21 Março 2023
"A maioria parlamentar de centro-direita aprovou uma condenação resoluta contra a 'vergonhosa campanha mediática, baseada em grande parte em materiais dos aparatos repressivos da República Popular da Polônia, contra o grande Papa João Paulo II, o mais eminente polonês da história'", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 18-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"À luz das recentes tentativas sem precedentes e em grande escala de desacreditar a obra de São João Paulo II, os bispos convidam todos a respeitar a memória de um de nossos mais ilustres compatriotas" – assim escrevem os bispos poloneses no comunicado final da assembleia geral (13 a 14 de março).
E acrescentam: “A modalidade de resolução de problemas relativos a crimes cometidos por alguns clérigos no passado contra os menores será objeto de trabalho de especialistas, levando em conta o problema da credibilidade dos documentos do período da República Popular da Polônia. Os bispos pretendem constituir tal comissão, preocupados principalmente com o bem-estar das vítimas”.
Derrubando uma desconfiança antiga, a escolha de uma comissão independente foi feita com base na consciência da ambiguidade dos arquivos da polícia secreta comunista que, justamente nos mesmos dias, trazia à tona o assassinato por motivos políticos do pe. F. Blachnicki, morto em 1987 em Karlsberg (Alemanha).
Na coletiva de imprensa após a assembleia, o primaz, mons. W. Polak, esclareceu: “No âmbito das funções da comissão, certamente haverá um exame aprofundado dos documentos, tanto dos arquivos estatais como eclesiásticos, para apresentar o conteúdo em sua totalidade, levando em consideração as leis e os conhecimentos científicos, bem como o contexto sociocultural". “O trabalho será sobretudo uma ajuda às vítimas que merecem a verdade e ajuda na cura, ligada ao esclarecimento de todos esses casos”.
Indo além da reação defensiva imediata, os bispos se distanciam do violento confronto político para enfrentar o problema de frente. Em 5 de março, um documentário transmitido pela TVN24, da rede estadunidense Discovery, havia contado, com fontes de arquivo e testemunhos diretos, três casos em que o então bispo de Cracóvia (1964-1978), Karol Wojtyla, depois papa João Paulo II, não teria abordado adequadamente a questão dos abusos de seus padres.
A transmissão, assinada por Marcin Gutowski, antecipou em alguns dias o livro de Ekke Overbeek, Mea maxima culpa. João Paulo II sabia. A tese: o futuro papa foi cúmplice nos abusos, mantendo-os em segredo e transferindo os predadores de uma função para outra.
A transmissão teve grande audiência e gerou muitas discussões: sobre a veracidade dos fatos, sobre a desfiguração de um "monumento" nacional, sobre a confiabilidade das fontes. O presidente da conferência episcopal, mons. S. Gadecki, acusa a investigação de falta de espírito crítico em relação aos documentos dos serviços secretos comunistas, mas, ao mesmo tempo, admite que “defender a santidade e a grandeza de João Paulo II não significa que ele não tenha podido cometer erros”.
Dos três casos ilustrados, o coordenador da Conferência Episcopal, pe. A. Zak, aponta que dois já eram conhecidos e que o terceiro não cairia sob censura legal devido à idade da vítima (então fixada em 16 anos). Mas tanto ele quanto o chefe departamento Mons. Polak, delegado dos bispos para o problema, P. Studnicki, pedem uma investigação mais detalhada através dos arquivos eclesiásticos.
A decisão sobre a comissão vai nessa direção. Ela corrige a segurança com que os bispos defenderam João Paulo II de qualquer crítica em uma carta pública de novembro passado.
Os resultados do relatório (2022) sobre a proteção de menores e vítimas de abuso ficaram em segundo plano. Através dos 179 delegados zonais, foram recebidas 84 denúncias de abusos referentes aos anos de 1965 a 2022. 25% das vítimas têm menos de 15 anos.
Os contatos de ajuda seriam 307 em nível diocesano e religioso, enquanto a Fundação São José (entidade apoiada pelo conjunto das Igrejas) financiou diretamente o tratamento de 36 pessoas, iniciando numerosos cursos de formação e um trabalho específico sobre a "paróquia segura". São 114 os subsídios para bolsas de estudo, projetos de prevenção e formação científica.
Só para informação, segundo levantamento da Wirtualna Polska aqueles que estão convencidos do encobrimento dos abusos pelo falecido papa seriam 35%, enquanto 31% afirmam o contrário. Um terço não se manifesta.
O embate político, graças às próximas eleições, explodiu. A maioria parlamentar de centro-direita aprovou uma condenação resoluta contra a "vergonhosa campanha mediática, baseada em grande parte em materiais dos aparatos repressivos da República Popular da Polônia, contra o grande Papa João Paulo II, o mais eminente polonês da história". "O povo polonês e seus representantes eleitos democraticamente jamais permitirão que sua memória seja destruída com materiais fornecidos pelo sistema comunista ao qual ele se opôs."
O Presidente A. Duda disse: “Para nós poloneses, a memória de São João Paulo II é um elemento integrante do nosso patrimônio nacional e faz parte da razão de Estado polonesa que devemos apoiar com absoluta devoção e determinação”.
Por esta razão, o embaixador dos EUA foi convocado ao Ministério das Relações Exteriores para lhe informar que a transmissão se configura como parte de uma "guerra híbrida" para dividir a sociedade polonesa e enfraquecer a frente antirrussa e pró-ucraniana.
Para o primeiro-ministro M. Moravecki, “hoje a guerra está ocorrendo não apenas além das fronteiras orientais da Polônia. Infelizmente existem círculos que estão tentando provocar uma guerra civil no país."
Os liberais e a esquerda acusam a Igreja de apoio sistemático à direita, justificando as decisões e as orientações antidemocráticas do governo e alimentando o embate ideológico. A escolha da comissão independente poderia favorecer um confronto civil mais pacato e dar maior credibilidade ao trabalho eclesial sobre as vítimas.
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Polônia-abusos: comissão independente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU