27 Outubro 2022
Após as ameaças, começaram as grandes manobras do arsenal nuclear de Moscou, sob o olhar de Putin. Enquanto a OTAN também está testando esquadrões com armas táticas. Um cenário de alta tensão, como não se via desde 1962.
A reportagem de Gianluca Di Feo, publicada por La Repubblica, 26-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O ritual é o mesmo que se repete todos os anos desde os tempos da URSS, revigorado no passado recente pelas ambições de Putin. Hoje, no entanto, o exercício das forças nucleares russas corre o risco de marcar mais um pico de tensão mundial, com as grandes potências que pela primeira vez desde 1962 se encontram concretamente a se confrontar com o perigo de uma escalada atômica.
As manobras Grom, ou seja, Trovão, começaram na manhã de quarta-feira: já foram emitidos alertas para as áreas afetadas por lançamentos de mísseis balísticos, movimentos de frota e esquadrões aéreos. E Vladimir Putin, informa o Kremlin, assiste aos exercícios.
Como de hábito, toda a máquina estratégica bélica de Moscou será colocada em alerta máximo. Os silos subterrâneos com os aviões intercontinentais, a artilharia com os mísseis de longo alcance, os submarinos, os bombardeiros Tupolev, todo o pessoal responsável pelas ogivas nucleares estará pronto para entrar em ação minutos após a ordem.
Uma rotina que começa enquanto as chancelarias discutem "bombas sujas", provocações atômicas e represálias. E que nas próximas 72 horas poderia tornar irreparável qualquer incidente ou equívoco.
Nunca antes um exercício nuclear havia sido conduzido por uma nação em guerra, engajada não apenas na invasão da Ucrânia, mas também no braço de ferro com todo o Ocidente. O fato de o presidente Biden sentir a necessidade de advertir Moscou duas vezes em duas semanas atesta a periculosidade da situação: "Passei muito tempo falando sobre isso hoje. A Rússia estaria cometendo um erro incrivelmente sério se usasse a arma nuclear tática".
Desde fevereiro passado a ameaça foi evocada várias vezes, tanto pelo Kremlin quanto pelos "falcões" que ostentam posições ainda mais duras na chamada Operação Militar Especial. Mas agora há uma diferença, formal e substancial: o telefonema do ministro da Defesa Shoigu para seus colegas estadunidense, britânico, francês e turco. Ele manifestou sua convicção de que a Rússia está prestes a ser alvo de um ataque radioativo lançado da Ucrânia.
Essa comunicação é um passo oficial para transmitir a determinação de agir com todos os instrumentos do arsenal de Moscou.
Washington, Londres e Paris responderam com uma nota, excluindo que exista algum plano para atingir a Rússia com uma "bomba suja" - um dispositivo convencional que dispersa poeira radioativa - e qualificando o anúncio de Shoigu como premissa para uma provocação: uma falsa bandeira para propositalmente criar o pretexto para lançar uma ogiva tática.
"Ainda não posso dizer se é uma operação de falsa bandeira - declarou Biden -. Não sei, mas seria um erro grave, um erro muito grave." O primeiro-ministro norueguês dirigiu-se ontem ao Parlamento: "Consideramos a possibilidade do uso de armas nucleares ainda baixa. Mas não é zero. À luz da linguagem que foi usada, não pode ser descartada. Embora a probabilidade seja baixa, aumentou".
A preocupação do Pentágono - conforme noticiado pelo New York Times - é máxima. Um dos três Boeing RC135 Cobra Balls decolou esta manhã em direção à Sibéria: é a aeronave especializada em controlar o lançamento de mísseis intercontinentais. O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, anunciou que a Aliança irá monitorizar as manobras em Moscou e "permanecerá vigilante, principalmente à luz das ameaças nucleares veladas e da perigosa retórica que vimos do lado russo".
Não há necessidade de colocar em estado de alarme as bases da OTAN na Europa porque já estão: estão em andamento os exercícios Steadfast Noon, que continuarão até domingo precisamente para testar a capacidade de reação das esquadrilhas aliadas destinadas a usar armas táticas, embora nenhuma bomba real será retirada dos bunkers. Sim, ambos os lados estão agora operacionais para enfrentar um cenário apocalíptico.
Todo mundo está se perguntando até onde o Kremlin quer chegar. Nos protocolos para a "guerra híbrida" elaborados pelos estrategistas de Putin há amplo espaço para uma teoria chamada "controle da reação", o mais recente desenvolvimento de uma doutrina soviética. Iniciativas são realizadas para estimular uma determinada resposta. Nesse caso, anunciar a iminência do Armagedon poderia servir para minar a solidariedade ocidental com a Ucrânia e pressionar grupos políticos ou movimentos de opinião a se mobilizarem.
Como aconteceu nos Estados Unidos, com a divulgação de uma carta assinada por trinta expoentes democráticos progressistas pedindo a abertura de negociações com Moscou: um documento retratado por muitos dos signatários e retirado ontem à noite. Também o líder republicano na Câmara, Kevin McCarthy, no entanto, falou sobre não querer dar "um cheque em branco" a Kiev.
A esperança é justamente esta, que a escalada verbal seja parte de um plano político e não militar. Ao mesmo tempo, a situação na frente das tropas russas continua crítica, apesar da mobilização de 300.000 reservistas. Nem mesmo a campanha de incursões contra cidades e centrais elétricas está freando a ofensiva da resistência. Putin precisa de uma saída antes que a invasão da Ucrânia destrua seu sistema de poder. No entanto, não encontra apoio para uma negociação que obrigue o presidente Zelensky a conceder-lhe os territórios ocupados. E os "falcões" da vitória a todo custo continuam a invocar o uso da bomba.
Nesse contexto, as variáveis irracionais não devem ser ignoradas. Acidentes, por exemplo, também devido à má qualidade das armas russas de alta tecnologia: o que aconteceria se um protótipo de míssil lançado para o exercício Grom acabasse por engano na Escandinávia ou nos países bálticos? Ou as provocações: há poucas semanas, um avião de reconhecimento britânico sobrevoando o Mar Negro foi ladeado por caças de Moscou, que lançaram um míssil terra-ar. Desde então, os jatos britânicos também voam com a escolta de interceptores também no espaço aéreo internacional. Com dezenas de aeronaves e navios militares que se desafiam de perto no Báltico, Mar Negro e Mediterrâneo, o risco de um erro ou provocação permanece na ordem do dia. Tem sido assim há meses, mas nas próximas 72 horas todo o arsenal nuclear russo estará pronto para entrar imediatamente em ação.
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O mundo na expectativa com os exercícios nucleares russos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU