09 Junho 2023
“Trata-se de aprender a compor cada vez mais nossas existências humanas com as outras não humanas e ambientais. Esta ecologia integral não é um programa a priori a ser executado, mas um processo de integração a ser implantado, não sem conflitos de interpretações, no vasto tempo de uma aliança terrestre ainda por vir. Declaração antes de ser uma instituição, ela não é um dado, mas uma tarefa. Convida-nos a prestar sempre mais atenção e consideração a essas interdependências que nos fazem ser no ser”. A reflexão é de Jean-Philippe Pierron, em artigo publicado por La Croix, 02-06-2023. A tradução é do Cepat.
Jean-Philippe Pierron é filósofo francês e diretor científico da cadeira de estudos Valeurs du Soin da Universidade de Borgonha, Dijon.
Nós conhecemos na íntegra a obra de Bach ou a discografia de Brassens. Aqui, integralidade significa exaustividade, sem esquecer a menor parte; obra completa. Nós conhecemos o nu integral, essa exposição do corpo que se desnuda às alegrias do sol. Neste caso, a integralidade significa um movimento: passar em revista tudo o que envolve o corpo para, em sua totalidade, desembaraçá-lo de tudo o que o atrapalha e expô-lo aos raios de luz. Mas em que e como a ecologia poderia ser integral? Trata-se da integridade dos corpos, do integrismo das identidades territoriais ou da integração de todas as interdependências?
É um conceito dos católicos da direita e que atualiza a bioética na reivindicação dos “limites” sagrados da vida, começando não com os animais ou a economia, mas com o aborto? É um conceito dos católicos da esquerda que lutam pela emancipação de todas essas alienações que abarcam, no mesmo movimento mortal, o esgotamento dos recursos naturais e o esgotamento dos psíquicos, com atenção à terra que arde e às psiques que queimam (burn-out)? Ou é a expressão de uma resposta suprapartidária e ontológica, em vez de ética ou política, a um pedido radical vindo do grito da Terra?
A expressão “ecologia integral” apareceu sob a pena do atual papa, na Encíclica Laudato Si’ (2015). Um papa que escolheu chamar-se, numa filiação espiritual nada trivial, Francisco... como aquele de Assis. É incrível, pensando bem, que um papa enalteça a grandeza da natureza como criação, quando toda uma tradição teológica e religiosa não cessou de trabalhar para desencantá-la. Pois somos herdeiros de um longo trabalho de dessacralização das fontes, das florestas e das estrelas consideradas muito pagãs para valorizar o homem como única imagem de Deus.
Para nós, a natureza não é mais um mistério a ser adorado, mas um enigma a ser decifrado ou um canteiro a ser explorado. O que hoje em dia é chamado de "nova era", manipulada como um insulto para dizer um apego irracional e "animista" à Terra, perpetua-se. Só que, sem sacralizá-la, mas quando a consideramos, algo nos torna obrigados e, antes disso, seus parceiros. Que haja natureza e não nada, escapa de nossas garras e originalmente sonda nossa pertença terrestre.
O que a ideia de ecologia integral reserva é que, se há raízes teológicas para a nossa crise ecológica, deve haver respostas teológicas e recursos espirituais para acompanhar a transição ambiental e social. Nossa crise de energia, formulada em termos de emissões de carbono... também não seria uma crise de energia espiritual?
A ecologia integral foi popularizada por um papa argentino. Este detalhe geográfico não é insignificante. A América do Sul está experimentando todo o peso, mais rápido e mais cedo do que nós na Europa, da terrível coincidência de tempos entre injustiças ambientais e injustiças sociais. O grito da Terra e o grito dos povos... dos sem terra se faz ouvir ali num mesmo grito. Vivemos uma crise sem precedentes da habitabilidade da Terra (terras expropriadas pela monocultura intensiva, submersas ou seriamente poluídas).
Há uma urgência, portanto, para aprender a habitar o que Christian Bobin, na veia franciscana, chamou de “muito baixo”. O altíssimo também não é cantado aqui embaixo... que não é baixeza nem vileza, mas base e fortaleza? É na medida tomada de nossas interdependências terrestres que, longe de nos alienar, nos instala no ser terrestre, que convida à ideia da ecologia integral
Entre a ecologia científica, que multiplica o conhecimento (mudanças climáticas, sexta extinção das espécies), no qual não podemos acreditar, e a ecologia política, que alarga o campo da consideração moral dos humanos aos não humanos e aos ambientes naturais mas na difração das partes (ecologia parda, azul, rosa, vermelha ou verde), e as políticas públicas, a ecologia integral busca uma terceira via, aquela de renovar internamente a compreensão do nosso ser terrestre.
Ela explora as ressonâncias espirituais e religiosas de uma compreensão renovada de si em tempos de Antropoceno. Onde já a ecopsicologia (da ecoansiedade ao medo de se projetar em um sentimento de futuro ameaçado pela catástrofe) identifica que a crise ecológica nos afeta intimamente no plano psicológico, a ecologia integral desenha as repercussões no plano espiritual. A quais recomposições do crer convida o fato de nos reconhecermos como terranos, como diria o Gênesis, ou como terrestres, como gostava de dizer Bruno Latour? O que significa sentir-se interiormente ser terrestre, essa outra palavra para encarnação?
A ecologia integral requer uma conversão ecológica. Trata-se de ir além de uma ecologia superficial que trabalha sobre as consequências do desastre ecológico (crescimento verde, desenvolvimento sustentável, solucionismo técnico que coloca o problema apenas em termos de “carbono”), em favor de uma ecologia mais profunda que trabalha em suas causas. Ela carrega uma aspiração espiritual voltada para uma concepção mais ampla de ecologia, que reorienta o nosso pensamento da Terra em uma meditação mais ampla sobre a Criação e o Universo e seus bilhões de anos-luz, maiores que só a biosfera.
Aponta para uma gratidão primária pelo que é dado antes da preocupação instrumental de buscar extrair. Trata-se de aprender a se receber da Terra em vez de encará-la como a superfície sobre a qual desenvolvemos nossas iniciativas e nossa influência. Pensar e viver a ecologia, individual e coletivamente, em termos de dádiva mais que de trocas comerciais, esta é a integridade da ecologia integral.
Trata-se de aprender a compor cada vez mais nossas existências humanas com as outras não humanas e ambientais. Esta ecologia integral não é um programa a priori a ser executado, mas um processo de integração a ser implantado, não sem conflitos de interpretações, no vasto tempo de uma aliança terrestre ainda por vir. Declaração antes de ser uma instituição, ela não é um dado, mas uma tarefa. Convida-nos a prestar sempre mais atenção e consideração a essas interdependências que nos fazem ser no ser. Não se trata de diluir o humano no grande todo da natureza. Nisso consiste a nossa encarnação terrestre.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ecologia integral: “A nossa crise da energia também não seria uma crise de energia espiritual?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU