11 Mai 2023
"Hoje, talvez, eu consiga entender melhor porque Levinas me fascinava: ele é o menos grego, o menos indo-europeu dos filósofos e o mais semita dos mesmos, por ter proposto biblicamente - e como judeu conservador! – uma abordagem teológica e antropológica, que esquece o Ser parmenideo-platônico e toda a tradição ocidental dependente da analítica aristotélica", escreve Flavio Lazzarin, padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em artigo publicado por Settimana News, 10-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Peperzak (Guerini e Associati, Nápoles, 1989). O livro escondia uma surpresa, provavelmente desde 1991, ano em que comecei a ler Levinas: duas páginas escritas por mim, inspiradas na leitura do filósofo. Eu havia esquecido essas reflexões datadas: a clareza do texto me surpreendeu, como se, trinta anos atrás, tivesse sido escrito por outra pessoa.
Hoje, talvez, eu consiga entender melhor porque Levinas me fascinava: ele é o menos grego, o menos indo-europeu dos filósofos e o mais semita dos mesmos, por ter proposto biblicamente - e como judeu conservador! – uma abordagem teológica e antropológica, que esquece o Ser parmenideo-platônico e toda a tradição ocidental dependente da analítica aristotélica.
Estamos diante não apenas da superação da fenomenologia, mas, a partir do paradigma da alteridade - que remete ao Outro com O maiúscula -, uma refundação da filosofia, que aposta em outra ontologia, deixando-nos a esperança de que ainda se possa pensar, discernir e orientar a vida, após a crise mortal da metafísica grega e – no âmbito católico – após a irrelevância cada vez mais evidente da filosofia neoescolástica e das teologias montadas sobre o Ser.
Eis então, a minha reflexão de 1991.
É proibido responder apologeticamente à constatação de Nietzsche sobre a morte de deus e reagir aos vários funerais da metafísica clássica celebrados ao longo da história da filosofia europeia. O que é permitido diante do céu vazio, esvaziado por nós mesmos, e diante do cadáver do Deus - ser divino dos teólogos assassinado por nós mesmos, é aceitar essas premissas apofáticas e refugiar-se à sombra da Cruz de Jesus, o Messias.
É perceber que somente nos deixando guiar pelo Evangelho do Reino é que podemos nos opor ao domínio da nova trindade: tecnologia, capital, política. Porque o Mistério é inatingível: as palavras, os discursos não o revelam e, pelo contrário, o escondem.
Como católicos, poderíamos apelar à analogia entis, mas talvez a maior similitudo in maxima dissimilitudine seja um álibi ilusório, um jogo de palavras ou, como dizia Karl Barth, “culpada arrogância religiosa”.
Assim, parece que a única alternativa viável possa ser o silêncio. Cale-se, não profane o Mistério! Porém, para mim, que ouso me ver como discípulo de Jesus de Nazaré, Ele é a Palavra definitiva, corporal, sobre o Mistério.
Jesus, em constante relação com Ele, chama-o de pai, mas não remove o véu que o esconde; não o revela. Sim, quando você vê Jesus, você vê Abba. Em suma, o que ele revelou não é a face indefinível do Pai. O que nos é legado é o caminho para encontrá-lo nas vicissitudes imprevisíveis, incompreensíveis, incoerentes e violentas de nossa história pessoal e coletiva.
O que Jesus revela é a presença misteriosa do seu Reino no tecido do cosmos e do tempo. Temos uma única possibilidade de derrotar a imprevisível violência da natureza e a lógica da injustiça e do ódio que regem o mundo: a Glória do Crucificado, ágape infinito e incontaminado, para proteger e promover a vida de todos os viventes. Ágape que escapa das palavras, das explicações, das interpretações, das dialéticas, das racionalidades, para se refugiar em uma única Palavra vitoriosa: o Crucificado Ressuscitado.
Concluindo, é preciso lembrar que Jesus não é simplesmente o rabi de uma ética radical; sem dúvida radical é a ética como ontologia do irmão judeu Levinas. Porque Jesus não é só o Caminho, o método, mas Ele, apesar da nossa visão confusa “como num espelho” embaçado (1Cor 13,12), é também presença e companhia amorosa.
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A inspiração de Levinas. Artigo de Flavio Lazzarin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU