13 Junho 2023
"A internacional moralista nasce do choque na modernidade de duas visões morais opostas, uma baseada na ordem transcendente e outra na escolha individual", escreve Marco Ventura, professor de Direito canônico e eclesiástico da Universidade de Siena, em artigo publicado por La Lettura, 23-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
No décimo primeiro dia da invasão, 6 de março de 2022, o patriarca de Moscou explica o ataque à Ucrânia. O mundo é disputado por duas forças, uma boa e divina, a outra má e demoníaca. Braço da segunda são as grandes potências que ameaçam a Rússia, último bastião contra quem exporta liberdades nefastas, a última e mais terrível das quais é o orgulho gay. Kristina Stoeckl e Dmitry Uzlaner abrem com esse episódio um livro fundamental para a compreensão do nosso tempo.
Os autores contestam a impressão dominante de que o conservadorismo ortodoxo russo seja nacional, isolado, estático; pelo contrário, contextualizam o protagonismo da Igreja russa no movimento global contra a expansão do progressismo liberal, em defesa de valores, tradição e moral. É nesse movimento que deve ser observado e compreendido o papel fundamental do cristianismo pós-soviético, motor da "internacional moralista".
The Moralist Internacional. Rússia in the Global Culture Wars é o título do livro publicado online (acesso livre) pela Fordham University Press e cuja edição italiana está prevista para o final do ano pela Luiss University Press. Stoeckl, 45, socióloga da Luiss de Roma, e Uzlaner, 39, estudioso das religiões da Universidade Ben Gurion de Be'er Sheva, em Israel, sugerem uma interpretação que ao mesmo tempo exalta e relativiza o papel global da ortodoxia russa. Por um lado, é protagonista de uma “atualização conservadora”.
Assim como a “atualização”, em italiano, do Concílio Vaticano II reinventou a Igreja Católica no abraço com a modernidade secularizada, assim a Igreja de Moscou se reinventou após o fim da União Soviética com uma virada igualmente histórica, mas de viés conservador, da qual emergiu renovada estrategicamente a referência a valores, tradição e moral. A consequente liderança mundial de quem que se transformou de "aprendiz conservador em líder em ascensão", entretanto, resultou numa diluição. Para inventar-se como um ator global de ponta, de fato, os ortodoxos russos frequentaram a escola da direita cristã estadunidense, aliaram-se a protestantes e católicos, integraram-se em redes transnacionais como CitizenGo e o Congresso Mundial das Famílias, enquanto na Rússia, os líderes do Patriarcado perderam autoridade em benefício de ativistas da sociedade civil e de aparatos de Estado de Putin. Em outras palavras, para se colocar como protagonistas, perderam especificidade e autonomia.
Stoeckl e Uzlaner mapeiam os atores e as datas do processo, os instrumentos e as táticas de quem “aprendeu as regras do jogo e tornou-se um empreendedor normativo de pleno direito para o conservadorismo moral internacional”, mostrando assim ao mundo que os conservadores sabem usar os direitos humanos tão bem e melhor que os progressistas. The Moralist Internacional chega aqui a um resultado ainda mais profundo e relevante. A internacional moralista nasce do choque na modernidade de duas visões morais opostas, uma baseada na ordem transcendente e outra na escolha individual.
Esse choque, nas palavras dos autores, entre “a liberdade de se regular autonomamente e a disciplina dentro de uma comunidade” nos divide radicalmente, porque sentimos depender a essência de quem somos do sexo, da família, da bioética, dos símbolos e da educação. Isto, então, os autores nos fazem entender: as guerras de cultura ideologizadas e globalizadas não se originam na religião, mas a recrutam, a reinventam e dela dependem. Até justificar os bombardeios sobre Kiev com o orgulho gay.
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A internacional dos moralistas nascidos no Leste. Artigo de Marco Ventura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU