Um curso sobre Pier Paolo Pasolini em nome do diálogo. Entrevista com Tonio Dell’Olio

(Foto: Reprodução | Gagarin)

27 Agosto 2022

 

O 80º Curso de Estudos Cristãos promovido em Assis, na Itália, pela Pro Civitate Christiana, fundado em 1939 pelo poliédrico Pe. Giovanni Rossi, um dos “pioneiros”, entre outras coisas, do diálogo entre católicos e não crentes, é dedicado a Pier Paolo Pasolini. Foi justamente em Assis que Pasolini amadureceu a ideia de fazer um filme sobre Jesus, aquela que mais tarde seria “O Evangelho segundo Mateus”.

 

 

A reportagem é de Luca Kocci, publicada em Il Manifesto, 19-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Há um elo profundo, portanto, entre o intelectual e Assis. Tanto que a cidade da Úmbria está empenhada em colaborar com a criação de um percurso sobre Pasolini que começará nesta segunda-feira – com o curso de estudos, de 22 a 27 de agosto – e continuará durante todo o ano, com a participação, entre outros, de Ascanio Celestini, Goffredo Fofi, Dacia Maraini e Giovanna Marini (programa completo em www.cittadella.org).

Falamos sobre isso com Tonio Dell’Olio, presidente da Pro Civitate Christiana.

 

Eis a entrevista.

 

Por que um curso de estudos cristãos sobre Pier Paolo Pasolini?

 

Acho que a Itália contraiu uma dívida com um dos intelectuais mais originais e fecundos do século XX. Essa dívida está longe de ter sido paga. Especialmente se pensarmos que quem quis eliminá-lo havia imaginado uma damnatio memoriae que devemos evitar. Nesta semana, queremos aprofundar em particular a visão de Pasolini sobre o poder: ele nunca tem uma abordagem previsível, banal, vulgar sobre as coisas, sempre desloca o interlocutor, o espectador, o leitor.

 

 

Como foi o primeiro encontro de Pasolini com Assis?

 

Todos os anos, a Pro Civitate Christiana organizava um congresso internacional de cineastas, e, quase como uma provocação, o Pe. Giovanni Rossi decidiu convidar, entre outros, o diretor que era considerado o mais distante do fato religioso. Pasolini aceitou inesperadamente o convite e, em 2 de outubro de 1962, chegou em uma Assis repleta de pessoas que se preparavam para acolher o Papa João XXIII, em visita à cidade da Úmbria. Ele se fechou no quarto e, encontrando o Evangelho na mesinha de cabeceira, leu-o, amadurecendo a ideia de fazer um filme sobre Jesus.

 

 

Então, foi um encontro frutífero...

 

O Evangelho segundo Mateus certamente é o resultado mais importante e representativo. Mas, em uma época de fortes contradições ideológicas, a coragem de se inclinar para o encontro com o outro e para a sua diversidade representou uma bela nota fora do coro que custou muito em termos de consenso em ambos os campos, mas valorizou um estilo.

 

Um dos encontros do curso que começa nesta segunda-feira tem como título “Religiosamente laico”. Parece-me um oxímoro eficaz para sintetizar a relação de Pasolini com a religião.

 

Tanto as obras de Pasolini quanto o seu autor são habitados por uma visão profundamente religiosa da existência que nos levam a tirar as sandálias do preconceito para nos fazer andar descalços sobre o terreno desconhecido da vida. Esse respeito atravessa culturas, ideologias, correntes de pensamento. Na verdade, deveria ser o fio condutor que a todos reúne.

 

Eu falaria antes de “sagrado” do que de religioso, dadas as relações bastante conflitantes de Pasolini com a instituição eclesiástica.

 

É verdade. Essa religiosidade é mais um senso do sagrado com o qual é possível olhar para o ser humano e para a divindade que nele resplandece. Falando de Jesus, Pasolini afirma que não acredita que ele seja filho de Deus, mas compreende, antes, que a divindade está presente nele. Depois, ele chegaria a afirmar isso sobre cada pessoa. Pasolini é um insaciável buscador e mendicante do sagrado.

 

Voltemos ao início: o que o “herético” Pasolini tem a ver com o cristianismo?

 

A visão ética de Pasolini sobre a bondade de fachada, os vícios burgueses, a promoção do subproletariado e a condenação do capitalismo como causa desses males coincide com a avaliação moral da religião cristã. Os anos de realização do filme eram os do Concílio Vaticano II em que essa visão ia se tornando mais precisa. O cristianismo foi gerado pela heresia de Cristo, que não foi acolhida pelos burgueses, pelos homens de bem e pelos homens religiosos do seu tempo, que por isso o mataram.

 

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