22 Julho 2022
Aproxima-se a próxima edição do Terra Madre - Salone del Gusto, agendado de 22 a 26 de setembro próximo. Será realizado na zona do Parco Dora de Turim, um lugar de periferia onde, durante décadas, se instalaram grandes fábricas e que hoje tenta emergir como um dos centros de sociabilidade da capital piemontesa. Na base está a ideia de que a Regeneração (tema do Terra Madre 2022) dos sistemas sociais e econômicos começará justamente nos bairros onde a vida comunitária se desenvolve concretamente.
O percurso para o Terra Madre continua e aprofunda o tema central do evento, a regeneração, cada vez mais urgente. As preocupantes crises a que estamos sujeitos estimulam-nos a regenerar a nossa relação com a natureza; moldar novos tipos de sociabilidade e subverter um modelo econômico que está descarregando sobre os ombros dos cidadãos, especialmente aqueles mais necessitados, todo o peso de suas externalidades negativas. Levará tempo para dar nova vida a todos esses aspectos.
Certamente décadas, talvez séculos, que marcarão a época da transição ecológica. Sobre esses temas quis falar com o ex-economista chefe da Agence Française de Développement, diretor de pesquisa do CNRS em Paris, diretor do Programa de Justiça Ambiental da Universidade de Georgetown (Washington, DC) e sacerdote jesuíta. Aquele que publicou na França, já em 2012, um livro pioneiro: Transição Ecológica. Finanças a serviço da nova fronteira da economia (em tradução livre, Emi, 2015).
A entrevista com Gaël Giraud é de Carlo Petrini, publicada por La Stampa, 21-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Gaël, sua jornada demonstra como, com força de vontade e determinação, seja possível regenerar as nossas vidas. Do mundo das altas finanças você entrou no seminário e se dedicou a transmitir seus conhecimentos aos mais jovens. Uma mudança radical de vida que não se alicerçou no aspecto do lucro econômico. Como economista, portanto, você é o exemplo de que a qualidade de vida não está ligada apenas ao ganho monetário, mas que a realização pessoal passa por aspectos que abraçam a espiritualidade, a partilha, a reciprocidade. Pensa que seja possível mudar também os paradigmas em que assenta o atual sistema econômico, de forma a aproximá-los de uma dimensão menos técnica, mas mais humana? Já existem modelos que você acredita serem instrumentos de regeneração válidos?
Durante meu serviço civil no Chade tive que enfrentar ambientes duros, onde a violência e a morte estavam na ordem do dia. Mas as crianças - aquelas que muitos definiriam como os pobres da parte pobre do mundo - que povoavam as ruas todos os dias, conseguiam transmitir-me a verdadeira alegria da vida. E é graças a elas que tive o que chamo de minha conversão. Aquela experiência vivida entre o inferno das prisões e a vitalidade das ruas africanas me fez entender quais valores eu tinha que buscar. Por isso, quando aos 31 anos me ofereceram uma posição de grande respeito em Wall Street, minhas reflexões duraram 10 minutos, não mais.
Escolher o mundo rico e austero das finanças teria sido como trair aquelas crianças que, privadas de tudo, enfrentavam cada dia com a força de sorrisos que nunca mais vi no Ocidente.
Infelizmente, mudar o sistema econômico vigente exige mais tempo, mas é possível. Quero partir de uma consideração: o PIB - índice assumido em nível internacional para medir a "saúde" econômica dos Estados - é uma convenção totalmente falaciosa e sem sentido. Basta dizer que um acidente de trânsito favorece o aumento do PIB: o carro a ser consertado gera produção e trabalho, os gastos com saúde revigoram a economia etc. Precisamos, portanto, de novas medições que levem em consideração muito mais do que o mero crescimento econômico. Por exemplo, existe o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) - adotado em 1990 pela ONU - que leva em consideração a expectativa de vida com boa saúde, o nível educacional de toda a população, a igualdade de renda e a diferença salarial entre os cidadãos.
Esse instrumento não é muito conhecido; e ainda é pouco utilizado porque tem o poder de desarranjar aquele mecanismo de competição econômica entre Estados que o modelo neoliberal impõe por sua própria natureza (os próprios financiamentos em nível internacional se baseiam exclusivamente no PIB das nações). No entanto, não há nenhuma legislação internacional que tutele o uso do PIB; portanto, se houvesse vontade, seria muito rápido e fácil abandonar esse método de comparação. Também a pegada ecológica das empresas que atuam em determinado país deveria estar entre os índices de medição.
Infelizmente, a questão climática é urgente, mas a política demora a tomar soluções concretas. Pelo jeito que as coisas estão, acredito que a sociedade civil seja protagonista no processo de iniciar o percurso da conversão ecológica. Esta, por sua capacidade organizacional, pode atuar como um Cavalo de Tróia para mudar o destino de nosso amanhã de dentro dos palácios do poder.
Esse é um ponto fundamental. Hoje é importante que cada indivíduo, cada associação, cada forma de agregação tome consciência de seu poder político. Com o Slow Food, tentamos há mais de trinta anos sensibilizar os cidadãos sobre o valor político de suas escolhas alimentares. Na sua opinião, quais são as ações concretas que podem ser decisivas nesta fase? E quais são os motivos pelos quais a política parece não mover nenhum passo?
Vamos partir da consideração de que o modelo econômico ocidental se forma e se transforma paralelamente à extração de recursos naturais úteis para fins energéticos. Todas as transformações sociais do século XIX estão estritamente ligadas ao uso do carvão que, no entanto, tem o problema de ser muito caro para transportar. Eis que no século XX toda a atenção se volta para a extração de petróleo - que é transportado com mais facilidade - junto com a qual se engendra aquele neoliberalismo que agora pesa terrivelmente sobre as políticas internacionais.
Essa orientação de pensamento criou, por um lado, a ilusão da infinitude dos recursos naturais e, por outro, um regime energético que anda de mãos dadas com o regime político-financeiro. Isso explica porque hoje a política ainda resulta muito atrasada nas questões da transição ecológica.
Os resultados que cada um de nós pode alcançar adotando medidas simples em nossas escolhas diárias, no entanto, são realmente significativos. Diminuir o consumo de carne, preferir se deslocar usando o transporte público, evitar os aviões (especialmente para viagens de curta-média distância), tornar energeticamente eficientes os edifícios em que vivemos, facilitar a reciclagem dos nossos resíduos. Todas essas ações podem reduzir a pegada de carbono em 20-25 por cento. E é certamente um primeiro passo decisivo também para estimular a política.
Mas isso não é suficiente. Para arranhar aqueles 75-80 por cento que não derivam do comportamento dos cidadãos - mas das escolhas de política econômica - é necessário unir as forças individuais. O mantra, a meu ver, terá que ser: diminuição do uso de bens materiais e crescimento de aspectos imateriais. Conjugando minhas duas almas de sacerdote e de economista, afirmo que se concentrarmos a nossa atenção nos bens relacionais e na recuperação da espiritualidade, poderemos descobrir um caminho menos tortuoso do que aquele que pode parecer hoje.
Concordo. E acrescento que, embora as problemáticas sejam cada vez mais sérias e preocupantes, nada muda com a cara amarrada. A transição ecológica será um processo de libertação que, se partilhado por todos, poderá realmente restituir a serenidade e a verdadeira felicidade. Através do exemplo do Terra Madre, posso afirmar que a comunidade é uma forma funcional nesse sentido. Aqui atua uma segurança afetiva que leva a enfrentar os desafios com vigor e determinação. Seu próximo livro será intitulado La rivoluzione dolce della transizione ecologica (A doce revolução da transição ecológica, em tradução livre, a ser lançado em outubro pela LEV): como podemos afastar o espectro que aproxima esse processo de fases de privação, mortificação e restrição econômica?
A armadilha neoliberal nos diz que o futuro é representado pela dívida pública que deve ser paga. Essa é uma forma de anestesiar a sociedade. A isso acrescentamos o fato de que muitos, principalmente os jovens, estão começando a experimentar sensações de ansiedade em relação às mudanças climáticas e à questão ambiental em geral. Não me canso de dizer, porém, que a ação é o que nos tira da angústia. E como você diz com razão, agir juntos por uma causa comum pode ser libertador e nos fazer sentir que tal regeneração pode ser enfrentada de forma feliz.
O único verdadeiro decrescimento de que precisamos é o do consumo de matérias-primas. E o desafio que estou tentando levar adiante é deixar claro em nível institucional que isso pode significar um aumento substancial de empregos. Vou dar um exemplo. Este ano publiquei um relatório sobre a transição energética, daqui a 2050, na França. O que emerge é que esse processo representa uma incrível oportunidade de trabalho. Trata-se de um delta positivo de mais de um milhão de trabalhadores que podem desempenhar um papel ativo no caminho da transição ecológica.
Da mesma forma, todas as atividades que tratam da reutilização e reciclagem dos recursos naturais criarão inúmeras oportunidades de trabalho. Portanto, para facilitar uma conversão ecológica que respeite plenamente os ensinamentos do Papa Francisco, ou seja, que seja capaz de sanar tanto a questão ambiental como a social (conectadas entre si sem solução de continuidade), pode-se contar com as novas tecnologias verdes. Já temos os instrumentos, só falta começar o percurso. E quero concluir com uma reflexão sobre a digitalização, que poderia ser uma boa aliada para a transição ecológica. Mas atenção no processo de tribalização digital: a tecnologia deve estar a serviço das pessoas e não o contrário. O maior risco é o da destruição da socialização, pois fechar-se na tribo digital equivale a deixar de se confrontar com as comunidades. Isso também pode ser evitado, basta querer.
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A felicidade tem o coração verde. Entrevista com Gaël Giraud e Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU