11 Novembro 2016
“Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu” (Lc 21,11).
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 33º Domingo do Tempo Comum (13/11/2016) que corresponde ao texto de Lc 21,5-19.
Aproxima-se o final de mais um ciclo litúrgico e a celebração eucarística deste domingo nos situa diante do último discurso de Jesus, anunciando a queda do Templo de Jerusalém e a presença das crises.
As crises são situações de passagem e fazem parte do crescimento humano, tanto pessoal como coletivo. Não há desenvolvimento sem períodos de ruptura e de descontinuidade. Mas, muitos permanecem paralisados diante do seu caráter ameaçante; acabam por retrair-se e isolar-se no medo.
No entanto, a crise revela uma excelente oportunidade para dispor-nos a avançar, dando um salto qualitativo e de crescimento. Inclusive ela pode ser ocasião propícia para ativar recursos e potencialidades latentes que em tempos de aparente harmonia ainda não tiveram chance de se manifestar. Em cada situação crítica que parece bloquear o caminho, saímos mais humanos e mais criativos.
Nas diversas sabedorias e culturas, como também na psicologia, sociologia, espiritualidade... as crises não só são inevitáveis, mas necessárias e convenientes, porque indicam a passagem de uma etapa a outra. Esta passagem é sempre incômoda, difícil e, inclusive, perigosa porque os elementos que tinham encontrado seu equilíbrio se desestabilizam. Necessita-se habilidade, coragem, tempo e paciência para que se encontre de novo a harmonia. As crises, portanto, não são acidentes de percurso, são a essência mesma do caminho.
O perigo está em permanecer nas manifestações externas e nas evidências imediatas da crise (terremotos, fomes, sinais pavorosos...), conduzindo-nos ao desespero e a sensação de perder o solo sob nossos pés. Só quem desce às profundezas de seu ser encontrará solo firme sobre o qual manter-se inabalável. O furacão revela um núcleo interior de calma e serenidade, enquanto ao seu redor espalha destruição e violência. O mar, nas suas profundezas, encontra-se tranquilo, enquanto na superfície as ondas mostram-se agitadas.
A vida está atravessada por um misterioso impulso de “sempre mais”, dinamismo que caracteriza a essência do existir humano; ela está em permanente desenvolvimento e as convulsões fazem parte do processo de mudança e crescimento.
Em tempos de crise, tudo aquilo que nos dava segurança, parece desmoronar-se: o horizonte fica obscurecido, os valores perdem credibilidade, tudo passa por desestabilizações, rupturas, novas adaptações. Tal situação gera insegurança, medo, impotência e experiência de fracasso: projetos se esvaziam, a esperança se atrofia, a criatividade se petrifica...
O crescimento do ser humano não é linear senão que transcorre através de uma sucessão de rupturas.
A primeira é o nascimento, a crise maior de nossa vida, juntamente com a morte, que é a última. Nossa existência é um percurso entre duas rupturas nas quais se dá uma mudança qualitativa entre um modo de ser a outro. Nascer supõe abandonar o ventre materno para expor-se ao desafio da individualidade; morrer supõe deixar esta individualidade para entrar em outro modo de existência. Cada etapa de crescimento suporá um tipo de crise. Assim avança a vida, abrindo-se caminho sem cessar à custa de deixar os territórios familiares para adentrar-se nos inexplorados.
Atribui-se a Albert Einstein as seguintes palavras:
“Não pretendamos que as coisas mudem se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor benção que pode acontecer às pessoas e aos países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise onde nasce a inventividade, as descobertas e as grandes estratégias. Quem supera a crise, se supera a si mesmo sem ficar superado. Sem crises não há desafios e a vida torna-se uma rotina, uma lenta agonia”.
O Evangelho de hoje nos convida a não permanecer na casca da vida. Jesus nunca fica na superfície das coisas; sempre vai às raízes. É mais fácil nadar à superfície da água que mergulhar nas profundidades.
Transitamos na casca da vida e esquecemos a verdade da vida; dá medo nos perguntar por aquilo que é essencial; preferimos, muitas vezes, permanecer no superficial, no acidental.
Quando resistimos encontrar com o essencial, afastamo-nos do nosso próprio ser original; quando fugimos do essencial vivemos no vazio. Porque, encontrar-nos com o essencial é deparar-nos com nossa verdade. E isso é doloroso. Custa-nos olhar no espelho de nossa verdade. E se temos medo da própria interioridade, ficamos à mercê dos ventos, tempestades e terremotos. Tudo parece sem solo, nada confere firmeza.
Os tempos difíceis e de crises não devem ser tempos de lamentos ou de desânimo. Não é a hora da resignação, da passividade ou da fuga. A ideia de Jesus é outra: em tempos de crise “tereis ocasião de testemunhar a vossa fé”. É então, precisamente, quando nos é oferecida a melhor ocasião de dar testemunho de nossa adesão a Ele e a seu projeto.
Pertence à crise o aspecto dramático e a sensação da perda dos pontos de orientação. Por isso se impõe a coragem de saber esperar o decantamento da água turva (“em tempo de crise não se toma decisão”).
O tempo de crise revela-se também como o momento para cultivar um estilo de vida cristã, paciente e tenaz, que nos ajude a responder às novas situações e desafios sem perder a paz nem a lucidez.
É tempo de discernimento que possibilita uma nova forma de vida.
Jesus, ao falar da destruição do Templo de Jerusalém não estava interessado na destruição dos edifícios, e sim, na destruição da vaidade e do orgulho humano; não vislumbrou a ruína dos muros e das pedras, e sim a ruína da vanglória. Sua presença rompe muralhas, afasta as pedras que impediam a manifestação da Vida.
Em Jesus ocorre algo totalmente novo. Ele traz uma nova maneira de viver que não cabe nos nossos esquemas; o Evangelho é uma novidade que rompe velhas muralhas.
Dizer: “não ficará pedra sobre pedra” é o mesmo que dizer: “não ficará orgulho sobre orgulho, opressão sobre opressão, injustiça sobre injustiça…” Há muitas pessoas encerradas em seus próprios muros, fechadas em si mesmas, em seus interesses, vivendo um universo de egoísmo e exclusão. Vivem separadas dos outros e, quando encontram pessoas semelhantes, criam verdadeiras muralhas ao seu redor.
Cobrimo-nos de pedras, rodeamos nosso coração de muros, construímos muralhas que nos afastam dos outros e de Deus. É isso que somos convidados a fazer: destruir o Templo de Jerusalém da solidão, fechamento, angústia, alienação, indiferença, rancor, medo e insegurança… Precisam desaparecer os templos abusivos onde adoramos o nosso “eu” e idolatramos a riqueza, o poder, o prestígio… É preciso derrubar as muralhas do preconceito, das idéias fixas, dos modos fechados de viver..., que impedem o fluir da vida. A Vida que habita em cada um de nós. Há uma força interior que quer romper a casca e transbordar numa explosão vital multiplicadora. É sobre as cinzas de nossas míseras ambições que o Reino de Deus plantará suas raízes.
Para Jesus, a verdadeira beleza não está nas pedras do templo, mas na nossa interioridade, “casa de Deus e espaço de oração”. É o único lugar que permanece tranquilo e sólido diante das sacudidas existenciais provocadas pelas crises.
Como você reage diante de suas crises: na fé, no sentido da vida, nos relacionamentos...
Discernir os caminhos a seguir
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A crise não é acidente de percurso, é a essência da vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU