15 Dezembro 2021
Há um caminho que leva alguns cientistas a se engajarem em batalhas civis, a se empenharem pessoalmente na defesa dos direitos humanos. Carlo Rovelli, físico teórico que se tornou uma estrela graças a best-sellers como Sete breves lições de física, A ordem do tempo ou o recente Helgoland está lançando hoje, junto com cinquenta prêmios Nobel e diversos presidentes de Academias nacionais de Ciências, um apelo dirigido a todos os governos do mundo.
“É uma proposta muito concreta”, diz ele imediatamente, respondendo ao Repubblica via Zoom de sua casa no sul da França, onde leciona física teórica na Universidade de Aix-Marseille há vinte anos. Em jogo está o nosso futuro: “Pedimos para negociar uma redução equilibrada dos gastos militares globais a serem reinvestidos para enfrentar os graves problemas do nosso tempo: aquecimento global, epidemias e pobreza”. A lista de signatários também inclui os prêmios Nobel Giorgio Parisi e Olga Tokarczuk. E há os italianos Annibale Mottana (presidente da Academia Nacional de Ciências dos XL) e Roberto Antonelli (presidente da Accademia dei Lincei). O apelo pode ser lido e assinado no site.
A entrevista com Carlo Rovelli é editada por Raffaella De Santis, publicada por La Repubblica, 14-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor você pode explicar melhor do que se trata?
Na base está uma ideia simples: a humanidade tem problemas comuns graves, para enfrentá-los é preciso recursos, que são difíceis de encontrar. Mas há uma maneira de encontrá-los: colaborar e negociar uma diminuição comum dos gastos militares, que dobraram em todos os lugares de 2000 até hoje. Mesmo uma pequena redução de 2% ao ano durante cinco anos liberaria um enorme "dividendo da paz": um trilhão de dólares daqui a 2030, um valor muito superior do que o que é agora destinado para a colaboração internacional. Fiquei surpreso com a adesão entusiástica de tantos ganhadores do Prêmio Nobel, incluindo o Dalai Lama. E não escondo o fato de que gostaria do apoio do Papa Francisco.
Existe um terreno comum em nome de uma ética humanitária?
Sou ateu de forma convicta, mas compartilho muitos valores e urgências com o mundo católico. O empenho pela paz e o meio ambiente do Papa Francisco é bem conhecido e espero que o pontífice possa apreciar esta nossa iniciativa.
Você não teme que o projeto possa parecer demasiado idealista?
De acordo com dados recentes da Oxfam, onze pessoas em todo o mundo correm o risco de morrer de fome a cada minuto. Recursos enormes são necessários para enfrentar este e outros problemas. Mas, como mostraram as últimas conferências sobre o clima, não é fácil costurar um acordo entre os países ricos e aqueles pobres. Com este apelo, tentamos responder de forma não ilusória ou retórica. Pedimos aos governos de todo o mundo que se sentem à volta de uma mesa e negociem para valer.
Pode-se tentar mudar a sociedade a partir da ciência?
A ciência é um instrumento eficaz, mas também flexível. Podemos usá-la para matar os outros, como mostram os colossais investimentos em pesquisas militares. Ou para produzir vacinas que nos protegem das doenças, para entender o que está acontecendo com o clima, para racionalizar a distribuição de alimentos no planeta. De um modo geral, oferece instrumentos para a humanidade. Mas para mudar o mundo em uma direção mais justa, o que é preciso não é a ciência: é a política.
Anos atrás, Michel Serres propôs um pacto entre cientistas e políticos pelo cuidado da Terra. Isso lhe parece um caminho viável?
É um terreno perigoso. A política deve encarregar-se da mediação entre diferentes interesses e sistemas de valores e para isso pode ouvir a ciência, mas não pode delegar aos cientistas as decisões, nem não se responsabilizar. A desconfiança em relação à ciência nasce dessa confusão, pelo fato de que a ciência está demais ao lado do poder em uma sociedade onde as desigualdades crescem e muitos se sentem cortados da participação. O resultado é uma perda de credibilidade.
Quanto pesou essa desconfiança durante a Covid?
Os cientistas foram acusados de se contradizerem, sem entender que a ciência é um processo de conhecimento, em constante evolução. Os cientistas não são o oráculo de Delfos.
A propósito de ciência e sociedade. Existe uma tradição de cientistas ativistas que mostra como o desenvolvimento científico é compatível com a defesa dos direitos humanos.
O famoso manifesto de Bertrand Russell e Albert Einstein apresentado em Londres em 1955 para denunciar os riscos das armas atômicas e que levou à Conferência de Pugwash, mais tarde premiada com o Prêmio Nobel, talvez tenha salvado a humanidade de um desastre nuclear. Aquele documento é o germe que levou aos tratados entre os Estados Unidos e a União Soviética, que desde a década de 1980 reduziram seus arsenais nucleares em 90%.
Como você explica o empenho social de tantos homens da ciência?
Parte do que está em jogo é o que antigamente se chamava de papel do intelectual. Aqueles que praticam a ciência estão cientes de ocupar uma posição de privilégio e, portanto, se sentem investidos de uma responsabilidade.
Se um policial testemunha uma agressão enquanto está fora de serviço, ele intervém. O mesmo acontece a nós cientistas. Empenhar-se em causas humanas e civis torna-se uma forma de viver o nosso papel com responsabilidade. Além de Einstein, pensamos em Sakharov ou, hoje, em Noam Chomsky.
Ou nos jovens do Vale do Silício, de onde começou a revolução informática. Anos atrás, um livro de David Kaiser, "How Hippies Saved Physics", contava isso. Os cientistas são mais capazes de interceptar o espírito do tempo?
A ciência não é uma torre de marfim isolada do resto do pensamento. Está em constante troca de ideias com tudo o que acontece ao seu redor. E não há dúvida de que a cultura hippie daqueles anos vivia imersa em um contexto de mudanças. Aquele livro reconstrói isso. Foi um momento importante para a física porque reabriu a discussão sobre os fundamentos da mecânica quântica, que havia se apagado depois dos anos 1930. Um período muito intenso que teve efeitos clamorosos na sociedade. Steve Jobs e a Apple resultaram daí.
Uma contracultura da qual você também vem, estudante em Bolonha na década de 1970. É verdade que foi preso por ter se recusado a prestar o serviço militar?
Sim, naquela época ainda era obrigatório. Aconteceu durante uma manifestação pela paz.
Os ideais, portanto, permaneceram os mesmos da juventude?
Os valores são sempre aqueles.
E que papel desempenhou o estudo da física quântica?
Bem, estudar física quântica é um antídoto extraordinário contra todo realismo demasiado ingênuo. A realidade é complexa, nós fazemos parte dela. Nós mesmos, nosso conhecimento, nossas ideias, nosso raciocínio e também nosso senso moral e nosso empenho político, nós somos elos de uma rede mais ampla. Por isso é mais razoável colaborar do que combater.
O que seríamos nós, humanos, sem um tecido de relações?
Seríamos seixos. Só que descobriríamos depois, graças à quântica, que mesmo aqueles seixos não existiriam sem relações.
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Contra as crises vamos reduzir os gastos militares. Entrevista com Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU