele que está se mostrando como um dos maiores massacres do Mediterrâneo. Apenas 79 corpos sem vida foram recuperados até agora, 104 são os sobreviventes. Trinta deles foram imediatamente transportados para o hospital, os demais foram levados para um antigo armazém perto do porto, na cidade de Kalamata.
Segundo as primeiras informações disponíveis a bordo havia pelo menos 40 crianças, algumas testemunhas falam em 100. Muitas delas, junto com as mulheres, estavam amontoadas no porão do navio. A ativista Nawal Soufi, que já na terça-feira, 13, lançou o alarme sobre o estado da embarcação, conta que foi contatada na madrugada por migrantes que falavam de uma situação difícil. “Depois de cinco dias de viagem, a água tinha acabado, o condutor da embarcação tinha-os abandonado em alto mar e havia também seis pessoas mortas a bordo - afirma. A situação se complicou quando um navio se aproximou do barco, amarrando-o com cordas em dois pontos do barco e começou a jogar garrafas de água. Os migrantes sentiram-se em grande perigo, pois temiam que as cordas pudessem fazer virar o barco e que as brigas a bordo para conseguir água pudessem levar ao naufrágio. Por essa razão, eles se afastaram um pouco do navio para evitar um naufrágio certo - continua Soufi. Durante a noite, a situação a bordo da embarcação ficou ainda mais dramática: Os migrantes estavam confusos e não entendiam se era uma operação de resgate ou uma forma de colocar suas vidas em perigo ainda maior. Mantive-me em contato com eles até às 23h, hora grega, tentando tranquilizá-los e ajudá-los a encontrar uma solução. O tempo todo eles me perguntavam o que deveriam fazer e eu dizia que a ajuda grega estaria a caminho. Na última chamada, o homem com quem falei me disse especificamente: "Sinto que esta será nossa última noite em vida".
Imagem do barco dos migrantes, antes do naufrágio (Foto: Reprodução | Guarda Costeira da Grécia)
A dinâmica do naufrágio ainda não está clara, as condições meteorológicas e do mar não eram adversas. A Frontex, a agência europeia de fronteiras, num tuite informa que alertou as autoridades competentes às 9h47 do dia 13 de junho. Nos meios de comunicação gregos, as autoridades gregas explicam que a embarcação navegava em boas condições e que teriam sido os migrantes que recusaram a ajuda para poderem continuar a viagem em direção à Itália. Mas a ONG Alarm Phone pede que se apurem as responsabilidades: "a realidade é que as autoridades foram alertadas muitas horas antes do naufrágio do navio e foram informadas por várias fontes de que se tratava de uma embarcação em perigo – ressaltam. De acordo com as informações prestadas, no local estavam presentes meios de transporte da guarda costeira grega e uma aeronave da Frontex. As autoridades europeias poderiam ter iniciado uma operação de resgate adequada sem demora. Não o fizeram porque o desejo de impedir as chegadas foi mais forte na necessidade de salvar centenas de vidas", escrevem em um comunicado.
Outras organizações também denunciam a prática perigosa de não fornecer ajuda imediata seguida pelos Estados. "Nos últimos meses, as autoridades europeias continuam a repetir que nenhuma ação é tomada no mar se os barcos estiverem navegando sem problemas - explica ao Redattore Sociale, Flávio Di Giacomo porta-voz da Organização Internacional das Migrações (OIM) -. Na realidade, como foi amplamente explicado por especialistas em direito marítimo e socorristas, as embarcações migrantes, muitas vezes velhas e superlotadas, não possuem os requisitos mínimos para poderem navegar em alto mar. Neste caso estamos falando de um barco de pesca lotado de pessoas, tecnicamente é uma embarcação unfit to travel, imprópria para a navegação. São barcos em péssimas condições e não cumprem os requisitos mínimos de segurança, pelo que as operações de salvamento deveriam começar imediatamente a partir do primeiro aviso. Aconteceu em Cutro, aconteceu de novo em Pylos".
O responsável da OIM explica que, além disso, as travessias estão cada vez mais perigosas. Da Tunísia se parte com barcaças de ferro que quebram com facilidade, da Líbia (primeiro da Tripolitânia e agora da Cirenaica) são usados barcos de pesca muito grandes para conter grande número de pessoas, como já acontecia em 2015-2016. “São embarcações pouco adequadas para o transporte de pessoas - acrescenta. Não temos notícias precisas do leste da Líbia, mas sabemos que houve uma crise de pesca, poderiam ser os pescadores que vendem seus barcos de pesca aos traficantes”. De acordo com os números já se fala em 1.039 mortos no Mediterrâneo central desde o início do ano: “é uma estimativa aproximada, porque especialmente da Tunísia o número de naufrágios pode ser maior. Também deveríamos atualizar a estimativa com este último naufrágio, então temos que considerar quase 600 mortes a mais."
Além disso, a situação na Líbia, especialmente na área de Tobruk, de onde partiu o navio de pesca, tornou-se cada vez mais difícil, especialmente nas últimas semanas. “Estamos assistindo a mais um exemplo de um jogo de chantagem que se baseia na exploração do dossiê Migrações por interesses geopolíticos – ressalta Sara Prestianni, chefe de advocacia da Euromed Rights. Nos últimos tempos, começamos a ver um aumento nos fluxos do leste da Líbia, principalmente de Tobruk. Parece claro que Haftar está seguindo os passos de outros países, como a Turquia, e está usando esse aumento para abrir um diálogo com Roma. O primeiro sinal com o qual o general deixou claro que estava disposto a colaborar com as autoridades europeias foi a interceptação, no final de maio, de um barco com 600 migrantes, que foi posteriormente mandado de volta para Benghazi. Além disso, nas últimas semanas houve várias batidas e prisões arbitrárias em Tobruk, especialmente de egípcios, levados para a fronteira ou para centros de detenção. Obviamente tudo isso coloca em risco as pessoas, é um roteiro já visto que se baseia na obsessão da Europa pela dimensão externa. Vemos isso desde o primeiro compromisso sobre o Pacto para a migração que saiu do Conselho”.
O outro aspecto crítico diz respeito à posição dos países da UE que evitam o resgate no mar, como Grécia ou Malta. “Refugiados sírios são muitas vezes vítimas que são barradas em cadeia. Vimos barcos saindo do Líbano para a Itália, hoje se parte de Tobruk, mas as rotas estão se tronando cada vez mais longas e perigosas justamente pelo fechamento dos países europeus”, conclui Prestianni.
Mapa da região do Mediterrâneo onde aconteceu o naufrágio (Reprodução)
Nas últimas horas, as organizações envolvidas na proteção de migrantes e refugiados comentam a notícia do naufrágio. Unânime é a indignação e o pedido de apuração das responsabilidades. O Centro Astalli fala de “uma hecatombe anunciada”, o Arci de "um massacre de inocentes". “Ainda há mortes na fronteira, mais vítimas das políticas europeias e das escolhas dos governos. Poucos dias depois do acordo fechado pelos ministros do Interior dos 27 países da UE no Mediterrâneo, fica claro que os governos continuam a não querer enfrentar a realidade e apenas perseguem objetivos de propaganda política – ressalta Filippo Miraglia, responsável Imigração da Arci nacional. “O que é necessário imediatamente - afirma - é um programa europeu de busca e salvamento. Um instrumento público que impeça os massacres. Reforçar os laços com as milícias líbias, fortalecer a chamada guarda costeira, continuar a investir na terceirização, como os governos da UE concordaram, só servirá para aumentar o número de mortes e os negócios dos traficantes”. “A pergunta – continua Miraglia – que fazemos ao nosso governo e aos governos europeus é esta: aquelas pessoas que fugiram da Líbia arriscando suas vidas e pagando pessoalmente por vossas escolhas, tinham alternativas? Poderiam ter se posto a salvo recorrendo aos governos europeus?”
O Comitê 3 de outubro, nascido após o massacre de Lampedusa de 2013, pede que as vítimas não permaneçam anônimas. "A esperança hoje é que as vítimas do novo trágico naufrágio ocorrido ao sul da península do Peloponeso, na costa da Grécia não fiquem sem identidade - destaca o presidente Tareke Brhane. A Itália já sabe como fazer, mas outros países europeus, como a Grécia, também precisam adotar um protocolo comum. É cada vez mais evidente a necessidade de um banco de dados europeu para cuidar de todos os mortos no Mediterrâneo".
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Naufrágio na Grécia é um dos maiores massacres do mar: "Apurar as responsabilidades" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU