08 Mai 2023
Em seu livro Cómo ocultar un imperio: historia de las colonias de EEUU, o historiador Daniel Immerwahr, professor e diretor do Departamento de História da Universidade Northwestern, analisa o significado da palavra império e como os Estados Unidos vêm utilizando os territórios ultramarinos em diferentes períodos. Do imperialismo tradicional, com a colonização de territórios, ao “império pontilhado”, baseado em 750 bases militares e pequenos pontos estratégicos.
A entrevista é de Javier Biosca Azcoiti, publicada por El Diario, 04-05-2023. A tradução é do Cepat.
Para começar, o que é um império? A dimensão territorial é necessária?
Isso é algo que está em debate. Você pode ter uma definição mais restrita de império como um país que possui colônias e territórios remotos ou pode ter uma definição mais ampla em que império é um país que exerce poder indevido sobre outros e tem algum tipo de controle sobre seus vizinhos.
Seja qual for a definição utilizada, os Estados Unidos são claramente um império por sua dimensão territorial. No livro, não busco argumentar que os Estados Unidos são um império em suas relações comerciais ou em seus pactos militares, apenas quero destacar que se nos fixarmos apenas no território, obtemos uma história realmente interessante.
Argumenta que os Estados Unidos tradicionalmente ocultaram sua condição de império a ponto de até mesmo seus próprios cidadãos a ignorarem. Por quê?
Por um lado, faz sentido que os países tentem ocultar as partes de sua história das quais não se sentem orgulhosos. Mas, então, pergunta-se por que os Estados Unidos historicamente se orgulham do império e acredito que isso tem a ver com o nascimento do país em uma revolta contra outro império. É uma antiga colônia. Também tem a ver com o compromisso, desde muito cedo, com outro tipo de império diferente ao do uso de colonos e deslocamento da população do território em questão.
Tudo isso está muito arraigado na cultura política do país, de forma que quando os Estados Unidos começam a adquirir grandes territórios ultramarinos, são governados de forma diferente. Não se propôs o deslocamento ou o extermínio de filipinos, por exemplo. Tanto os dirigentes do país quanto os cidadãos tinham dificuldades de pensar nesses lugares e o que significavam para a cultura política do país. Era mais fácil, no entanto, escondê-los debaixo do tapete.
Fala também de uma dimensão racista. Poderia desenvolver um pouco essa ideia?
O império é uma forma política que submete vários territórios e seus habitantes a diferentes tipos de regras. Portanto, estabelece uma hierarquia entre os espaços dentro das fronteiras de um mesmo país. Ninguém se surpreende em saber que, muitas vezes, essa hierarquia se baseia em critérios raciais.
Os Estados Unidos têm uma longa história de expansão, reivindicação de território e, em seguida, elevação desses territórios a estados em igualdade de condições com os existentes, mas também têm uma longa história de expansão, reivindicação e manutenção indefinida ou por períodos muito longos do território. Qual é a diferença entre o destino desses territórios? A diferença é quase sempre a presença de colonos brancos.
Na América do Norte, os territórios que acabam adquirindo a condição de estado, como a Califórnia, que foi o mais rápido, após apenas dois anos, conseguiram devido a um fluxo de colonos brancos, neste caso, promovida pela febre do ouro. Por sua vez, os territórios que se mantiveram iguais por mais tempo, como Oklahoma, eram lugares onde viviam povos indígenas.
O mesmo acontece com os territórios ultramarinos. Uma das razões pelas quais a reivindicação de territórios ultramarinos se transforma em uma crise política dentro dos Estados Unidos é porque há uma firme suposição, de muitas pessoas, de que os lugares que estão habitados principalmente por pessoas não brancas não deveriam ser elegíveis para a condição de estado.
Divide a história do império estadunidense em quatro etapas. A partir do que considera a quarta e última, após a Segunda Guerra Mundial, por que os Estados Unidos se distanciaram do império colonial que tinham criado? O que significou essa estratégia?
Há uma forma de simplificar muito o assunto dizendo que os Estados Unidos rejeitaram completamente o modelo de colonialismo e seguiram uma forma baseada em pontos estratégicos. A razão do erro dessa ideia é que embora os Estados Unidos renunciam a sua maior colônia, as Filipinas, e embora declinem em tomar outras colônias, apesar de todas as oportunidades, continuam apegados a Porto Rico, Guam e outros.
Os Estados Unidos têm hoje cinco territórios ultramarinos e neles vivem 3,5 milhões de pessoas. A grande questão é: por que os Estados Unidos não fazem o que fez o Reino Unido, que quando estava no auge de sua hegemonia internacional se apoderou de muitos territórios? Os Estados Unidos parecem investir muito mais em uma forma diferente de projeção de poder, o que eu chamo de império pontilhado.
Existem dois tipos de respostas sobre os motivos. Uma tem a ver com algo a respeito do qual deveríamos falar, que é uma revolta global contra o imperialismo no sul global. As pessoas que vivem em colônias ou possíveis colônias rejeitam o império, de forma militante, tornando muito mais difícil para os colonizadores reivindicar esses territórios. O custo de reivindicar uma colônia aumentou.
Por outro lado, o desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, possibilita substituir as colônias por uma forma de projeção de poder com pontos apenas com a presença de bases. Por exemplo, os sintéticos, que tornam as matérias-primas das colônias menos importantes, e a aviação e a comunicação sem fio, que retira valor do controle territorial. Os Estados Unidos obtiveram muitos privilégios imperiais sem reivindicar realmente colônias.
Fala sobre o caso de Guantánamo e Saipan. Como os Estados Unidos se aproveitaram de contar com territórios juridicamente diferentes em relação ao continente?
Esses territórios não são grandes em termos de superfície, mas claramente possuem um peso que se sobrepõe em termos de importância histórica. Uma das razões é que se você tem um país onde a maior parte está sujeita a um conjunto de leis e há alguns lugares em que são aplicadas normas diferentes, eles vão se tornar muito interessantes porque permitem fazer várias coisas.
Um exemplo clássico é o uso da Baía de Guantánamo, que não é propriedade dos Estados Unidos, mas é estreitamente controlada por este país e foi utilizada para torturar os prisioneiros de uma forma que constituiria uma violação da legislação estadunidense.
Não é só o Governo que se aproveita disso. Porto Rico, por exemplo, torna-se um local muito importante para testar a pílula e outros métodos anticoncepcionais porque os cientistas e pesquisadores farmacêuticos consideravam que esses testes seriam perigosos e, portanto, politicamente difíceis de serem realizados em um lugar como Massachussetts. Em Porto Rico, como há menos supervisão e menos prestação de contas dos pesquisadores sobre as consequências, é muito mais fácil fazer a pesquisa.
Ou os abusos trabalhistas na ilha de Saipan, nas Ilhas Marianas do Norte.
Claro. Por que os principais varejistas se abasteceriam com roupas desta ilha no Pacífico, distante de sua mão de obra e de seu ponto de venda? Não parece fazer nenhum sentido, mas a razão é que se trata de um lugar onde as leis trabalhistas não são aplicadas e, no entanto, em relação às leis alfandegárias, esses produtos são fabricados nos Estados Unidos. Essa brecha legal já se fechou.
O que significa o fato dos Estados Unidos terem cerca de 800 bases militares em todo o mundo?
Da perspectiva dos Estados Unidos, é muito fácil não fazer nada a respeito e assumir que o país é como aparece no mapa e pensar que se há algumas bases, são tão pequenas que basicamente não contam. Contudo, para os países que possuem essas bases, são incursões politicamente importantes na soberania.
Houve dois primeiros-ministros japoneses que renunciaram devido à tensão política em torno de nossas bases. E a experiência japonesa não é totalmente incomum. Os países que abrigam bases possuem muitos debates políticos sobre a sua conveniência, porque há alguns benefícios, mas também alguns custos evidentes.
E isso se estende para além dos países que abrigam bases. Os países que estão perto de outros que abrigam bases precisam lidar com o fato dos Estados Unidos estarem, por exemplo, voando com armas nucleares sobre o seu território ou afetando suas economias e culturas por meio de suas transmissões de rádio. Embora a superfície dessas bases seja pequena, sua importância histórica é enorme.
Os Estados Unidos têm mais bases militares no exterior e em seus territórios do que todos os outros países juntos. A pessoa com a melhor apuração é um antropólogo chamado David Vine e sua última contagem é de 750 bases em territórios ultramarinos.
Do ponto de vista territorial e até não territorial, você diria que, atualmente, os Estados Unidos são um império e que seus cidadãos estão cientes disso?
Sim. Os Estados Unidos têm cinco territórios habitados. Têm centenas de postos avançados em forma de bases militares. Estão espalhados por todo o mundo. Estão no quintal do mundo todo. São inequivocadamente um império. Também é verdade que os cidadãos estadunidenses não falam sobre isso ou, quando é o caso, nem sempre falam da dimensão territorial.
Não é incomum que as pessoas nos Estados Unidos digam que este país é um império. No entanto, quando dizem isso, normalmente, estão querendo dizer que não gostam da política externa do país. Assim, mesmo as pessoas que fazem essa crítica, tanto de esquerda quanto de direita, raramente levam em conta a extensão territorial dos Estados Unidos, referem-se apenas ao caráter de suas políticas.
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“Os Estados Unidos têm mais bases militares no exterior do que todos os outros países juntos”. Entrevista com Daniel Immerwahr - Instituto Humanitas Unisinos - IHU