20 Dezembro 2021
Vamos chamá-lo de Moisés, salvo das águas, a criança confiada com um gesto desesperado e com uma prece silenciosa ao mar que engole como uma boca aberta no abismo. Com pouco mais de um ano de idade, não sabe pronunciar seu nome, nem conhece os braços que o seguraram firme no barco que partiu de Sfax, na Tunísia, com 70 homens a bordo, que desembarcou sexta-feira na praia de areia branca da Ilha dei Conigli.
A reportagem é de Maria Rosa Tomasello, publicada por La Stampa, 19-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Agora que brinca seguro em um quarto do hotspot de Lampedusa, que tem cama e comida quente, ainda sabemos muito pouco sobre sua história: que ele é de origem subsaariana, que está bem de saúde e que ninguém sabe quem são ou onde estão seus pais. Os que cuidaram dele durante a viagem contam como nos momentos emocionantes da partida foram eles que o colocaram a bordo do barco, já lotado de passageiros, onde não havia mais espaço para uma família, mas só para uma criança. Um afastamento, uma dilaceração inimaginável.
“Agora está aos cuidados de uma de nossas educadoras, à espera das indicações do juiz, enquanto a Interpol trabalha para localizar os familiares - afirma Gian Lorenzo Marinese, responsável pelo centro de acolhimento - Não é esperança que leve um pai e uma mãe a confiar uma criança pequena a estranhos em uma viagem tão arriscada: só o medo de algo terrível pode estar na origem de uma escolha tão dramática”. Foi o caso de Sohail Ahmadi, o recém-nascido entregue por seus pais a um fuzileiro naval estadunidense no caos do aeroporto de Cabul, em 19 de agosto: pelo menos os inocentes devem ser poupados na tragédia sem fim das guerras e da fome, na busca legítima por um destino que não seja de miséria e opressão.
É assim que cresce o exército de crianças e jovens sozinhos que chegam às costas italianas, muitas vezes depois de anos de viagens pelo deserto, depois de passar por campos de concentração da Líbia: 1.680 menores estrangeiros não acompanhados chegaram em 2019, 4.687 em 2020, e são 9.338 este ano, um número enorme.
Save the Children lembra no Dia Internacional dos Direitos do Migrante que mais de 1.315 seres humanos morreram em 2021 na travessia do Mediterrâneo para a Europa. Quantos deles eram os filhos que não choramos? Em novembro do ano passado, o P. Carmelo La Magra, pároco de Lampedusa, escreveu este epitáfio para Joseph, que se afogou aos seis meses nas águas gélidas diante da Itália: "Voltaremos a nos ver no céu, onde seremos crianças para sempre".
Se esse céu existe, é aqui que Alan Kurdi, o menino sírio de três anos encontrado morto em 2015 em uma praia turca, corre com sua camisetinha vermelha, e onde vive a menina de dez anos arrastada há uma semana pela correnteza de um rio na fronteira entre a Eslovênia e a Croácia, e os três pequenos mortos em uma praia da Líbia em maio, sem nome nem história. Por isso, se é verdade que Moisés chegou até nós impelido pela dor, é justo esperar que o país que o acolheu lhe restitua um lar, e o lar é o abraço de quem o ama.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O milagre de “Moisés” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU