27 Outubro 2022
"Ouça, Senhor, a oração dos pobres, dos fracos, dos feridos, dos refugiados que imploram a paz e com eles salve todos nós do ódio e das guerras”.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 26-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A oração pela paz dos líderes religiosos reunidos em Roma para dizer não a todas as guerras resume-se numa invocação que vai ao cerne do problema: a paz serve para salvar a vida dos inocentes, dos últimos, dos que não têm nenhum poder.
O encontro promovido pela Comunidade de Santo Egídio – O Grito da Paz – que começou no domingo, de fato terminou ontem à tarde, primeiro com um momento de oração em que os representantes das várias tradições religiosas se reuniram separadamente, depois no Coliseu com uma série de intervenções encerradas por um discurso do Papa Francisco.
Nos três dias de debates no centro de convenções La Nuvola no Eur, e novamente nas palavras do bispo de Roma, reapareceu repetidamente a preocupação pelo risco de uma escalada nuclear nunca vista tão próxima e possível desde a crise dos mísseis de Cuba de 1962.
"Hoje, de fato", disse o Papa em seu discurso, está acontecendo o que se temia e o que nunca gostaríamos de ouvir: isto é, o uso de armas atômicas, que culposamente depois de Hiroshima e Nagasaki se continuou a produzir e testar, agora é abertamente ameaçado.
A questão foi abordada também no Apelo pela paz de Roma subscrito pelos líderes religiosos presentes na capital onde se pede explicitamente “libertar o mundo do pesadelo nuclear”.
"Vamos reabrir imediatamente um diálogo sério", diz o texto, "sobre a não proliferação nuclear e o desmantelamento das armas atômicas".
“A invocação pela paz não pode ser suprimida", frisou o pontífice, "brota do coração das mães, está escrita nos rostos dos refugiados, das famílias em fuga, dos feridos ou dos moribundos. E esse grito silencioso sobe ao Céu”.
É um pedido que “não conhece fórmulas mágicas para sair dos conflitos, mas tem o sacrossanto direito de pedir a paz em nome dos sofrimentos padecidos, e merece ser ouvido. Merece que todos, começando pelos governantes, parem para ouvir com seriedade e respeito. O clamor pela paz expressa a dor e o horror da guerra, mãe de todas as pobrezas”.
Bergoglio fez seu apelo para não nos deixarmos “contagiar pela lógica perversa da guerra; não caiamos na armadilha do ódio ao inimigo. Recoloquemos a paz no centro da visão de futuro, como objetivo central da nossa ação pessoal, social e política, em todos os níveis. Vamos desarmar os conflitos com a arma do diálogo”.
A partir do encontro inter-religioso em Roma, aumentou o pedido de negociações para parar o conflito que faz sangrar a Ucrânia, ao mesmo tempo que os participantes nos vários momentos de discussão chamaram a atenção para as muitas frentes de guerra abertas hoje no mundo.
Passaram-se 36 anos desde o primeiro encontro pela paz e diálogo entre as grandes religiões em Assis, era 1986, lembrou o presidente da Comunidade de Santo Egídio, Marco Impagliazzo, desde então, ele disse, “o mundo mudou. A Guerra Fria não existe mais, a ideia do choque de civilizações foi contida. A compreensão e a amizade entre os mundos religiosos cresceram muito, mais do que aquelas entre as nações. Nossa oração mudou narrativas que pareciam inatacáveis, modificou cenários tão sólidos quanto uma cortina de ferro”. "Se as religiões - acrescentou - ouvirem o grito de paz e unirem a sua oração, a sua capacidade criativa, também esta guerra mundial em pedaços pode ser detida".
A escritora Edith Bruck, testemunha do Holocausto, também esteve presente na cerimônia de encerramento no Coliseu.
Na frente diplomática, o presidente francês Emmanuel Macron informou que pediu ao Papa Francisco, durante o encontro no Vaticano na segunda-feira passada, que telefonasse ao presidente russo, Vladimir Putin, ao patriarca ortodoxo russo Kirill e ao presidente estadunidense Joe Biden, para "favorecer o processo de paz" na Ucrânia.
De acordo com o que escreveu a agência russa Tass, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, julgou positivamente a iniciativa do presidente francês.
De um modo geral, o encontro pela paz promovido por Santo Egídio pareceu caracterizar-se por uma consciência cada vez maior dos líderes espirituais sobre o papel positivo que as tradições religiosas podem desempenhar na construção de relações mais abertas e colaborativas entre os povos e os Estados, e ser um antídoto aos nacionalismos exasperados.
Inclusive porque alguns deles compartilham há muito tempo as iniciativas da Comunidade. É o caso do rabino David Rosen, um dos maiores promotores do lado judaico do diálogo entre as religiões, que insistiu muito sobre a necessidade de se desenvolver o conhecimento mútuo entre religiões e culturas: "poderíamos nos perguntar - disse Rosen durante um dos debates - por que é tão importante conhecer-se reciprocamente? A resposta, claro, é que, se não nos conhecemos, somos vítimas de todos os tipos de preconceitos negativos e até de hostilidade. Para viver em paz e harmonia uns com os outros é necessário nos conhecermos”.
Da mesma forma, quando não nos falamos, nos tornamos vulneráveis a todos os tipos de mal-entendidos e percepções errôneas. O verdadeiro diálogo, que significa falar com o outro, não ao outro, torna-nos capazes de nos conhecer e compreender reciprocamente”.
O intelectual libanês Tarek Mitri, da Universidade Americana de Beirute, por sua vez ressaltou como “não se pode ignorar o generalizado reaparecimento do nacionalismo, do bairrismo e do populismo. Decididamente, as políticas identitárias muitas vezes se tornaram um determinante fundamental das relações internas e entre as nações. Na perplexidade de muitos crentes, a religião é cada vez mais manipulada na mobilização política, exagerando os medos ou reinventando o chamado ódio ancestral entre as comunidades”.
Talvez, um aspecto que faltou no intenso calendário de eventos da iniciativa tenha sido um aprofundamento sobre o tema da defesa dos direitos humanos e civis atacados em muitas partes do mundo (problemática que é parte do nexo entre paz e justiça). No entanto, temáticas relacionadas à migração e ao meio ambiente reencontraram espaço.
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A oração do papa se torna um grito contra a escalada nuclear - Instituto Humanitas Unisinos - IHU