05 Agosto 2022
"Esta crise do trigo é muito reveladora e deveria soar como um alarme para todos". Quem destaca isso é o conhecido geógrafo francês Gilles Fumey, professor da Sorbonne e autor de importantes ensaios sobre as grandes tendências da alimentação mundial. Entre seus últimos livros, “Histoire de l'Alimentation” (Puf). Na Itália, foi traduzido seu “Atlas mondiale della gastronomia” (Vallardi).
A entrevista com Gilles Fumey é editada por Daniele Zappalà, publicada por Avvenire, 04-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que lhe parece dessa crise?
A atual mediatização do risco alimentar a que assistimos soa obscena para aqueles que passam fome, mas é bem-vinda, em chave pedagógica, para os países ricos que se julgavam protegidos. De fato, o que hoje se chama "segurança alimentar", não sem cinismo, é uma distribuição desigual dessa segurança, com determinados países ainda e sempre expostos à fome, justamente quando as Nações Unidas invocam o objetivo de erradicá-la. Infelizmente, o mundo entrou em uma insegurança alimentar que poderia afetar toda a cadeia produtiva e de distribuição.
Isso significa que a crise atual era pelo menos parcialmente previsível?
A financeirização desenfreada da produção, da transformação e da distribuição dos produtos agrícolas e alimentícios, mesmo em países em desenvolvimento, só poderia nos levar a esse tipo de crise. Os Estados não aprenderam nada com a crise de 2008. No entanto, a FAO reconheceu que a agroecologia e a agricultura familiar devem ser desenvolvidas e preservadas. Mas as lógicas financeiras dos grandes grupos de sementes e fertilizantes ainda prevalecem.
Em suma, essa crise fala-nos muito dos desequilíbrios alimentares mundiais...
Pior ainda, porque agrava uma situação já muito injusta, com o risco de aumentar as migrações de populações para as quais é sempre um tormento sair do país para ter esperança de um futuro melhor. É certo que o desequilíbrio é atualmente agravado principalmente pelas mudanças climáticas, que estão complicando consideravelmente a situação na Índia, África e América Latina. No entanto, os efeitos sobre a agricultura da guerra na Ucrânia mostram-nos que continuar a especializar determinados países em determinadas produções agrícolas provoca dependências e fragilidades gerais que correm o risco, mais cedo ou mais tarde, de tornarem-se insustentáveis para todo o sistema mundial.
A exploração bélica das produções agrícolas, porém, não é nova...
Infelizmente não. Aliás, esse "food power" sempre existiu. Ao longo da história, não apenas no século XX, testemunhamos muitos regimes criminosos que usaram a arma aterrorizante de reduzir as populações à fome.
Que lições a Europa e a comunidade internacional deveriam tirar disso?
Devem entender que os produtos alimentícios devem ser tratados como exceções culturais, por assim dizer. Não deveria ser possível comercializá-los sem o controle dos Estados e uma polícia internacional que poderia ser confiada à ONU, que há algum tempo invoca justamente por formas locais de democracia alimentar. Esperemos que em breve possam aparecer. Depois dessa crise, pensando de forma mais geral, certamente caberia às opiniões públicas reivindicá-las ao mundo político.
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“A crise da segurança alimentar lançou luz sobre as desigualdades”. Entrevista com Gilles Fumey - Instituto Humanitas Unisinos - IHU