20 Janeiro 2023
Um capitalismo que se adapte aos limites do planeta e seus recursos. Esse é o eixo da “transformação radical” defendida por Antonio Turiel Martínez, doutor em Física e pesquisador do Instituto de Ciências do Mar, do Conselho Superior de Investigações Científicas – CSIC.
Em seu novo livro Sin energia: pequeña guía para el Gran Descenso (Ed. Alfabeto, 2022), este cientista nascido em León [Espanha], mas residente em Girona há três décadas, faz uma implacável radiografia da atual crise energética e de suas consequências ambientais e econômicas. Afirma que as energias renováveis “não serão suficientes e dizer que poderão substituir totalmente os combustíveis fósseis não é verdade”. Também considera que a pandemia acelerou um processo que, se não houver mudanças substanciais, abrirá uma fase de severa crise do capitalismo.
A entrevista é de Daniel Galvalizi, publicada por Naiz, 16-01-2023. A tradução é do Cepat.
Por que o subtítulo do livro é “Guia para o grande descenso”?
Porque estamos vendo um processo inevitável de descenso energético. Eles nos passam uma ideia de transição simples e de forma alguma é assim, é tecnicamente impossível. Cada vez teremos menos energia e a razão do título Sin energía está em que não haverá para permanecer fazendo as coisas como até agora.
Em meu livro Petrocalipsis, descrevi o quadro geral da crise energética e o declínio por razões geológicas das fontes de energias não renováveis e que as renováveis não conseguem cobrir o enorme buraco que estão deixando. No novo livro, tento contar o que acontecerá nos próximos anos, de forma aproximada, claro.
Falo dos processos em curso e, sobretudo, como atingem a Europa. Aqui, na Europa, há um pouco de inópia, pensando que as coisas serão fáceis de resolver e não serão, nada será simples. Falo de coisas concretas como a crise do diesel, que é um problema global, dos apagões, se são voluntários ou involuntários etc.
De quando escreveu ‘Petrocalipsis’ em 2020 até agora, seu diagnóstico e previsões pioraram muito, pouco ou nada?
Pioraram muito. O processo se acelerou. O que motiva Sin energía é o fato de estar ocorrendo uma clara aceleração. As coisas que falamos agora na Europa eram impensáveis há um ano. A guerra na Ucrânia foi um acelerador dos problemas energéticos, no final de 2021, já tínhamos gás e combustível caros, coisas que já estavam começando.
É importante perceber que há processos que estão em curso e que se isso se dá é porque há um problema estrutural que implica mudanças estruturais. As políticas que estão sendo implementadas são todas conjunturais e existem até resgates para empresas de energia. Deveriam ser realizadas mudanças de caráter estrutural, mas ninguém quer abordá-las porque implica mudanças no modelo socioeconômico, uma mudança do capitalismo para um modelo mais evoluído.
Como se chegou até aqui?
Acabamos colidindo com os problemas de sustentabilidade do capitalismo e os limites biofísicos do planeta. O planeta é finito e pode absorver uma quantidade finita de tudo. Aqui está o problema de fundo. A razão de não se aceitar que esta crise energética tem base estrutural e que piorará está em que reivindica uma superação do capitalismo, que se adapte aos limites. Isto, hoje, é um anátema, um tabu, que quando mencionado espanta determinadas pessoas.
Não é permitido fazer uma crítica realmente profunda ao capitalismo. Se você é superficial, sim, mas se vai às raízes, não agrada. Quando meu filho tinha 6 anos, expliquei-lhe que não era possível crescer para sempre em um planeta finito e ele entendeu de imediato. Como, então, um homem engravatado não consegue entender? Nossos responsáveis políticos não vão contrariar os interesses dos grandes capitais. É uma tentativa estúpida tentar sempre crescer em um planeta finito.
Cite exemplos que tornam esta crise visível.
O problema mais grave e de maior repercussão é a crise do diesel. O diesel é o sangue do sistema, é utilizado por tratores, escavadeiras etc. Sua falta provoca o aumento do preço das matérias-primas e causa um problema generalizado, incluindo a crise alimentar. A produção de diesel atingiu o pico em 2015 e, de 2018 a 2021, caiu 15%. Agora, pouco se recuperou.
Estamos em um momento histórico em que as matérias-primas energéticas começam sua fase de declínio, a extração vai caindo com o tempo e isso não pode ser evitado, tem a ver com a geologia, mesmo que os processos de extração sejam melhorados. Se gasto mais energia do que a devolvida pelo petróleo depois, estou fazendo besteira.
A produção de petróleo cru, convencional, atingiu o pico em 2005, há 17 anos. Desde então, caiu 12%. É um processo gradual e para compensá-lo outras coisas foram envolvidas, os petróleos não convencionais. Nesta miscelânia, está o fracking dos Estados Unidos e o petróleo extrapesado da Venezuela e Canadá. Contando com esses petróleos não convencionais, cuja produção não pode aumentar tanto porque são limitados, mais o convencional, o pico foi 2018.
Para produzir diesel, são necessárias misturas muito específicas de hidrocarbonetos. Esse é o motivo pelo qual o diesel começa a cair antes que a produção da gasolina, que não tem tantos problemas. E cai mais depressa. A isto se soma o problema do gás na Europa, agravado pela guerra, e depois os problemas associados a estes, como o das matérias-primas.
Por que em seu livro fala em “crises aninhadas”?
Estão todas conectadas, quando uma falha, as outras começam a falhar. Por exemplo, a escassez mundial de diesel encarece a produção de alimentos e a crise alimentar encarece os produtos mais consumidos. E faz crescer a produção de óleo de palma, que se pretende usar para o diesel, então, retroalimenta a escassez.
A falta de diesel repercute na extração de minas de carvão, então, falta para a produção de eletricidade e as fábricas na China rendem menos, portanto, falta aço para outras produções e assim tudo recomeça. Tudo está conectado.
Vivemos em uma sociedade complexa, com muitos laços de retroalimentação e isso a torna mais frágil e leva a um efeito dominó. Eu esperava que houvesse problemas, mas não tantos e tão rápido.
O que pretende dizer quando propõe “uma redução do metabolismo da economia global”?
Este é um termo cunhado na economia ecológica há muito tempo e implica em interpretar a sociedade como um mecanismo vivo, que absorve nutrientes e produz produtos. Nesse exato momento, a diminuição do que se come causa uma diminuição do metabolismo. A sociedade não pode consumir tudo o que gostaria para continuar funcionando da mesma forma, por isso é preciso mudar o sistema econômico, para que não continue com esta dieta hipercalórica.
A maioria dos materiais se desperdiça porque, em nosso sistema, existe um sentido econômico para desperdiçar e jogar. É preciso fazer mudanças para que essa atitude crematística não seja necessária. Por exemplo, 30% dos alimentos vão direto para o lixo, sem que ninguém os toque. Não interessa ter tantas laranjas porque não têm o tamanho ou aspecto adequado e para que não sobrem e diminuam o preço.
Falamos de uma crise alimentar quando o que existe é uma crise de distribuição e uma crise ética. Na Espanha, uma pessoa consome em média 30 quilos de roupas por ano, é excessivo. São cinco máquinas de lavar inteiras. Outro exemplo é o abuso do automóvel, que é um grande consumidor de recursos e seu sentido econômico é engordar as contas de algumas empresas.
Não há outro remédio a não ser mudar isto. Tenta-se manter a falácia de que as energias renováveis tentarão alcançar a substituição (dos fósseis) e não é assim.
Então, você afirma que nem os carros elétricos, nem as energias renováveis, em escala industrial, e nem o hidrogênio verde conseguirão manter o sistema econômico como está agora...
Existe um problema: os sistemas de reprodução de energias renováveis requerem materiais que não são abundantes no planeta. Você precisa de prata para conectores, para as placas fotovoltaicos, lítio para as baterias, níquel, cobalto, tudo possui quantidades limitadas.
Se todo o planeta tentar fazer a transição energética, e isso é estudado pelo grupo de Ecologia Industrial do Instituto CIRCE, não conseguiremos. Desde a extração das peças, instalação, manutenção e transporte, e aí aparecem os caminhões, cimento, aço, grandes quantidades de combustíveis fósseis envolvidos.
E o terceiro problema está na forma de consumir energia. Quanto você imagina que é o consumo de eletricidade?
Não sei... 70%?
Não, 20%. Somando o consumo das famílias, indústrias, governos..., em países como a Espanha, é de 23,6%, semelhante à Alemanha. O resto não é elétrico e, no entanto, toda a ênfase é colocada na eletricidade e seu consumo. Desde 2008, não para de cair, porque não é a forma de energia que comanda. O resto do consumo é gasolina, querosene, diesel, gás e carvão, fundamentalmente para fabricar aço. Dar a ideia de que está havendo uma substituição não condiz com a verdade.
Até hoje ninguém me refutou, porque quando cito estes documentos há uma tendência a silenciar o que digo porque evidentemente não podem me contestar. Tecnicamente, o que está sendo proposto é uma imbecilidade supina. Eu converso com muitos cientistas e todos dizem a mesma coisa, mas se calam, há um silêncio cúmplice porque todos trabalham para alguém.
Vão chamá-lo de marxista...
[Risos] Eu não me meto com questões ideológicas, concentro-me em questões tangíveis e técnicas. Embora, sim, concordo com ele que o capitalismo não é viável. Isto não era um mistério, sabia-se que iria acontecer.
Está claro que o que precisa ser mudado é a diminuição do consumo. Completamente. Não é sobre o que se come, mas como se consome. Comer uma maçã da cidade vizinha ou de algum lugar do país, não daquelas que vêm da Califórnia, de modo que se consuma menos materiais e energia.
É preciso fazer transformações importantes no sistema produtivo porque está construído de tal forma que precisa do superconsumo, pois, caso contrário, geraria desemprego e recessão. E mudar o sistema financeiro, que está orientado para o crescimento. Você recebe dinheiro e é obrigado a crescer para pagá-lo. O sistema financeiro deveria ser público e não cobrar juros, e isso é um anátema.
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Reduzir o metabolismo da economia e sua dieta hipercalórica. Entrevista com Antonio Turiel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU