01 Junho 2022
Com Robert McElroy, o bispo de San Diego nomeado cardeal no último domingo, o Papa Francisco confirma sua preferência por uma igreja estadunidense de viés progressista.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani, 31-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Natural de São Francisco, doutor em teologia moral, McElroy nos anos 1980 foi secretário particular do arcebispo John Quinn, uma das principais figuras dos progressistas católicos, um dos principais defensores da igreja de fronteira encarnada pelo arcebispo salvadorenho, depois martirizado, Óscar Romero.
Naqueles anos, os EUA ainda lambiam as feridas da Guerra do Vietnã, e no último porto ocidental dos Estados Unidos Quinn estava entre os primeiros prelados a prestar ajuda aos portadores de AIDS. Foi nesta igreja social que McElroy cresceu, tornando-se um crítico dos prelados que punem, ou seja, aqueles bispos que, no interminável debate político sobre as questões morais como o aborto, opuseram à misericórdia a chamada "teologia da indignidade".
Por esta razão também, a escolha do papa de tornar o bispo de San Diego um cardeal no lugar do arcebispo de San Francisco, Salvatore Cordileone, é bastante eloquente. Cordileone é considerado entre os prelados mais conservadores da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA (USCCB), juntamente com um grupo que inclui o presidente e arcebispo de Los Angeles, José Gomez, e o arcebispo de Kansas City, Joseph Naumann, que em junho passado pediram ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e aos democratas que se declaravam católicos, para tomar posições claras sobre questões que moralmente causam divisão, como o aborto.
Não bastou o convite da Congregação para a Doutrina da Fé para não criar divisões: no último dia 20 de maio, de fato, Cordileone declarou que teria negado a Comunhão à presidente da Câmara, a democrática Nancy Pelosi, por ela não rever suas posições pró-escolha. Seguiu-se um bate-rebate que acendeu o debate público.
O tema da coerência eucarística mostra a tendência, tipicamente estadunidense, de moralizar os temas políticos. Quando em 2001 o democrata Francesco Rutelli, um dos defensores do aborto na época de sua militância radical, podia receber a Eucaristia das mãos do Papa João Paulo II, os bispos estadunidenses discutiam se deveriam ou não a negar aos democratas pró-escolha como John Kerry, então candidato à Casa Branca.
Em 2005, McElroy era ministro na paróquia de São Gregório, no condado californiano de San Mateo, quando criticou a instrumentalização política da Eucaristia na revista America, por ser contrária à doutrina social da Igreja. Um ano antes, na assembleia da USCCB em Denver (14-19 de junho de 2004), havia acontecido um cabo de guerra entre os bispos aberturistas e o antigo Santo Ofício, liderado pelo cardeal Ratzinger, com a vitória dos primeiros que haviam repassado a decisão ao discernimento dos pastores (Catholics in political life).
Um ano depois, McElroy ecoou as palavras do então arcebispo de Washington, DC, Theodore McCarrick, criticando as “batalhas partidárias” sobre a indignidade eucarística: “As sanções eucarísticas inevitavelmente incentivarão uma perspectiva reducionista da agenda social da Igreja” ele havia dito.
Eleito bispo, McElroy levou adiante uma visão renovada da Igreja a partir da encíclica Centesimus Annus de João Paulo II, criticando os sistemas de mercado imperialistas, optando mais pela justiça econômica centrada na colaboração entre o mundo do trabalho e os sindicatos.
Entre os defensores do catolicismo social do papa Bergoglio, McElroy não poupou críticas à USCCB liderada pelo arcebispo Gomez.
Em 2019, falando na St. Mary's University no Texas, um dos estados mais conservadores dos Estados Unidos, ele admitiu: “A igreja nos Estados Unidos está hoje à deriva por muitos pontos de vista e é necessário um momento fundamental de renovação. Um caminho sinodal seria uma oportunidade”, acrescentando que “o grande perigo é que nossa vida eclesial esteja se tornando como a nossa vida política: polarizada, distorcida e tribal”.
Teve ampla repercussão a recente vitória nas primárias da Pensilvânia do republicano Doug Mastriano, senador e trumpiano ferrenho, considerado um dos mais fervorosos expoentes do nacionalismo cristão.
A corrente, recentemente analisada pelos pesquisadores Andrew Whitehead e Samuel Perry em Taking America Back for God: Christian Nationalism in the United States, vencedor do Distinguished Book Award 2021, nasceu formalmente em 2015. Trata-se de uma ideologia, monopólio da classe branca e privilegiada, centrada na nação estadunidense como herdeira profética da tribo de Israel.
Com a presidência de Trump, o nacionalismo estadunidense se sobrepôs à agenda conservadora e ao apoio pró-vida. Portanto, não surpreende que a narrativa que é feita dos movimentos pró-escolha assuma os tons de uma luta contra as forças do mal.
O Papa Francisco quer desarticular essa polarização, e faz isso sustentando um eleitorado católico branco mais progressista. Deste ponto de vista, deve ser visto o monumental processo de beatificação de Dorothy Day, iniciado no ano 2000, atualmente em fase de conclusão.
Pacifista de esquerda que se converteu ao catolicismo após o nascimento de sua filha Tamar, Day se empenhou na assistência aos pobres nova-iorquinos, arrastando a Igreja Católica no debate social.
O jornal que ela fundou em 1933, The Catholic Worker, e o movimento que nasceu dele, The Catholic Worker Movement, incrustaram o ativismo e o pacifismo ateus daqueles anos na doutrina social da Igreja que se opunha tanto ao capitalismo quanto ao comunismo, apesar das oposições de progressistas do calibre de Ed Sanders, que em um panfleto de 1962 a definiu como uma "jansenista".
Em 2015 foi justamente o Papa Francisco quem a mencionou perante o Congresso dos Estados Unidos, lembrando que "seu engajamento social, sua paixão pela justiça e pela causa dos oprimidos eram inspirados pelo Evangelho, pela sua fé e pelo exemplo dos santos".
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O papa desarticula as divisões EUA apostando nos católicos progressistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU