27 Abril 2022
O sínodo iniciado pelo Papa Francisco deve permitir que a Igreja Católica inicie reformas destinadas a revitalizar o caminho cristão, é a opinião de um coletivo de cristãos que fazem propostas para conciliar fé e modernidade. A crise vivida pela Igreja Católica depende apenas das disfunções em sua organização ou da demora em tomar decisões corretas? O sínodo iniciado pelo Papa Francisco, que culminará em Roma no outono de 2023, levará em conta os pedidos que os católicos enviarão a Roma? Que solicitações serão consideradas prioritárias?
A reflexão é de Collettivo[1], publicado por Le Monde e reproduzido por FineSettimana, 25-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No estado atual das coisas, a dúvida predomina. Acima de tudo, é oportuno se perguntar se as "reformas que serão recebidas" serão suficientes para revitalizar o caminho cristão. Serão decisivas o suficiente para permitir que os cristãos do século XXI consolidem sua fé em Deus, caminhem no seguimento de Jesus, dentro de culturas caracterizadas por ciências físicas e humanas e pela modernidade que alcança todos os povos do planeta? Aqui estão algumas propostas.
A estrutura hierárquica da Igreja Católica nasceu no segundo século da era cristã. Em seu funcionamento, ela pratica muito pouco a democracia eletiva. Do papa aos bispos, nenhum responsável é eleito. Os padres são formados desde cedo em seminários fechados, essencialmente com filosofia e teologia tradicionais. A reforma protestante, inaugurada por Lutero em 1517, havia abandonado a estrutura piramidal. Hoje, toda pessoa honesta e informada reconhece que a reforma protestante foi uma ruptura de libertação do poder pontifício e a favor de uma leitura direta da Bíblia pelo povo. Infelizmente, o Concílio de Trento (1565) em sua contrarreforma, recusou-se a tirar a mínima lição da novidade protestante e congelou a Igreja Católica por séculos.
No século XX, as coisas mudaram significativamente, em particular com o Concílio Vaticano II (1962-1965). Mas hoje conhecemos seus limites, assim como as resistências e os retrocessos que foram feitos depois disso. Deve-se admitir que, desde então, muitos católicos abandonaram a prática litúrgica e a vida da Igreja e muitos continuam a abandoná-la. E isso por causa de sua doutrina e de suas formulações pré-modernas.
O enorme êxodo disciplinar e doutrinal que este fenômeno representa e que diz respeito a sacerdotes, religiosos e leigos, surpreende sempre os observadores, mas não parece preocupar nem perturbar profundamente a instituição da Igreja Católica.
Um primeiro ponto de doutrina: Jesus é de natureza divina, como proclamaram os concílios de Niceia (325) e Calcedônia (351) e como afirma o Credo? Ele nasceu de uma virgem pelo Espírito Santo?
Hoje, com os conhecimentos adquiridos da exegese histórico-crítica, admite-se que Jesus era um ser plenamente humano, que tinha uma relação de intimidade com Deus a quem chamava de Pai. Jesus não era um padre, mas um profeta que viajou pela Galileia e pela Judeia para anunciar que o reino de Deus estava próximo. Para os católicos, aqui está uma questão dogmática formidável a ser abordada.
Um segundo ponto, a doutrina do pecado original: o ser humano nasceria com uma mácula espiritual, o que implicaria uma reparação da qual Jesus seria a vítima sacrificial através da cruz. Este ponto de doutrina é radicalmente contestado pela teoria da evolução exposta por Darwin. Os seres humanos, mamíferos do ramo dos hominídeos, descendem do homo sapiens, datado de trezentos mil anos atrás. Viemos de uma longa evolução e continuamos evoluindo através do trabalho, da cultura, das mudanças sociais, com o passar das gerações.
No século I, o profeta da Galileia, depois de muitos outros, indicou um caminho de excelência, manifestado nos Evangelhos: parábolas, sermão da montanha, palavras sobre o reino de Deus, o primado do amor e da misericórdia...
A Igreja católica deixará de lado o catecismo de João Paulo II (1992), que mostra, em todos esses pontos, o atraso acumulado em sua atualização da mensagem cristã?
Uma palavra sobre as pesquisas atuais a respeito de Deus. Um número crescente de seres humanos rejeita a concepção de um Deus teísta, criador do universo e que o governa; aquele Deus para quem bastaria orar para que a guerra acabasse, ou para que um doente fosse curado. Esta imagem de Deus está sempre presente na liturgia cristã, feita de súplicas e pedidos de perdão.
Autores como o teólogo protestante estadunidense Paul Tillich (1886-1965), o filósofo Marcele Légaut (1900-1990), o padre e teólogo Adolphe Gesché (1928-2003), o bispo anglicano estadunidense John Shelby Spong (1931-2021), o teólogo e psicoterapeuta Eugen Drewermann escreveram sobre o fim do teísmo e tentaram oferecer uma expressão diferente de Deus, com palavras como Transcendência, Fundamento do Ser, Fonte da vida e do amor (sobre este tema ver o livro de John Shelby Spong, Etre honnête avec Dieu. Lettres à ceux qui cherchent (Ser honestos com Deus. Cartas para quem procura). Um Deus incognoscível, forma de vazio e plenitude, pessoal e impessoal, detectável no fundo de nossa consciência.
Os teólogos da Igreja Católica aceitarão falar de outra face de Deus? A experiência de Deus, revisada e regenerada, preserva em nossos dias um interesse benéfico para os seres humanos?
Como explicar e admitir que muitos teólogos, intelectuais e informadores religiosos não entendem nada ou muito pouco dos sinais atuais da transformação em curso do cristianismo?
Sinais que, mais do que reformas disciplinares, requerem uma mudança de paradigma, uma verdadeira virada, uma refundação.
[1] O grupo Por um cristianismo futuro está na origem deste artigo. Esse coletivo reúne cristãos em prol de uma compreensão renovada do cristianismo. Os signatários deste artigo são Robert Ageneau, fundador das edições Karthala; Serbe Couderc, professor aposentado; Paul Fleuret, professor de letras no ensino médio; Jacques Musset, escritor e ensaísta; Philippe Perrin, ESCP e advogado; Marlène Tuininga, escritora e jornalista.
De 03 de maio a 01 de julho, ocorrerá o Ciclo de Estudos: O cristianismo no contexto das transformações socioculturais e religiosas contemporâneas. O evento tem como objetivo debater transdisciplinarmente as condições e possibilidades da existência cristã e eclesial e da teologia no contexto das transformações socioculturais e religiosas que resultam numa caracterização da sociedade e da cultura atual como pós-teísta, pósreligiosa e pós-cristã.
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“A atual transformação do cristianismo exige uma mudança de paradigma dentro da Igreja Católica” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU