Por: João Vitor Santos | 27 Outubro 2016
“Luta é preciso, sempre”. Essa é uma das provocações que ficaram da conferência de Vinícius Nicastro Honesko, professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná – UFPR. “Mas de que luta estamos falando?”, questiona o professor, colocando todo o auditório num silêncio reflexivo. Honesko também deixa no ar chaves de leituras e possíveis linhas de fuga para se pensar nessas resistências. Uma delas é a ideia de “sociedade verdadeiramente socialista”, a partir de uma formulação de Pier Paolo Pasolini. A palestra de Honesko, realizada na noite de terça-feira, 25-10, encerrou o primeiro dia do VII Colóquio da Cátedra Unesco – Unisinos de Direitos Humanos e Violência, Governo e Governança e V Colóquio Internacional IHU – o evento ocorreu nos dias 25 e 26-10.
Para o professor, esse espírito verdadeiramente socialista está muito claramente manifestado no movimento dos estudantes secundaristas do estado do Paraná. “Para mim, é o movimento político mais importante desde as manifestações de 2013”, avalia Honesko. 600 colégios chegaram a ser ocupados, levando o Governo do Estado do Paraná a decretar recesso. Os jovens secundaristas fazem resistência à Medida Provisória - MP 746, que quer promover o que o Governo Federal chama de “reforma” do Ensino Médio, e à Proposta de Emenda Constitucional - PEC 241, que restringe os gastos públicos por 20 anos. “Há sempre uma possibilidade de dizer não. E a sala de aula ainda é esse espaço para se criar outras formas de resistência”, aponta, ao responder a questionamento sobre os cerceamentos que professores e o espaço de sala de aula vêm sofrendo, muito a partir da perspectiva da escola sem partido.
O curioso é que na mesma noite de terça-feira, enquanto na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU, Campus São Leopoldo da Unisinos, falava-se sobre resistência, os deputados federais aprovavam na Câmara em segundo turno a PEC 241 (a matéria segue, agora, para apreciação no Senado). Será essa a primeira derrota da resistência? Como se dá essa aprovação em meio a diversas manifestações em todo o Brasil contra essa PEC? Sobre essas questões que orbitam depois da noite de terça-feira, Honesko formula outra que pode inspirar: “será que o paradigma da luta (enquanto confronto, que se impõe como força contrária) ainda pode ser pensado como estratégia?”. Para ele, o caminho pode ser pensar em outras saídas. “Talvez o confronto não seja a melhor estratégia. É muito mais, como Deleuze propõe, pensar em linhas de fuga. É nesse sentido que quero reiterar o movimento dos secundaristas do Paraná”.
Honesko avalia as ocupações em escolas do Paraná como movimento político mais importante desde as manifestações de junho de 2013
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
Para Honesko, a força e o protagonismo que os secundaristas assumem hoje seria impossível de se pensar há pouco mais de dez anos. “A força deles não seria a mesma nos anos 90, na época em que eu estava no Ensino Médio”, aponta ao recordar que não tinha contato com disciplinas como Filosofia e Sociologia, campos de saber que só lhe foram apresentados na universidade. “Éramos treinados para o vestibular. E era um treinamento mesmo, de guerra. Hoje, esses jovens têm outras perspectivas, desenvolvem uma outra subjetividade”, pontua.
“E, por fim, gostaria de lembrar de um autor de quem gosto muito: Pier Paolo Pasolini. Ele, nostálgico de um mundo que, já nos anos 60, via se destruir por aquilo que chamava de ‘neofascismo’”. É assim que o professor encerra sua fala e apresenta esse conceito de uma sociedade verdadeiramente socialista, como uma busca de um tipo de resistência. “Pasolini encarou seu tempo com uma lucidez digna do adágio latino ‘nec spe nec metu’, ‘sem esperança, sem medo’ – talvez possa ser a tradução do realismo que demanda o impossível”, completa, mais uma vez recordando os secundaristas paranaenses.
Nem bem havia sido aberto o espaço para encaminhar perguntas a Honesko e já veio a provocação para falar mais desse conceito de “sociedade verdadeiramente socialista”. Para ele, essa é uma ideia forjada na própria narrativa de vida de Pasolini, que na Itália dos anos 40 perde um irmão na luta contra o fascismo. Luta essa que ele próprio encara através de sua atuação junto ao Partido Comunista, mesma agremiação que o expulsa. “Ele sai do Partido, mas continua polemizando com o grupo. Na década de 70, por exemplo, lembra que as coisas mudam em torno dessa ideia de social democracia”. É o período em que Pasolini aponta que a Itália perde sua pluralidade pela padronização do capitalismo. “É quando fala do surgimento de um novo fascismo ainda mais terrível do que o histórico fascismo, pois esse, de certa forma, ainda era baseado numa ideologia, como família etc.”, completa.
Honesko se baseia essencialmente no texto Melhoramento do Mundo, de Pasolini, publicado na Revista Cult, número 196, com tradução de Davi Pessoa. Para ele, a inspiração para os dias de hoje é pensar nesse texto – e, claro, em toda a narrativa de Pasolini – à luz do exemplo das resistências propostas pelos secundaristas do Paraná. Um trecho desse texto pode ser conferido na entrevista que Honesko concedeu à IHU On-Line, número 495, de 17-10-2016.
Pier Paolo Pasolini nasceu em Bolonha, no dia 5 de março de 1922 e foi assassinado em Óstia, em 2 de novembro de 1975. Foi um cineasta, poeta e escritor italiano. Em seus trabalhos, Pasolini demonstrou uma versatilidade cultural única e extraordinária, que serviu para transformá-lo numa figura controversa. Em 1939, graduou-se em literatura pela Universidade de Bologna. Era homossexual assumido e um artista solitário. Antes de ficar famoso como cineasta, Pasolini havia trabalhado também como professor, poeta e novelista. Entre seus livros mais conhecidos, estão Meninos da Vida, Uma Vida Violenta e Petróleo (livro). De porte atlético e estatura média, Pasolini usava óculos com lentes muito grossas.
Em 26 de janeiro de 1947, Pasolini escreveu uma declaração polêmica para a primeira página do jornal Libertà: "Em nossa opinião, pensamos que, atualmente, só o comunismo é capaz de fornecer uma nova cultura." A controvérsia foi parcialmente devido ao fato de ele ainda não ser um membro do Partido Comunista Italiano, PCI. Após sua adesão ao PCI, participou de várias manifestações, e, em meados de 1949, participou do Congresso da Paz, em Paris. Observando as lutas dos trabalhadores e camponeses, e vendo os confrontos dos manifestantes com a polícia italiana, ele começou a criar seu primeiro romance. No entanto, em outubro do mesmo ano, Pasolini foi acusado de corrupção de menores e atos obscenos em lugares públicos. Como resultado, foi expulso pela seção de Udine do Partido Comunista e perdeu seu emprego de professor que tinha obtido no ano anterior em Valvasone, ficando em uma situação difícil.
Realizou estudos para filmes sobre a Índia, a Palestina e sobre a Oréstia, de Ésquilo, que pretendia filmar na África. Seus filmes são muito conhecidos por criticarem a estrutura do governo italiano (na época fortemente ligado à igreja católica. Além disso, seu cinema foi marcado por uma constante ligação com o arcaísmo prevalecente no homem moderno. Dirigiu os filmes da Trilogia da Vida com conteúdo erótico e político: Il Decameron, I Raconti di Canterbury e Il fiore delle mille e una notte. Pasolini, em um determinado momento da sua vida, renegou esses filmes, afirmando que eles foram apropriados erroneamente pela indústria cultural, que os classificava como pornográficos.
Pasolini é muito reconhecido pelo seu filme Evangelho segundo São Mateus (1964), uma visão diferente da pregação e martírio de Jesus Cristo. A intenção de Pasolini era mostrar Jesus como um homem de seu tempo. Para isso, preferiu atores amadores ou pessoas do povo. O filme ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza, em 1964, e o Prêmio OCIC no Festival de Veneza, no mesmo ano. Em 2016, o IHU exibiu uma sessão comentada do filme com o crítico de cinema Marcus Mello. Confira a reportagem Um Jesus revolucionário e um intelectual importante para hoje, publicada nas Notícias do Dia de 28-03-2016, no sítio do IHU, que traz uma síntese dos comentários da sessão.
Honesko: "talvez o confronto não seja a melhor estratégia"
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
É graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina-PR (2004), mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela UFSC (2007) e doutor em Literatura pela UFSC (2012). Fez estágio pós-doutoral na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp (2015) e atualmente é professor do Departamento de História e do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná - UFPR. É autor do livro O Paradigma do Tempo: Walter Benjamin e messianismo em Giorgio Agamben (Vida e consciência; 2009) e de vários ensaios e capítulos de livro. Também trabalha com tradução, tendo traduzido, de Giorgio Agamben, O que é o Contemporâneo? e outros ensaios (Argos: 2009), Categorias Italianas. Ensaios de poética e literatura (UFSC: 2015) e Bartley, ou da contingência (Autêntica: 2015), além de alguns ensaios esparsos publicados em revistas; também traduziu diversos ensaios de autores como Roberto Esposito, Jean-Luc Nancy e Barbara Cassin, dentre outros.
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