18 Junho 2019
Gaël Giraud, 49, padre jesuíta de origem suíça, economista-chefe da Agence Française de Développement e diretor de pesquisa do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), é o autor do livro Transizione ecologica (Transição ecológica, publicado na Itália pela EMI). Conhece por dentro o mundo financeiro por tê-lo frequentado nos mais altos níveis antes de decidir seguir a vocação sacerdotal e é hoje uma das vozes que mais lucidamente se levanta para indicar a urgência da transição “verde” como propôs a encíclica Laudato si’. "A nossa geração fala, mas não age", ele nos diz durante esta conversa que aconteceu em Roma.
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por L'Osservatore Romano, 17/18-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padre Giraud, há quatro anos o Papa Francisco publicou a encíclica "Laudato si". Como julga a recepção desse documento?
Foi ambivalente, na minha opinião. Por um lado, a recepção pareceu ser muito entusiástica: Laudato si é até este momento, em nível mundial, o único documento espiritual e até político que oferece um horizonte escatológico do caminho ecológico, da aliança com a criação. E que, ao mesmo tempo, propõe uma análise científica precisa, com recomendações baseadas no realismo. Não conheço nenhum documento equivalente dos estados laicos. No primeiro período houve, portanto, uma recepção muito positiva. Infelizmente, porém, os estados da Europa não fizeram nada.
Na França, por exemplo, as emissões de CO2 aumentaram em 3,2 por cento no período de 2010 a 2017. Portanto, muito se fala de ecologia, mas pouco ou nada se faz. Os jovens, pelo menos na França, estão lutando e fazendo greve para impor uma política ecológica. O partido ecológico é hoje o terceiro partido francês. Na minha opinião, os jovens vão lutar cada vez mais pela ecologia e, portanto, pode acontecer que a próxima geração coloque em prática o que o Papa diz na encíclica. Mas a minha geração, e aquela precedente, falam sem agir.
Em quais setores você percebe a maior resistência?
A resistência está principalmente no setor bancário. Para os banqueiros, a transição ecológica parece ser muito perigosa, pois os balanços ainda são afetados pela crise econômica e financeira de 2008. A prioridade para eles é salvar os bancos, e a situação é muito arriscada mesmo sem o problema climático. Muitos deles acreditam que, se tiverem que responder também à emergência climática, a vida se tornaria realmente difícil para eles. É por essa razão que os banqueiros dizem: para nós, salvar os bancos é a prioridade, todo o resto não vale a pena. Falei com financistas em Londres em dezembro passado, discutimos um dia inteiro sobre a crise ecológica e no final eles entenderam perfeitamente que a situação é extremamente grave.
Qual foi a resposta deles diante de tal constatação?
Eles me disseram: não faremos nada porque lutamos por quarenta anos para tomar o poder com os mercados financeiros, e agora não vamos deixar tudo apenas por causa das mudanças climáticas. Então perguntei a eles como eles se comportariam para garantir um futuro para seus filhos, e eles responderam que os enviariam para a Suécia, porque graças às mudanças climáticas aquele será um país bom para se viver. Enquanto isso, os chineses estão implementando aquelas políticas ecológicas que gostaríamos de ver aplicadas na Europa: estão fazendo a transição energética em favor das energias renováveis. Quando apontei para isso, eles responderam citando a superioridade tecnológica europeia.
Mas se trata de pura ilusão: é claro que, dentro de dez anos, até mesmo a tecnologia militar chinesa estará no mesmo nível que a europeia. Lastimo ter encontrado esse cinismo por parte de muitos banqueiros. Claro, nem todos eles, porque há alguns que entenderam perfeitamente o risco climático e os riscos que ele representa para a estabilidade financeira. Posso citar, por exemplo, o diretor do Banco Central de Londres, Marc Carney, que após a publicação da encíclica Laudato si', em 2015, afirmou claramente que o risco mais importante para a estabilidade financeira é justamente aquele climático. Mas também o diretor do Banco Central da França reconheceu esse risco no ano passado.
E a política? Não seria necessário um salto de responsabilidade nesse sentido?
Em 2015, todos os políticos europeus citaram positivamente Laudato si'. Eles disseram que leram a encíclica, disseram que era maravilhosa, disseram que devia ser posta em prática. Mas depois não fizeram nada, talvez por causa da falta de tempo para pensar. A maioria dos políticos europeus hoje tem ritmos de trabalho maluco: eles têm cinco minutos por semana para pensar, para refletir, sobre um assunto do qual sabem pouco ou nada. Porque quando eram estudantes, a mudança climática não era um dos tópicos importantes de estudo e pesquisa. Portanto, os atuais políticos europeus não têm tempo para refletir e não levam a sério a emergência climática. Claro, eles conversam com seus conselheiros. Mas mesmo esses conselheiros têm pouco tempo para refletir. Percebo isso, porque estou trabalhando muito com o governo francês e com os governos dos países do Sul: é a mesma tragédia em todos os países, um ritmo de trabalho maluco que tem como consequência o fato que esta geração não tem tempo para refletir e planejar.
Falta uma política mais ampla, que saiba planejar, pensar no futuro, assumir a responsabilidade pelas próximas gerações, pensar primeiro no bem comum?
Sim, percebe-se a falta, infelizmente é um fato. Ao mesmo tempo, pelo menos na Europa Ocidental, altos funcionários têm a ideia de que o Estado tenha fracassado, que o Estado agora seja uma coisa pequena e que todas as possibilidades estão em empresas privadas. Há um incrível neoliberalismo nos funcionários da Comissão Europeia, dos ministérios da fazenda, na França, na Alemanha, etc.
Realizei cursos na Escola de Administração Francesa e percebi o que os jovens funcionários pensam, sabendo que trabalhar para um banco pode multiplicar seu salário exponencialmente. E então fabricam para si uma imagem do mundo em que os bancos são o paradigma da racionalidade capitalista. Isso é uma bobagem. Devemos, portanto, trabalhar para mudar a visão dos funcionários, porque os funcionários trabalham para o governo e não ajudam os ministros a pensar de forma diferente. Aqueles que dizem que o estado não pode fazer nada pensam que os únicos atores capazes de fazer alguma coisa são as empresas.
Então, devemos ter esperança nas grandes empresas e nos privados?
Quando falo com os chefes das empresas francesas, eles me dizem: sim, entendemos perfeitamente o risco climático, mas há a pressão dos mercados e do valor dos títulos, das ações. E, portanto, os grandes managers explicam que não podem fazer uma política "verde" porque, nesse caso, arriscariam perder sua posição após a queda do valor das ações. Há uma esquizofrenia considerável por parte das empresas. Quando falamos com os grandes proprietários das ações, que são em parte as companhias de seguros e, pelo outro, os fundos de pensão norte-americanos, eles nos dizem exatamente o mesmo: estão no mercado financeiro e devem proteger o valor de suas ações. Mesma história. Falta apenas o proprietário individual das ações, que, porém, diz: eu sou o único entre milhões de proprietários, por que eu deveria ser um herói e investir no verde quando há milhões de pessoas que ganham muito investindo em outra coisa?
Padre Giraud, hoje, porém, todos falam sobre investimentos sustentáveis, todos dizem que querem uma finança sustentável. Então?
Infelizmente, os investimentos verdes e sustentáveis se tornaram uma marca publicitária. Todos falam que querem ir naquela direção, é a política do "green washing" para fazer acreditar que são ecológicos e conquistar consenso. Mas, na verdade, não é possível para o setor privado na Europa pagar os investimentos para a transição ecológica. Com efeito, o setor privado tem muitas dívidas, muito superiores às dos estados. A dívida privada na zona do euro representa em média 130 por cento do PIB, enquanto a dívida pública média é de 100 por cento. Portanto, há muito mais dívida privada. O setor privado não é, portanto, capaz de pagar uma verdadeira transição ecológica, que custa muito: trilhões. Somente para a França, precisaríamos de um valor entre 60 e 80 bilhões de euros ao ano por pelo menos dez anos. Não é muito se pensamos que isso é 3-4% do PIB, mas a cada ano seria preciso pagá-lo: o setor privado, os bancos, não podem fazê-lo, porque os bancos estão fracos depois da última crise econômico-financeira, mesmo que defendam o contrário. Basta olhar o que aconteceu no Monte dei Paschi de Siena.
Precisamos encontrar quem pague a transição ecológica. Quem deveria cuidar disso?
Os Estados devem assumir a responsabilidade por isso. Agora é necessário compreender que os Estados investem menos do que seria necessário para preservar o capital público, como mostra o triste caso da ponte que ruiu em Gênova há um ano ou as estações do metrô fechadas em Roma. São exemplos do fato de que o capital público acaba se arruinando quando não se investe o necessário para protegê-lo. Ao nível da contabilidade europeia, a cada ano ficamos mais pobres em termos de patrimônio público. Precisamos investir mais para proteger o patrimônio público e precisamos investir em infraestruturas "verdes" ecológicas.
Como isso pode acontecer com o vínculo europeu, o Pacto orçamentário que coloca limites ao déficit dentro de um teto de três por cento?
A solução é interpretar os tratados europeus de uma maneira diferente. Isso é possível. Trabalhei com juristas especializados em direito comunitário e eles me explicaram que os tratados europeus nos permitem interpretar de uma maneira diferente a regra de três por cento do déficit público. Por exemplo, é perfeitamente possível e legal dizer que um estado pretende excluir do cálculo os custos dos investimentos públicos para a transição ecológica. É possível. E a Comissão Europeia não pode fazer nada. Pode argumentar, pode não concordar com essa interpretação, mas não pode afirmar que é ilegal. Tivemos uma prova disso em dezembro passado, quando os franceses ficaram com medo dos "coletes amarelos" e de seus protestos: o comissário europeu francês Pierre Moscovici realizou uma coletiva de imprensa em Bruxelas dizendo: não é preciso destruir tudo em Paris para que vocês saibam que podemos interpretar os tratados europeus de uma maneira completamente diferente, e que a austeridade dos orçamentos não é uma necessidade. Agora, depois que o fenômeno dos coletes amarelos se acalmou, Moscovici parece ter esquecido o que disse.
O que a política deveria fazer diante da emergência climática?
A política deve redescobrir sua tarefa, a necessidade de uma estratégia que leve em consideração o bem comum e o horizonte de trinta anos para investir na conversão ecológica e na reindustrialização "verde" da Europa. Esse é o plano. Trabalhei com engenheiros e economistas na França para estudar o cenário da transição energética: é possível, podemos fazê-lo. Não precisamos de uma revolução tecnológica, podemos já fazer isso. E as etapas são bem conhecidas: o primeiro passo é a renovação térmica dos edifícios, de todos os edifícios.
O segundo é a mobilidade “verde”, isto é, focando em trens e carros movidos a hidrogênio, não elétricos, porque estes, em seu ciclo de vida, produzem CO2.
Finalmente, a terceira etapa é a industrialização verde. Trabalhei com os engenheiros para avaliar a viabilidade e os custos da primeira etapa na França: fizemos todos os cálculos e os apresentamos ao presidente Emmanuel Macron, com o acordo das empresas construtoras. Isso criaria muito trabalho e um trabalho que não pode ser realocado. Deve ser feito, a fim de não continuar a poluir com o ar condicionado e o aquecimento. Disseram que eu estava certo. Mas nada acontece.
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Os Estados precisam implementar a transição ecológica antes que seja tarde demais. Entrevista com Gaël Giraud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU