01 Julho 2022
A Cúpula de Madri da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) terminou com a consumação da mais importante mudança estratégica, ideológica e programática desde o fim da Guerra Fria, recuperando a linguagem mais belicista em décadas e apontando abertamente os inimigos a vencer na o futuro imediato: Rússia e China.
A reportagem é de Armando G. Tejeda, publicada por La Jornada, 30-06-2022.
Como clímax do encontro bilateral, o secretário-geral da OTAN, Jen Stoltenberg, alertou que as forças militares que representam estão "preparadas para qualquer eventualidade", enquanto o presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, que é o verdadeiro líder dos militares fórum, insistiu em avisar a Rússia de que acabaria derrotada na guerra na Ucrânia, pela qual prometeu entregar mais 800 milhões de dólares para a compra de armas.
O presidente francês, Emmanuel Macron, resumiu a situação da Otan antes do início da guerra na Ucrânia em uma frase: "Eu estava com morte cerebral e sem rumo". Isso explica o júbilo e até a alegria expressa pelos líderes e dirigentes mundiais após a conclusão dos dois dias de trabalho na Cúpula de Madri, que ficará na história pela elaboração do novo Compromisso Estratégico, ou seja, o novo "roteiro". que substitui a adoptada em Lisboa em 2010 e em que se recupera a linguagem mais belicista em relação à Rússia, que é apontada como uma "ameaça direta".
A percepção de que há poucos meses o aumento do orçamento militar pelos governos também mudou; antes da guerra era uma questão espinhosa, se não sacrílega diante da opinião pública, agora, praticamente todos os líderes que compareceram após o término da Cúpula insistiram abertamente em seu compromisso de atingir, se não ultrapassar, dois por cento do Produto Interno Bruto (PIB) no orçamento militar. Isso explica a subida das cotizações na Bolsa das principais empresas armamentistas europeias nos últimos dias, como Dassault Aviation, Thlaes, Leonardo, BAE Systems e Indra, que somente nas últimas duas semanas acumularam uma revalorização que já supera os 30%.
Como em todas as sessões da OTAN, além dos compromissos multilaterais, todos olham com especial interesse para o verdadeiro chefe do fórum: o atual presidente dos EUA, nesta ocasião Joe Biden, que também deu uma entrevista coletiva para encerrar a Cúpula e ratificar os principais acordos alcançados, mas sobretudo para reiterar as advertências a Vladimir Putin, erguido pelos dirigentes como o principal e quase único inimigo do Ocidente. E em seu encontro com a mídia, afirmou que os EUA e a OTAN "continuarão a fortalecer a Ucrânia pelo tempo que for necessário", a ponto de anunciar um item extra de 800 milhões de dólares (16 bilhões de pesos) para a compra de militares armas.
Biden relembrou uma suposta conversa que teve com o presidente russo: “Antes da guerra começar, eu disse a Putin que a OTAN seria mais forte e mais unida na defesa de um mundo baseado em regras. E foi isso que vimos hoje. É uma cúpula que fortalece nossa aliança. A última vez que aprovamos um conceito estratégico foi em 2010, e a Rússia era parceira e não havia menção à China. O mundo está mudando, e esta cúpula mostra que a OTAN está se adaptando às mudanças, apontando para a Rússia e outros desafios sistêmicos, além de abrir as portas para dois novos membros, Finlândia e Suécia, com tradição de neutralidade”.
O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, anunciou o fim da Cúpula de Madri com a ratificação do compromisso dos países que compõem a organização de continuar apoiando econômica e materialmente a Ucrânia, para aumentar o orçamento militar de praticamente 32 países, com destaque para os europeus, e para fortalecer ainda mais os laços com alguns países asiáticos para mitigar a crescente influência da China no mundo. Ele também respondeu diretamente ao que eles consideraram uma “ameaça” de Putin, assegurando-lhe que “ele tem que retirar suas forças e acabar com esta guerra imediatamente. Estamos preparados para qualquer eventualidade."
Sobre a anexação da Suécia e da Finlândia à OTAN, Stoltenberg confirmou que a "decisão política foi tomada na cimeira de ontem e agora só tem de ser formalizada com a assinatura do protocolo de adesão, que será feito na próxima terça-feira".
O presidente da França, Emmanuel Macron, também compareceu perante a mídia para explicar seus pontos de vista sobre a reunião e ratificou os compromissos assinados na Cúpula de Madri e o roteiro do Compromisso Estratégico, concordando em descrever a ação de Putin na Ucrânia como "um erro estratégico."
A outra grande potência militar da OTAN, o Reino Unido, estabeleceu a sua posição através do seu primeiro-ministro, Boris Johnson, que anunciou que "o Reino Unido aumentará os seus gastos militares até 2030 para 2,5 por cento do PIB", acima da meta de 2 por cento estabelecida em 2014 para os membros da OTAN, considerando que vivemos "em uma época muito diferente". Ele também anunciou que destinará mais 1.165 milhões de euros em ajuda militar à Ucrânia.
O presidente do governo espanhol, o socialista Pedro Sánchez, na qualidade de anfitrião também insistiu na ideia de aumentar o orçamento militar, para o qual anunciou um plano para atingir dois por cento do PIB dentro de sete anos. O projeto prevê apresentá-lo no Congresso dos Deputados nos próximos dias, mas desde o início encontrou a primeira dificuldade; seu parceiro de governo, United We Can (UP), já anunciou que votará contra e que em nenhum caso apoiará algo assim, como fizeram seus aliados parlamentares da esquerda nacionalista basca e catalã. Portanto, terá que contar com a oposição conservadora do Partido Popular (PP).
Uma das conquistas mais importantes da Reunião de Madrid foi a adesão da Suécia e da Finlândia à OTAN, que foi possível, entre outras coisas, porque a Turquia levantou o veto à sua entrada. Vale lembrar que todas as decisões que são adotadas no órgão são tomadas por consenso, não há votação e, portanto, se todos não concordarem, essa proposta é rejeitada. Assim, a aprovação da Turquia foi crucial para os interesses da OTAN e dos países nórdicos, que desde a guerra na Ucrânia se consideram ameaçados pela Rússia.
Mas em troca, como um "saque", a Turquia conseguiu arrancar da Suécia e da Finlândia a suspensão de qualquer tipo de apoio, financiamento ou apoio aos grupos de resistência do povo curdo, que há décadas sofre com a repressão do regime turco. Além disso, o ministro da Justiça turco, Bekir Bozdag, anunciou o envio de 33 pedidos de extradição à Suécia e à Finlândia para entregar importantes líderes da resistência curda no exílio e que vivem nesses países sob o status de exilados políticos. O pedido de extradição baseia-se no acordo que assinaram para levantar o veto à sua entrada na OTAN, que adverte que a Suécia e a Finlândia "lidarão com os pedidos de extradição pendentes de suspeitos de terrorismo de forma rápida e completa".
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OTAN completa sua virada mais belicista desde o fim da Guerra Fria erigindo uma nova ‘cortina de ferro’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU