01 Agosto 2022
O cansaço e o sofrimento de Francisco são ainda mais eloquentes do que as palavras com que ele se dirigiu aos representantes dos povos nativos do Canadá. É uma viagem difícil, que evidencia a dura realidade na qual a Igreja Católica se encontra hoje.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade de Roma La Sapienza. O artigo foi publicado por La Stampa, 29-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cansaço e o sofrimento do Papa Francisco, sobrecarregado por muitos problemas físicos ao enfrentar a viagem ao Canadá, transformaram visivelmente o itinerário em um verdadeiro caminho penitencial. Afinal, o pontífice foi ao Canadá exatamente para isso: para pedir perdão pelas torturas e pelos abusos infligidos às crianças de origem étnica local por parte de muitas instituições católicas.
O cansaço e o sofrimento de Francisco são ainda mais eloquentes do que as palavras com que ele se dirigiu aos representantes desses povos. É uma viagem difícil, que evidencia a dura realidade na qual a Igreja Católica se encontra hoje. Isso é, em um momento em que provas e testemunhas diretas dos abusos perpetrados em várias partes do mundo contra os mais fracos – crianças e mulheres – estão rachando a sua imagem.
Abusos tão graves que quase ofuscam as tantas coisas boas feitas no mundo por religiosas e clérigos, que, também nesses últimos anos, deram muitas vezes exemplos heroicos da própria fé, pagando muitas vezes com perseguições, senão até com a vida.
A escolha penitencial feita por Francisco, portanto, é oportuna e corajosa, e só podemos admirar a sua força de suportação.
Mas não podemos nos eximir de nos perguntar: o seu esforço será suficiente para restaurar a confiança na instituição eclesiástica, tão fortemente abalada nos últimos anos? A resposta será dada pelo futuro.
Por enquanto, só podemos nos defrontar com um momento análogo do passado, isto é, com o momento em que o Papa João Paulo II decidiu pedir perdão publicamente por todas as culpas que a Igreja havia acumulado ao longo dos séculos. Ou, melhor, na verdade, tratava-se de milênios, de quase dois milênios: de fato, foi durante o Jubileu do ano 2000 que João Paulo II proferiu os seus famosos discursos sobre os malfeitos da Igreja.
Tratou-se de uma novidade na história de uma instituição como a Igreja Católica, que, como sabe, está acostumada a se calar sobre os aspectos do passado que são pouco honrosos para ela. A novidade na época suscitou muitas apreciações – especialmente entre os descendentes das vítimas – mas também muitas críticas, pois, com efeito, as culpas em questão muitas vezes podiam ser consideradas como tais, mas com base em uma visão do mundo atual, muito diferente daquela em que haviam sido cometidas.
Hoje, porém, 20 anos depois, os pedidos de perdão não nascem de um desejo de purificação da Igreja, de uma iniciativa interna, mas são impostos por circunstâncias externas. As provas dos abusos e das culpas foram exibidas diante dos olhos de todo o mundo, denunciadas em voz alta, mostradas na mídia. E não se trata de episódios distantes, mas muitas vezes de casos temporalmente próximos, senão até muito próximos de nós.
As admissões de culpa e os pedidos de perdão do ano 2000 eram, no fundo, também um sinal de poder de uma instituição que podia se dar ao luxo disso, que festejava diante do mundo os seus 2.000 anos de existência diante do mundo.
Hoje, em vez disso, eles são mais uma tentativa de salvar algo em uma situação difícil, que vê a Igreja submetida a críticas e ataques de todos os lados.
E o esforço físico de um papa fatigado e dolorido representa bem a nua realidade de um ato penitencial que não sabemos se será suficiente para obter o perdão.
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A penitência do papa diante dos canadenses. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU