05 Abril 2022
"O problema é o Estado nacional, uma forma política discriminatória que agora mostra sua face decrépita e violenta. Almejamos, portanto, uma União Europeia dos povos capaz de superar o critério da nação. Quem é de esquerda, em vez de tomar partido de uma nação contra outra, deveria assumir o ponto de vista que outrora se chamava internacionalista e que hoje poderíamos dizer para além das nações", escreve Donatella Di Cesare, filósofa italiana e professora de Filosofia Teórica na Universidade de Roma “La Sapienza”, em artigo publicado Il Fatto Quotidiano, 04-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ela, "estudar o pensamento do século XX, filósofos como Heidegger, que endossaram o nazismo, e como Walter Benjamin ou Hannah Arendt, que nos mostraram vias de saídas, as passagens, é sem dúvida hoje uma grande vantagem. Deixa claro que ainda vivemos à sombra de Auschwitz, mas também nos ajuda a não repetir os erros do passado".
Eu também estou do lado das crianças ucranianas em fuga. E do lado das mulheres, expostas a toda violência, dos idosos, indefesos e abandonados. Mas com um esforço da imaginação, ultrapassando a fronteira, também estou do lado das crianças russas que, nas periferias das metrópoles ou nas regiões mais isoladas, serão vítimas das sanções europeias e morrerão de fome, dificuldades, doenças.
Sem perder de vista nem a evidente desproporção de forças entre a Rússia e a Ucrânia, nem a infame agressão, aponto o dedo contra os chefes, os líderes, os governos de ambos os países, que estão levando seus respectivos povos a um massacre sem sentido. E fazem isso, aliás, numa escalada desenfreada, evitando quase intencionalmente qualquer negociação.
Nesse sentido, minha perspectiva certamente é diferente daquela de Furio Colombo. Não acredito, de fato, que seja suficiente condenar o "intervencionismo de Putin". Esta visão, que julgo unilateral, acaba, na melhor das hipóteses, no beco sem saída da condenação, enquanto na pior pode conduzir, através do envio de armas, ao envolvimento de países europeus neste conflito. Eis porque, desde o início, critiquei aquela propaganda belicista que faz um uso sutil da palavra "resistência" a fim de conquistar a benevolência da opinião pública italiana.
Esta nova guerra mundial no coração da Europa é um embate entre dois Estados nacionais, uma regressão quase selvagem ao nacionalismo mais brutal. Nunca poderíamos pensar em ter que vivenciar um evento como esse no século XXI. Precisamente por isso tenho sido cautelosa a referências a outras guerras. Claro, como esquecer a agressão injustificada contra o Iraque, com tudo o que resultou também para as nossas democracias, postas à prova por leis especiais? Sem falar na Síria, no Líbano e nos outros cenários bélicos que Colombo justamente menciona.
Mas também é verdade que esta guerra está perto, aliás, muito perto, e há mais de um mês é combatida no território europeu, onde já se criou uma falha cada vez mais profunda, que dificilmente será sanada em pouco tempo. É uma guerra nacionalista europeia, com características oitocentistas, mas no contexto globalizado onde se enfrentam as grandes potências: os EUA e a China. Tudo isso em detrimento dos povos, dos mais fracos, dos mais pobres, que pagarão um preço altíssimo. Por um lado, como do outro, os ricos e poderosos se salvarão.
Não há uma humanidade da série A e uma humanidade de série B. Colombo tem razão em lembrar os campos de concentração líbios, onde crimes horrendos são perpetrados há anos. Denunciamos a violência em todos os lugares e não ficamos indiferentes. Por isso, aplaudimos o acolhimento dos refugiados ucranianos, mas ficamos estarrecidos diante de uma política migratória evidentemente racista que discrimina quem tem a pele mais escura: os estudantes estrangeiros ou os trabalhadores temporários de outras nacionalidades, que se encontravam em território ucraniano, não estão incluídos na proteção acertada pela Europa. Crianças afegãs, sírias e curdas ficam para morrer fora de nossas fronteiras.
O problema é o Estado nacional, uma forma política discriminatória que agora mostra sua face decrépita e violenta. Almejamos, portanto, uma União Europeia dos povos capaz de superar o critério da nação. Quem é de esquerda, em vez de tomar partido de uma nação contra outra, deveria assumir o ponto de vista que outrora se chamava internacionalista e que hoje poderíamos dizer para além das nações.
Estudar o pensamento do século XX, filósofos como Heidegger, que endossaram o nazismo, e como Walter Benjamin ou Hannah Arendt, que nos mostraram vias de saídas, as passagens, é sem dúvida hoje uma grande vantagem. Deixa claro que ainda vivemos à sombra de Auschwitz, mas também nos ajuda a não repetir os erros do passado.
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Eu estou com as crianças (todas). De fato, eu digo “Não às armas”. Artigo de Donatella Di Cesare - Instituto Humanitas Unisinos - IHU