05 Mai 2023
Aos 67 anos vive o seu "noviciado" como prefeito do Dicastério para os Bispos: Robert Francis Prevost, nascido em Chicago (Estados Unidos), primeiro missionário e depois bispo em Chiclayo (Peru), é o frade agostiniano que o Papa Francisco escolheu para suceder o cardeal Marc Ouellet. Nesta entrevista à mídia vaticana, ele traça uma identidade do bispo para os tempos em que vivemos.
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican News, 05-05-2023.
O que significou para o senhor passar do ser um bispo missionário na América Latina a guiar o dicastério que ajuda o Papa a escolher os bispos?
Ainda me considero um missionário. A minha vocação como a de todo cristão é ser missionário, anunciar o Evangelho onde se está. Certamente minha vida mudou muito: tenho a possibilidade de servir o Santo Padre, de servir a Igreja hoje, aqui, da Cúria Romana. Uma missão muito diferente da anterior, mas também uma nova oportunidade de viver uma dimensão da minha vida que sempre foi simplesmente responder “sim” quando me pedem um serviço. Com este espírito concluí minha missão no Peru, depois de oito anos e meio como bispo e quase vinte anos como missionário, para começar uma nova em Roma.
O senhor poderia desenhar um retrato falado do bispo para a Igreja de nosso tempo?
Antes de tudo, é preciso ser “católico”: às vezes o bispo corre o risco de se concentrar apenas na dimensão local. Mas é bom para um bispo ter uma visão muito mais ampla da Igreja e da realidade, e experimentar esta universalidade da Igreja. É preciso também saber ouvir os outros e buscar conselhos, além de ter maturidade psicológica e espiritual. Um elemento fundamental do retrato falado é ser pastor, capaz de estar próximo aos membros da comunidade, começando pelos sacerdotes dos quais o bispo é pai e irmão. Viver esta proximidade a todos, sem excluir ninguém. O Papa Francisco falou das quatro proximidades: proximidade a Deus, aos irmãos bispos, aos sacerdotes e a todo o povo de Deus. Não devemos ceder à tentação de viver isolados, separados num edifício, satisfeitos por um determinado nível social ou por um certo nível dentro da Igreja. E não devemos nos esconder atrás de uma ideia de autoridade que hoje não faz sentido. A autoridade que temos é servir, acompanhar os sacerdotes, ser pastores e mestres. Muitas vezes nos preocupamos em ensinar a doutrina, o modo de viver a nossa fé, mas corremos o risco de esquecer que a nossa primeira tarefa é ensinar o que significa conhecer Jesus Cristo e testemunhar a nossa proximidade ao Senhor. Isto vem primeiro: comunicar a beleza da fé, a beleza e a alegria de conhecer Jesus. Significa que nós mesmos o estamos vivendo e compartilhando esta experiência.
Quanto é importante o serviço do bispo para a unidade em torno do Sucessor de Pedro num tempo em que a polarização aumenta também na comunidade eclesial?
As três palavras que estamos usando no trabalho do Sínodo, participação, comunhão e missão, dão uma resposta. O bispo é chamado a este carisma, a viver o espírito de comunhão, a promover a unidade na Igreja, a unidade com o Papa. Isso também significa ser católico porque sem Pedro, onde está a Igreja? Jesus rezou por isso na Última Ceia: “Que todos sejam um”. Esta é unidade que desejamos ver na Igreja. Hoje, a sociedade e a cultura nos levam distantes daquela visão de Jesus, e isso causa muitos danos. Esta falta de unidade é uma ferida que a Igreja vive, muito dolorosa. Divisões e polêmicas na Igreja não ajudam em nada. Nós bispos, especialmente, devemos acelerar este movimento rumo à unidade, rumo à comunhão na Igreja.
O processo de designação de novos bispos pode ser melhorado? Na "Praedicate Evangelium" se lê que "também os membros do povo de Deus" devem ser envolvidos. Isso acontece?
Fizemos uma interessante reflexão entre os membros do Dicastério sobre este tema. Já há algum tempo não se ouvem apenas alguns bispos ou alguns sacerdotes, mas também outros membros do povo de Deus. É muito importante, porque o bispo é chamado a servir uma Igreja particular. Então, ouvir o povo de Deus também é importante. Se um candidato não é conhecido por ninguém do seu povo, é difícil – não impossível, mas difícil – que se torne realmente pastor de uma comunidade, de uma Igreja local. Então é importante que o processo seja um pouco mais aberto à escuta dos diferentes membros da comunidade. Isso não significa que seja a Igreja local a ter de escolher o seu pastor, como se ser chamado a ser bispo fosse resultado de um voto democrático, de um processo quase "político". É preciso um olhar muito mais amplo e as nunciaturas apostólicas ajudam muito nisso. Creio que pouco a pouco devemos nos abrir mais, ouvir um pouco mais as religiosas, os leigos e as leigas.
Uma das novidades introduzidas pelo Papa foi a nomeação de três mulheres entre os membros do dicastério para os bispos. O que pode dizer sobre a contribuição delas?
Já vimos em várias ocasiões que o seu ponto de vista é um enriquecimento. Duas são religiosas e uma é leiga, e muitas vezes a sua perspectiva coincide perfeitamente com o que dizem os outros membros do Dicastério, enquanto outras vezes sua opinião introduz outra perspectiva e se torna uma contribuição importante para o processo. Penso que a nomeação delas seja muito mais do que um simples gesto do Papa para dizer que agora também há mulheres aqui. Há uma participação verdadeira, real e significativa que elas oferecem em nossas reuniões quando discutimos os dossiês dos candidatos.
As novas normas para a luta contra os abusos aumentaram a responsabilidade dos bispos, que são chamados a agir prontamente e responder por atrasos ou omissões. Como esta tarefa é vivida pelo bispo?
Também estamos a caminho sobre isso. Há lugares onde um bom trabalho já foi feito há anos e as normas são colocadas em prática. Ao mesmo tempo, acredito que ainda há muito o que aprender. Falo da urgência e responsabilidade de acompanhar as vítimas. Uma das dificuldades que surgem frequentemente é que o bispo deve estar próximo dos seus sacerdotes, como eu já disse, e deve estar próximo das vítimas. Alguns recomendam que o bispo não receba diretamente as vítimas, porém, não podemos fechar o coração, a porta da Igreja, às pessoas que sofreram por abusos. A responsabilidade do bispo é grande e acho que ainda temos que fazer esforços consideráveis para responder a esta situação que causa tanta dor na Igreja. Levará tempo, estamos tentando trabalhar junto com outros dicastérios. Acredito que faz parte da missão do nosso Dicastério acompanhar os bispos que não receberam a preparação necessária para abordar esse tema. É urgente e necessário que sejamos mais responsáveis e ainda mais sensíveis a este respeito.
As leis agora existem. É mais difícil mudar a mentalidade...
Claro, também há muita diferença entre uma cultura e outra em como se reage nessas situações. Em alguns países o tabu de falar sobre o assunto já foi um pouco quebrado, enquanto há outros lugares onde as vítimas, ou as famílias das vítimas, jamais gostariam de falar sobre os abusos sofridos. Em todo caso, o silêncio não é uma resposta. O silêncio não é a solução. Devemos ser transparentes e sinceros, acompanhar e ajudar as vítimas, porque senão suas feridas nunca cicatrizarão. Há uma grande responsabilidade nisso, para todos nós.
A Igreja está envolvida no processo que levará ao Sínodo sobre a sinodalidade. Qual é o papel do bispo?
Há uma grande oportunidade nesta renovação contínua da Igreja que o Papa Francisco nos convida a promover. Por um lado, há bispos que manifestam abertamente o seu receio porque não entendem para onde está andando a Igreja. Talvez eles prefiram a segurança das respostas já experimentadas no passado. Eu realmente acredito que o Espírito Santo está muito presente na Igreja neste momento e está nos impelindo a uma renovação e, portanto, somos chamados à grande responsabilidade de viver o que chamo de uma nova atitude. Não é apenas um processo, não é apenas mudar algumas formas de fazer as coisas, talvez organizar mais reuniões antes de tomar uma decisão. É muito mais. Mas é também o que talvez causa algumas dificuldades, porque no fundo devemos ser capazes de escutar sobretudo o Espírito Santo, o que está pedindo à Igreja.
Como se realiza isso?
Precisamos ser capazes de escutar uns aos outros, reconhecer que não se trata de debater uma agenda política ou apenas tentar promover temas que interessam a mim ou a outros. Às vezes parece que se queira reduzir tudo a querer votar para depois fazer o que foi votado. Ao contrário, trata-se de algo muito mais profundo e muito diferente: é preciso aprender a escutar realmente o Espírito Santo e o espírito de busca da verdade que vive na Igreja. Passar de uma experiência onde a autoridade fala e tudo se faz para uma experiência de Igreja que valorize os carismas, os dons e os ministérios que existem na Igreja. O ministério episcopal desempenha um serviço importante, mas depois é preciso colocar tudo isso a serviço da Igreja neste espírito sinodal que significa simplesmente caminhar juntos, todos, e buscar juntos o que o Senhor nos pede, em nosso tempo.
Quanto os problemas econômicos afetam a vida dos bispos?
Pede-se também ao bispo que seja um bom administrador ou, pelo menos, a capacidade de encontrar um bom administrador que o ajude. O Papa nos disse que quer uma Igreja pobre e para os pobres. Há casos em que as estruturas e infraestruturas de um tempo já não são necessárias e é difícil mantê-las. Ao mesmo tempo, também nos lugares onde trabalhei, a Igreja é responsável por instituições educativas e de saúde que oferecem serviços fundamentais ao povo, porque muitas vezes o Estado não consegue garanti-los. Pessoalmente, não sou da opinião de que a Igreja deva vender tudo e "apenas" pregar o Evangelho nas ruas. É uma responsabilidade muito grande, não há respostas unívocas. Há necessidade de promover mais a ajuda fraterna entre as Igrejas locais. Diante da necessidade de manter vivas as estruturas de serviço com as entradas que não são mais como eram, o bispo deve ser muito prático. As monjas de clausura sempre dizem: “É preciso ter confiança e confiar tudo à Providência Divina, porque se encontrará a maneira para responder”. O importante é também nunca nos esquecer a dimensão espiritual da nossa vocação. Caso contrário, corremos o risco de nos tornar gerentes e pensar como gerentes. As vezes acontece.
Como o senhor vê a relação entre o bispo e as redes sociais?
As redes sociais podem ser um instrumento importante para comunicar a mensagem do Evangelho a milhares de pessoas. Devemos nos preparar para usá-las bem, mas temo que às vezes tenha faltado essa preparação. Ao mesmo tempo, o mundo atual, que está em constante mudança, apresenta situações em que realmente temos que pensar várias vezes antes de falar ou antes de escrever uma mensagem no Twitter, para responder ou mesmo apenas para fazer perguntas de forma pública, à vista de todos. Às vezes, há o risco de alimentar divisões e controvérsias. Existe uma grande responsabilidade no uso correto das redes sociais, a comunicação, porque é uma oportunidade, mas também é um risco. E pode prejudicar a comunhão da Igreja. Por isso, é preciso ter muita cautela no uso destes meios.
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“O bispo é um pastor próximo ao povo, não um gestor”. Entrevista com Robert Francis Prevost, prefeito do Dicastério para os Bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU