13 Abril 2023
Cerca de 200 superiores religiosos franceses estão realizando um encontro de três dias para votar nas recomendações feitas por cinco grupos de trabalho à luz do relatório nacional de abusos de 2021.
A reportagem é de Christophe Henning, publicada por La Croix International, 12-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Cerca de 200 superiores de ordens religiosas católicas na França se reuniram para um encontro de três dias em Paris para fortalecer seus esforços coletivos e combater os abusos sexuais relacionados à Igreja.
O evento de 11 a 13 de abril, promovido pela Conferência dos Religiosos e Religiosas da França (CORREF), ocorre um mês depois que os bispos do país estabeleceram seus próprios protocolos mais rígidos para lidar com o assunto.
Os superiores religiosos estão revisando os resultados de cinco grupos de trabalho que foram criados para analisar diferentes aspectos da crise dos abusos após o devastador relatório que a Comissão Independente sobre Abusos Sexuais na Igreja Católica (CIASE) da França emitiu em outubro de 2021.
A Irmã Bénédicte Rivoire, prioresa geral das Irmãzinhas do Sagrado Coração, fez parte de um grupo de trabalho que assumiu as palavras de Jesus “pelos seus frutos os conhecereis” como ponto de partida para refletir sobre a manipulação espiritual.
Você participou de um grupo de trabalho da CORREF que focou a referência a dar bons frutos, encontrada no Evangelho de Mateus. O que suas discussões revelaram?
De fato, trabalhamos a partir dessa citação bíblica, que deve ser contextualizada. Jesus intervém para denunciar os falsos profetas: “Cuidado com os falsos profetas: eles vêm a vocês vestidos com peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes. Vocês os conhecerão pelos frutos deles: por acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de urtigas? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz maus frutos” (Mt 7,15-17). Vimos o quanto essa parábola foi distorcida de seu significado, usada para justificar pessoas ou ações desviantes, enquanto Jesus disse isso para denunciar os falsos profetas. É por isso que essa passagem de Mateus realmente precisa ser lida a partir da perspectiva das vítimas, sem distorcê-la ou abusá-la, o que infelizmente às vezes é feito com as Escrituras.
Esse mau fruto é o abuso e a agressão sexual cometidos por tantos anos?
As agressões sexuais são crimes, então talvez seja melhor não ser metafórico ao falar sobre elas, porque isso corre o risco de diminuir a gravidade daquilo que as vítimas podem ter vivenciado. Por outro lado, enfatizar que também há “bons frutos” nas comunidades onde ocorreram esses crimes é algo insuportável para as vítimas. É outra forma de fazer com que suas vozes desapareçam, em relação a pessoas cujas vidas foram obstruídas, abusadas durante tantos anos, em prol das aparências, da notoriedade, da glória, da beleza exterior, dos falsos “bons frutos”.
Foi isso que ocorreu em silêncio por um longo tempo e não é mais aceitável hoje. As nossas comunidades, as nossas congregações são convidadas a olhar atentamente para o nosso próprio funcionamento e para os nossos próprios textos para ver o que poderia e ainda pode levar a situações de influência e desvio indevidos. Um dos desafios do plenário da CORREF nesta semana é decidir juntos que é preciso ir mais longe, a partir das recomendações que vieram dos vários grupos de trabalho constituídos após o relatório da CIASE.
Qual seria a definição de um bom fruto?
Aqui tem uma armadilha: muitas vezes pensamos que uma congregação ou uma fundação estava dando “bons frutos” porque tinha muitas vocações, porque as obras pareciam florescer. O relatório da CIASE mostrou que, na verdade, podia haver uma falta de controle quando tudo parecia estar certo, principalmente para o fundador.
O que significa “dar bons frutos” então?
No relatório do nosso grupo de trabalho, há todo um desenvolvimento bíblico em torno desse tema que é difícil de resumir em poucas palavras, até porque é um tema que perpassa as Escrituras. Mas, para dar uma ideia, lembremos que essa é a primeira palavra que Deus dirige ao ser humano no Gênesis: “Frutificai”. Também fica claro que “ser frutífero” não é “multiplicar”. No Evangelho, o primeiro nome que Jesus recebe vem de Isabel, que saúda Maria. Jesus, então, é “o fruto do teu ventre”. Ele o será até o fim de sua vida, quando será o fruto pendurado na árvore da cruz. Somos convidados a participar dessa obra de frutificação, ou seja, deixarmo-nos configurar a Cristo que é o fruto por excelência. Dito de outra forma, que as nossas vidas tenham verdadeiramente o sabor do Evangelho, que elas sejam simplesmente cada vez mais humanas e que permitam que os outros assim sejam conosco.
Produzir frutos não é um sério desafio para a vida religiosa, que sabemos que está sofrendo um declínio numérico?
Talvez existam outros critérios além dos números, com os quais sempre nos deparamos. A fecundidade é de outra ordem, a do grão de trigo que não pode dar frutos sem antes morrer. Nenhuma congregação foi fundada para ser eterna. A perspectiva do desaparecimento de uma comunidade, da eventual morte de um instituto, não impede uma fecundidade que, em todo o caso, não nos pertence. Por outro lado, a forma de viver essa passagem pertence a nós e, com certeza, temos algo a compartilhar. A vida e a morte fazem parte da nossa humanidade comum, quer sejamos pessoas de fé ou não, seja para as pessoas ou para as obras em sentido amplo.
Tentar viver até o fim de acordo com o Evangelho talvez seja o modo como os frutos podem ser dados aos outros. Há aqui uma questão importante, que é permitir que os institutos vivam plenamente sua vocação até ao fim, mesmo no meio da decadência, para poderem conservar esse perfume do Evangelho e continuarem a ser felizes no seguimento de Cristo nessa forma particular de vida que é a vida religiosa.
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Ordens religiosas na França reforçam a luta contra os abusos sexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU