26 Novembro 2021
Exame da energia, transportes, comunicações, água e saneamento. Circuitos que poderiam beneficiar população e empresas são capturados por grandes corporações. Resultado é a vida infernizada, para alimentar lucros e corromper a política.
O artigo é de Ladislau Dowbor, doutor em Ciências Econômicas pela Escola Superior de Estatística e Planejamento (1976), mestre em Economia Social pela Escola Superior de Estatística e Planejamento (1974), graduado em Economia Política - Universite de Lausanne (1968), professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC - SP), publicado por OutrasPalavras, 24-11-2021.
A área de produção material que vimos antes se organiza essencialmente em unidades empresariais. São dominantemente de propriedade privada, mas é interessante constatar que também nas experiências socialistas a produção material era organizada em unidades empresariais, ainda que de propriedade social. Juntar a atividade de centenas ou até de milhares de pessoas de maneira organizada, com uma precisa divisão interna de tarefas, e com um objetivo claramente definido, é muito produtivo. Pode parecer óbvio, mas é muito importante, e inovações organizacionais têm sido menos colocadas em evidência do que as inovações tecnológicas.
Diferentemente das unidades de produção já vistas, as infraestruturas consistem essencialmente em redes, sistemas que conectam o conjunto dos agentes produtivos. Trata-se essencialmente das redes de transportes, de comunicações, de energia e de água e saneamento. Esses quatro setores são essenciais para a articulação do conjunto das unidades produtivas. Imagine-se a economia do país sem energia. Houve um tempo em que cada empresa gerava a sua energia, por exemplo, com máquinas a vapor ou geradores. Gigantes empresariais chegaram a construir as suas próprias ferrovias. Mas, na realidade, para que uma economia funcione, as infraestruturas precisam constituir um tipo de rede de sustentação que assegure a fluidez do conjunto do tecido econômico, inclusive articulando as unidades empresariais.
É importante distinguir entre as infraestruturas e os setores de atividade de produção material visto previamente, pois o seu papel é diferente. A eletricidade tem de chegar a cada máquina, a cada quarto dos nossos quase 70 milhões de domicílios, a cada poste de luz. A água tem de chegar a cada torneira, através de sistemas de captação, grandes adutoras, distribuição intermediária final, e depois canalização, tratamento, eventual reutilização, e assim por diante. São imensas teias que cobrem o país, nas diversas modalidades de transporte, nos diversos sistemas de acesso à comunicação, água e energia.
Trata-se aqui, em geral, de sistemas dominantemente públicos, desenvolvidos de maneira planejada para ter coerência sistêmica, e articulados em redes interdependentes, como vemos no caso das interconexões do sistema de energia elétrica. O seu caráter público pode ser constatado na maioria dos países, e em particular nos países onde funcionam melhor. Não por alguma razão ideológica, mas por tratar-se de sistemas de articulação de todo o território, com visão de longo prazo. Regiões atrasadas, onde não renderia instalar um sistema privado de transportes, são justamente as localidades onde devem ser instaladas com prioridade, para tornar os investimentos mais viáveis e evitar desequilíbrios regionais. O setor público poder realizar investimentos deficitários para facilitar a expansão de atividades econômicas diversificadas faz parte da necessária articulação entre o público e o privado. Nada como abrir infraestruturas de transportes numa região economicamente mais fraca para atrair investimentos e dinamizar a economia local.
As infraestruturas constituem assim serviços públicos por excelência. Quando são apropriadas por grupos privados, resultam, por exemplo, nos absurdos da prioridade ao transporte individual em cidades como São Paulo, como já vimos, porque não se fez os investimentos de acordo com o interesse público. Aqui as privatizações geram os chamados “custos Brasil”, pois infraestruturas caras ou inadequadas tornam todas as atividades econômicas mais caras, ao aumentar os custos de todos os setores de atividade.
Quando olhamos o mapa econômico e demográfico do país, ficamos impressionados com a dimensão costeira dos nossos principais centros. Se excetuarmos a região de Belo Horizonte, constatamos que quase todas as nossas capitais, de Manaus a Porto Alegre, são cidades portuárias, incluindo aqui, obviamente, o eixo São Paulo-Santos. No caso dos transportes de mercadorias, os custos da tonelada por quilômetro são incomparavelmente mais baixos quando se utiliza o transporte por água, sobretudo no caso de produtos de relação valor por tonelada relativamente baixa, como é frequente no Brasil. A solução óbvia, em termos econômicos, consiste em assegurar um sistema bem desenvolvido de transporte por água.
Com os sistemas modernos de contêineres, de terminais portuários especializados, de articulação dos portos com o sistema ferroviário e de tagging eletrônico das cargas, é possível transportar as nossas mercadorias não com custos alguns pontos percentuais mais baixos, mas tipicamente duas ou três vezes mais baratos. O assim chamado transporte de cabotagem, interligação permanente dos diversos portos e regiões com linhas de navios de carga, permitiria, ao baratear as trocas, uma articulação muito mais densa das diversas regiões do país e tornar nossos produtos mais competitivos.
Na visão de um sistema intermodal de infraestruturas de transportes, os portos precisam, por sua vez, ser conectados com grandes regiões do interior, inclusive as mais atrasadas, através de eixos ferroviários, numa malha que assegure não só a conexão das grandes regiões do interior com os centros litorâneos, mas destas regiões entre si. O caminhão e a estrada são, sem dúvida, necessários, mas para carga fracionada e distâncias curtas, redistribuindo, por exemplo, uma carga que chegue a Belo Horizonte por trem para os pequenos centros da região. Utilizar estrada e caminhão para a grande massa de transportes pelo Brasil afora, gastando diesel e asfalto, gera custos muito elevados para os produtores do interior. A soja produzida no Mato Grosso do Sul pode ser competitiva ao sair da fazenda, mas chega a Paranaguá, com o ônus do transporte, muito menos competitiva. Os produtores se recuperam aviltando o que se paga aos trabalhadores e aos caminhoneiros.
Os mesmos leitos ferroviários permitem, por seu turno o transporte de passageiros entre regiões. A China tem atualmente 29 mil quilômetros de trens de grande velocidade, a Europa também já construiu a sua malha básica que conecta praticamente todas as capitais. Os Estados Unidos estão construindo os seus primeiros 700 quilômetros. Com uma boa malha ferroviária, o avião passa a ser utilizado para grandes distâncias, enquanto os centros regionais são conectados por trem com trajetos tipicamente de duas horas. Chega-se ao centro da cidade, a uma estação conectada com o metrô. Pede-se aos passageiros, por exemplo em Paris, para uma viagem internacional para Milão, que cheguem pelo menos cinco minutos antes da partida, e não uma hora antes como no aeroporto, sendo que já gastamos mais de uma hora no trânsito. No trem há acesso à internet e vagão restaurante. Para viagens mais longas, trens noturnos com camas. São sistemas públicos. No caso da China, com eletricidade ainda produzida em grande parte com carvão, é até bastante problemático, pelo impacto climático. Mas para um país como o nosso, com sólida base de energia hidroelétrica, sairia naturalmente muito mais barato para todos e muito melhor para o meio ambiente. E economizaria tempo, que é um recurso não renovável de todos nós, além de dinamizar a indústria de produção de equipamentos.
Não há nada de misterioso nesta visão, amplamente estudada, tanto que já aparece no plano salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) de 1948, e no Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. Inclusive, como o país dispõe de aço, de uma ampla infraestrutura siderúrgica, metalúrgica e de mecânica pesada, a modernização dos portos, a criação ou dinamização de estaleiros navais, a produção de trilhos e a construção de ferrovias geraria um estímulo para grande parte do parque produtivo do país, como já se constatou nos programas incipientes dos governos Lula e Dilma.
A dimensão do transporte de passageiros nas cidades espanta igualmente pela irracionalidade das opções. As grandes cidades se encontram praticamente paralisadas. O paulistano médio passa duas horas e quarenta minutos do seu dia no trânsito, numa cidade que para, paradoxalmente, por excesso de meios individuais de transporte. A opção pelo transporte individual de passageiros não se deve, conforme vimos, a qualquer estudo de racionalidade de transportes, e sim à apropriação da política pelos interesses articulados das montadoras e das empreiteiras. Quando há uma grande massa de pessoas a transportar, sai incomparavelmente mais barato utilizar transporte de massa. É bom lembrar que o carro particular fica, em média, parado 95% do tempo, e transporta, em média, 1,3 pessoas.
O carro em si não é um problema, quando usado para lazer, compras da família e semelhantes. O absurdo é utilizar o carro para levar milhões de pessoas mais ou menos às mesmas regiões no mesmo horário. Depois esses carros ficam parados dez horas, entulhando as ruas, e enfrenta- -se um novo engarrafamento gigantesco no final do dia. É tão absurdo que parece infantil. E, no entanto, a cidade mais moderna da América Latina, e de nível mais elevado de educação, votou sistematicamente segundo os interesses eleitorais das empreiteiras e das montadoras, cavando túneis e criando elevados e viadutos, como se vários andares de carros fossem alguma solução. São Paulo ostenta os seus ridículos cem quilômetros de metrô. Paris, cidade incomparavelmente menor, tem mais de quatrocentos.
Não é ignorância, tanto assim que as soluções adequadas baseadas no metrô já existem em boa escala desde o início do século passado em muitas cidades. Trata-se da apropriação privada de interesses públicos, através do controle dos Executivos, dos Legislativos e do Judiciário. A solução não está no “mercado”, e muito menos na privatização, mas no resgate da dimensão pública do Estado, tirando os interesses corporativos de dentro dos ministérios, dos Legislativos e dos tribunais, e buscando a tão necessária democratização da mídia, que também vive da publicidade dessas corporações, e não informa. A construção de uma matriz coerente de infraestruturas de transporte no país envolve uma visão planejada, sistêmica e de longo prazo, sustentada na sua execução por vários governos sucessivos. A Europa fez, a China está fazendo, por que não nós?
Melhorar as infraestruturas reduz os custos de todos os setores, gerando as chamadas “economias externas”, ou seja, economias que são realizadas fora da empresa, e reduzem os seus custos. Ter milhões de carros parados, ou andando em primeira e segunda, gastando combustível e gerando doenças respiratórias, é tipicamente uma opção que torna a vida mais cara – e desagradável – para todos. A opção do metrô, além de mais barata, mais rápida e menos cansativa, usa eletricidade, que não gera nem ruído, nem emissões. Tanto para o transporte de pessoas como o de mercadorias, uma política intermodal e integrada de infraestruturas é indispensável. As opções no Brasil, ditadas por empreiteiras, mineradoras e até por interesses dos traders internacionais em commodities, e inclusive interesses de especulação imobiliária nas cidades, nos levou a uma matriz de transportes irracional e de altos custos. Isso prejudica todos os setores e o conjunto da população(1).
Aqui também, ideias simples podem ajudar muito, embasadas não em discursos ideológicos, mas no simples estudo do que melhor funciona em diversos países, para as diversas modalidades e usos de transportes:
Em termos de fontes de energia, o Brasil é um país privilegiado, mas em termos de uso é bastante irracional. E está progredindo rapidamente em termos de distribuição. Vejamos primeiro as fontes: a divisão é entre fontes renováveis e não renováveis. As não renováveis representam 54,7% da oferta, sendo 34,4% de petróleo e derivados, 12,5% de gás natural, 5,8% de carvão mineral e derivados, 1,4% de energia nuclear e 0,6% de outras não renováveis. As renováveis representam 45,3% da oferta, sendo 12,6% de energia hidráulica, 8,4% de lenha e carvão vegetal, 17,4% de derivados de cana-de-açúcar e 6,9% de outras renováveis. São dados de 2019, do Balanço Energético Nacional 2020(3). São cifras fortes, veja-se que o Brasil apresenta 45,3% de energia renovável na sua matriz, enquanto a média mundial é de 13,7%.
A presença da energia renovável hoje tornou-se central pela pressão da mudança climática. Apesar de algumas vozes céticas, amplamente divulgadas pelas grandes associações de produtores de carvão e de petróleo, o fato é que a situação está se tornando crítica no planeta. Ultrapassamos o patamar simbólico de 400 ppm em termos de gases de efeitos de estufa, o que nos leva rapidamente – rapidamente aqui é em poucas décadas – para muito além dos dois graus de aquecimento considerados como limite antes de impactos catastróficos. Este não é o lugar para discutir a mudança climática, e sim o fato de que pela primeira vez a humanidade é desafiada por mudanças estruturais, de longo prazo, e planetárias. E que não dependem de um país individualmente.
Não temos governo planetário – apenas uma sucessão de reuniões mundiais sem poder decisório – e nem cultura do longo prazo. São quase duzentos governos, cada um preocupado com a sua sobrevivência no quadriênio, quando não enterrados em mazelas ingovernáveis, e gigantes corporativos interessados no maior lucro no melhor prazo, conforme vimos na parte dos recursos naturais. Está se gerando um hiato de governança cada vez mais preocupante, entre a dimensão global dos problemas e o nível nacional dos processos decisórios. Basta dizer que a cúpula mundial pelo meio ambiente em Paris, em 2015, levou a um compromisso de se levantar 100 bilhões de dólares anuais para enfrentar a crise planetária, recursos ridículos se comparados com os 20 trilhões que o Economist calcula estarem em paraísos fiscais, duzentas vezes mais.
Esperar soluções de autorregulação por parte das corporações não é apenas uma ilusão política, é uma incompreensão de como se dá o processo decisório na chamada governança corporativa. A realidade é que onde há uma política de energia renovável é em razão de forte intervenção de políticas públicas, resultando de dados científicos cada vez mais claros e de uma pressão sistemática das organizações da sociedade civil. No caso da Dinamarca, por exemplo, onde houve amplos investimentos em energia renovável, particularmente eólica, é uma visão política, civilizatória, de proteção da natureza e da humanidade que se tornou o “norte” do processo decisório. Não ficaram esperando “os mercados”.
Não é necessariamente ir contra as empresas, mas assegurar, sim, parâmetros de regulação e financiamentos que tornem a mudança de rumo viável para as próprias empresas. A democratização da economia significa aqui que os interesses econômicos tenham de coincidir basicamente com os interesses da população, no que tem sido resumido no conceito de desenvolvimento sustentável. A construção desse equilíbrio não virá, evidentemente, sem uma visão de longo prazo, e são os investimentos públicos que podem arcar com os financiamentos subsidiados iniciais, inclusive a pesquisa, além da construção de um plano nacional de recursos energéticos.
Do lado do uso da energia, a irracionalidade é profunda. A deformação maior vem da opção de uso de caminhões movidos a diesel para transporte de carga em longa distância, em vez da navegação e do transporte ferroviário elétrico, do uso do avião para distâncias médias em vez do trem de grande velocidade, do uso de carros particulares em vez de transporte de massa eletrificado, do uso generalizado de chuveiros elétricos em vez de aquecimento solar – exigindo complementação de termoelétricas para cobrir os picos de demanda. Sem dúvida é importante para a economia, e em particular para as empresas, vender caminhões, carros e chuveiros elétricos, mas são visões de curto prazo que reduzem a competitividade do país ao gerar altos custos disseminados em todas as cadeias produtivas.
As privatizações, aqui, ainda que permitam por vezes maior eficiência gerencial, buscam essa eficiência em termos de resultados para a empresa, e não necessariamente para a sociedade. No Brasil buscou-se uma solução que em termos gerenciais é interessante: a geração continua pública, os grandes investimentos são públicos ou em parceria, mas executados por empresas privadas; a distribuição foi privatizada, e o conjunto deveria se equilibrar através de uma agência reguladora. Compreensivelmente, a guerra para quem controla a agência reguladora é forte, e a visão do interesse público nem sempre predomina. São novas arquiteturas organizacionais em construção. A simples privatização geral, que resulta dos interesses das corporações nacionais e transnacionais de se apropriarem dos lucros, não só seria um desastre como vai na contramão das tendências internacionais. Mas é a tendência predominante.
O que temos de deixar bem claro é que pensar que serão abertos mais ou menos poços de petróleo, construídos mais ou menos ferrovias em função de variações da oferta e procura não faz sentido. O mercado, aqui, como mecanismo regulador, não funciona, e o cálculo econômico tem de ser sistêmico. Quando propagandearam que com a privatização da distribuição da energia elétrica os consumidores poderiam escolher de quem comprar a eletricidade, francamente, isso é brincar com os fatos. Energia não se compra no supermercado. E uma iniciativa como o Luz para Todos, que tirou literalmente da escuridão milhões de pessoas, nunca seria do interesse de um grupo privado, ainda que seja essencial para o futuro das famílias e para a produtividade sistêmica do país.
Um ponto importante, e que preocupa as pessoas, refere-se ao pré-sal: ao optar pelo regime de partilha e não pelo de concessão, ou seja, mantendo a propriedade pública do petróleo; e ao aprovar a lei que destina o grosso dos recursos que serão obtidos para a educação e políticas sociais – um tipo de alavanca para o futuro, em vez de buscar ser uma “potência exportadora” que vende o seu futuro e importa produtos de luxo –, o país tinha tomado rumos de bom senso. Um fator fundamental é que tinha se conseguido evitar a privatização da Petrobras, ficando em mãos públicas não só a empresa como o conhecimento tecnológico, permitindo equilibrar as negociações com o poderoso sistema internacional. Mas pressões internacionais e o golpe alteraram profundamente esse quadro. O petróleo do México foi privatizado em 2014. O desmonte da Petrobrás data praticamente do mesmo período. Na área da energia, sem governo forte, os países são depenados. Alguém imagina a China entregando os seus destinos energéticos a grupos multinacionais?
Aqui também temos de ir além das narrativas apresentadas na mídia comercial, centradas essencialmente no mito de que as empresas privadas são mais eficientes. Trata-se, como vemos no caso da Vale S.A. e da Samarco, de pensar para quem são eficientes. Algumas ideias:
As telecomunicações trazem a mais profunda e dinâmica transformação social, econômica e cultural das últimas décadas. Pela primeira vez, o mundo inteiro está conectado, e dentro de poucos anos, em que pesem as desigualdades, não haverá um lugar perdido do planeta onde as pessoas não disponham do acesso não só a qualquer pessoa, mas a qualquer instituição e a qualquer unidade de conhecimento, seja texto, seja música, seja imagem. As ondas eletromagnéticas se transformaram no ambiente de comunicação em que o planeta banha. Esse mesmo texto está disponível para qualquer pessoa em qualquer parte do planeta, gratuitamente e com disponibilidade imediata. Não houve gênio milagreiro. Entre as universidades públicas que desenvolveram o transmissor e os microprocessadores, a tela de toque e outras tecnologias do smartphone moderno, a nasa que desenvolveu os sistemas de comunicação via satélite, o projeto darpa do exército americano que gerou os primórdios da internet, o CERN que gerou, com Tim Berners-Lee, o sistema World Wide Web (www) que permite o acesso mundial aberto às pessoas e ao conhecimento, passando pelas empresas que desenvolveram os aplicativos, a genialidade do Jimmy Wales, que possibilitou o acesso gratuito ao conhecimento com a Wikipédia, as empresas que aderem ao que Don Tapscott chamou de Wikinomics, todos contribuem de alguma maneira para essa revolução. Há uma convergência impressionante de contribuições dos mais variados setores.
Gar Alperovitz diz corretamente que se não fossem todas as pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos nos mais variados setores, e em particular a pesquisa fundamental nas instituições públicas, o Bill Gates ainda estaria brincando com os antigos tubos catódicos que usávamos nas televisões. E o conjunto, no caso da internet, é administrado por uma instituição sem fins lucrativos, o W3C, consórcio dirigido por Tim Berners-Lee, e que agrupa os grandes atores do processo. São avanços tecnológicos que ao mesmo tempo estão gerando transformações organizacionais.
O fato do sistema W3C ser público, ainda que de direito privado, assegura que qualquer consulta sobre um livro ou sobre uma informação na Wikipedia possa ser feita gratuitamente. Se tivéssemos de pagar a cada pequena consulta, o sistema simplesmente morreria. A lógica econômica por trás da maior contribuição à moderna economia criativa resulta da fluidez geral do sistema que a gratuidade e o acesso aberto permitem, e que o Brasil confirmou em 2014 com a lei da neutralidade da internet.
Hoje, o essencial da comunicação passa por satélites e cabos suboceânicos de fibras óticas. São essencialmente grandes investimentos públicos. Os grandes troncos se afinam até hoje para atingir quase todos os recantos do planeta, preenchendo rapidamente o apartheid digital, dos que têm e dos que não têm acesso. Muitas cidades já têm sistemas de WiFi urbano, em que o sinal de internet pode ser captado em qualquer parte da cidade, gratuitamente ou a preço simbólico, assegurando a todos o acesso a esse vetor principal da inclusão econômica, social e cultural que é a informação. É um universo em transformação extremamente acelerada. Temos aqui um poderoso vetor de democratização planetária, mas também ameaças de exclusão e manipulação.
As infraestruturas de comunicação apresentam dois eixos de problemas. O primeiro vem do fato de que os principais nodos da circulação mundial de informação passam pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha. Ambos aprovaram leis secretas que obrigam os mediadores privados – Google, Microsoft, Apple, Verizon, Facebook e outros – a dar acesso integral ao conteúdo das comunicações. E como quase todas passam pelos dois países, a captação é facilitada. O resultado é um sistema planetário de controle de conteúdos privados, tanto pessoais como empresariais e governamentais, por parte de dois gigantes de segurança, o NSA americano e o GCHQ britânico, que trabalham em estreita colaboração.
Muito se investiu na mídia para minimizar a importância dessa invasão de privacidade. A luta contra o terrorismo parece justificar praticamente tudo, inclusive centros de tortura e detenção ilegal espalhados pelo planeta. Mas em termos econômicos, o fato de empresas americanas ou britânicas poderem acessar as informações da Petrobras sobre o pré-sal antes de fazer as suas propostas, ou ainda as comunicações privadas ou oficiais da Dilma ou da chanceler alemã, Angela Merkel, gera uma mudança planetária de relações de poder, em que grandes corporações passam a utilizar os serviços de segurança e a correspondente capacidade de pressão política para negociar contratos econômicos. Falar aqui em mercado e mão invisível, francamente, não é o caso. O que poderia ser um eixo de democratização e de libertação está se transformando em instrumento de concentração de poder(4).
O segundo eixo de problemas está ligado à cartelização do uso dos sistemas privados de acesso às comunicações. Trata-se de intermediários que cobram pedágios sobre o acesso ao principal fator de produção da economia moderna, a informação e o conhecimento em geral. Ignacy Sachs resumiu a questão numa frase: no século XX, o poder era de quem controlava as fábricas; no século XXI, é de quem controla a informação. Isso nos coloca problemas metodológicos. Estamos acostumados a que as infraestruturas se refiram a grandes obras físicas, o hardware da economia. Aqui, grande parte da infraestrutura não é física, é software.
Voltaremos a isso vendo os serviços de intermediação e os problemas gerados pelos diversos tipos de atravessadores. Na dimensão das infraestruturas, o fato é que o imenso avanço que permite o celular e o tratamento eletrônico das informações é em grande parte esterilizado pelo segmento privatizado das infraestruturas. Da minha casa em São Paulo, eu falo pelo Skype com o meu irmão na Polônia praticamente de graça. Mas uma ligação por celular para a cidade vizinha de Campinas gera uma enorme conta no final do mês. Afinal, não são as mesmas ondas eletromagnéticas que carregam a informação?
As ondas eletromagnéticas são da natureza, assim que a sua concessão a determinados grupos privados constitui exatamente isso, uma concessão pública. É o caso não só da telefonia como também da televisão e de qualquer forma de uso de sinal. O implícito na concessão de um bem público é que a empresa forneça um bem público com lucro, sem dúvida, mas com utilidade. No caso, infraestruturas proprietárias de retransmissão levam a serviços de altíssimo custo, gerando lucros nababescos – não à toa Bill Gates e Carlos Slim se figuram entre os homens mais ricos do planeta – sem que o cliente tenha alternativa. Quem já tentou pular da Vivo para a Claro, desta para a Tim, e de volta para a Vivo, já notou que se trata basicamente do mesmo sistema cartelizado de altos custos. Como praticamente todo mundo precisa se comunicar, colocar sobre a comunicação de todos uma taxa exorbitante leva naturalmente a fortunas imensas. É a economia do pedágio, infraestrutura privatizada que eleva os custos no Brasil(5).
Há razões de sobra para que o acesso ao conhecimento seja gratuito. Enquanto as ferrovias ou estradas custam muito dinheiro para construir, ondas eletromagnéticas, estradas onde navegam as unidades de informação, são da natureza. Se não pagamos para andar na rua, também não deveríamos pagar para nos comunicar. Andamos na rua de graça, mas é justamente essa liberdade de transitar que permite que se viabilizem unidades comerciais como uma padaria ou uma farmácia. Estas, por sua vez, asseguram serviços comerciais cujos impostos pagam a construção e manutenção das ruas.
As aplicações podem ser comerciais, não o acesso. As infraestruturas da informação – as chamadas infovias – devem ser gratuitas, ou de pagamento simbólico, o que permitirá que diversas pessoas ou grupos usem esse fluxo para gerar iniciativas diversas, essas sim, com valor comercial. A aplicação do conhecimento gerando serviços úteis à população é que deve ser renumerada, não o próprio acesso ao conhecimento. As experiências de generalização do acesso quase gratuito, como na cidade de Piraí, mostram que a economia é dinamizada, mais do que cobrindo os custos: sai mais barato as pessoas se comunicarem pela internet do que se deslocarem para resolver problemas. Quem viaja são os bits.
Por enquanto, os maiores aproveitadores dessas novas tecnologias são as grandes plataformas mundiais, como Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, hoje com lucros fenomenais e assegurando as maiores fortunas do planeta (que, aliás, saem do nosso bolso, pelos custos de publicidade incorporados nos produtos que compramos), e os grandes grupos financeiros, já que o dinheiro se tornou imaterial, permitindo um enriquecimento improdutivo no quadro da financeirização. Veremos os dois processos de expansão, das plataformas e dos intermediários financeiros, mais adiante.
Quanto à apropriação de enormes faixas do espectro eletromagnético para uma televisão comercial a serviço do consumismo, francamente, são latifúndios injustificados. Aqui, quando temos um oligopólio privado que controla bens que por natureza são públicos, desperdiçamos um imenso potencial de promoção do desenvolvimento. Voltaremos a esse tema mais adiante, já não na sua dimensão de infraestrutura, e sim na dimensão da gestão do conhecimento.
Estamos dando os primeiros passos nesse processo que gera uma revolução no sentido mais profundo. A conectividade planetária universal e gratuita, aliada ao fato de que o conhecimento tornou-se o principal fator de progresso econômico e social – fator de produção imaterial, e portanto passível de ser disponibilizado gratuitamente em todo o planeta – e ao fato de termos hoje algoritmos de busca que permitem que encontremos no universo ampliado disponível justamente o que precisamos, seja pessoa, seja informação, está gerando um outro sistema de organização econômica e social, que não receio chamar de outro modo de produção. A revolução digital é tão profunda como a revolução industrial. Todos discutimos como o passado se deforma, mas olhamos insuficientemente o futuro que está se desenhando(6).
A água, tal como o espectro eletromagnético das telecomunicações, constitui um recurso natural, base da nossa vida e de todas as formas de vida. É recente a sua transformação em bem econômico, o ouro azul, uma referência ao ouro negro que é o petróleo. A água literalmente cai do céu, e para que se torne valor econômico apropriado por um grupo privado, precisa se tornar escassa. Um bem abundante como o ar tem valor de uso, utilidade, mas não necessariamente valor comercial. À medida que a água vai ficando escassa – e hoje cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo têm dificuldade de acesso à água –, vai se tornando um bem econômico precioso. Quando a multinacional americana Bechtel obteve em Cochabamba (Bolívia) o monopólio da exploração da água doméstica, proibiu inclusive a captação da água de chuva nas casas. Um bem abundante, como o ar que respiramos, não tem valor econômico. Em Paris, o sistema de abastecimento de água, que tinha sido privatizado, foi remunicipalizado recentemente: um bem de utilidade pública precisa de uma gestão correspondente(8).
O Brasil é excepcionalmente bem-dotado em água doce: 12% das reservas mundiais. O grosso do uso, cerca de 75%, é para a agricultura. Mas a característica da água é a base de um conjunto de atividades econômicas: turismo e lazer, alimentação, limpeza, meio de transporte, geração de energia elétrica, estética urbana, refrigeração e outros. Junte-se o multiúso e a dinâmica demográfica (quase 8 bilhões de habitantes, 80 milhões a mais a cada ano, só para lembrar), e temos um problema. A explosão do uso na agricultura deve-se à relação entre a necessidade de água e o produto obtido: tipicamente, precisamos de 4 mil litros de água para produzir um quilo de arroz, 20 mil para um quilo de café, muito mais por quilo de carne e assim por diante. Grande parte da guerra em torno dos grãos (essencialmente milho, arroz, trigo e soja) se deve à luta por terra com água abundante. Compram-se depois os grãos, com a água incorporada na sua produção, sob o nome de “água virtual”. A água tornou-se uma commodity mundial.
A tensão sobre os recursos hídricos se deve a vários fatores concomitantes à pressão demográfica. As geleiras do Himalaia, que alimentam os grandes rios da Ásia e os principais eixos de produção agrícola mundial, estão derretendo rapidamente. As grandes reservas subterrâneas de água, os lençóis freáticos, estão sendo rapidamente esgotados por modernas bombas de profundidade, que bombeiam água em grandes quantidades a centenas de metros. Fred Pearce, no seu livro When Rivers Run Dry (Quando os rios secam), conversa com fazendeiros da Índia, que fazem uma segunda safra depois das monções, bombeando água a mais de 300 metros de profundidade. A água não é reposta na mesma proporção da extração. Os técnicos explicam que acrescentam todo ano 1,5 metro de tubo. O resultado, evidentemente, como já se constata em vários países, é o esgotamento das reservas, e as preocupações crescentes no que tem sido chamado de bolha alimentar(9). No nosso caso, a contaminação dos aquíferos, pelo excesso de produtos químicos na agricultura, representa um drama em câmera lenta.
Para a empresa, diferentemente da agricultura familiar, não há problema, ela migrará para a África, a Europa do Lesse ou outra parte do mundo. Mas para a região que esgotou os seus recursos hídricos é um desastre. O interessante da pesquisa de Pearce é que está falando com pessoas especializadas, que entendem tudo de água e de agricultura. Questionados sobre a sustentabilidade do processo, retrucam simplesmente: “Se não formos nós, serão outros”. Isso nos leva de volta ao argumento já visto, de que o sistema de livre concorrência é mortal para recursos esgotáveis. E uma empresa, enquanto o bombeamento acelerado da água profunda lhe render dinheiro, não hesitará em fazê-lo. Se um engenheiro consciente se negar, será substituído ou ignorado. Negócio é negócio. A governança corporativa ainda está na fase cosmética (greenwashing).
O dilema, em termos de mecanismos econômicos, é bastante claro. Ganhará mais dinheiro quem chegar primeiro e explorar mais. E explorando mais, deixará o deserto, da mesma forma como empresas de pesca industrial ou de exploração florestal destroem conscientemente não o seu próprio futuro, mas o da sociedade que precisará vitalmente desses recursos. Do lado da oferta é um bem público, no sentido de ser produzido e reproduzido pela natureza, mas em volume limitado, em todo o planeta, com grandes desigualdades de localidade e sazonalidade. E do lado da demanda é um bem essencial, de uso extremamente diversificado, como vimos antes. Que tipo de gestão permitirá o equilíbrio? A Bechtel foi expulsa da Bolívia, a Coca-Cola, do estado de Kerala, na Índia, ambas por adotar formas absurdas de apropriação privada de um bem público essencial. Há limites na apropriação unilateral de toda a água, sobretudo quando consideramos que se trata de um bem que a empresa não precisou produzir. Hoje muitas empresas já consideram a não rejeição social como um dos critérios de viabilidade das suas atividades, além do cálculo econômico tradicional.
Frente aos desafios, dispomos de sistemas estatísticos e de pesquisa que nos permitem acompanhar essa catástrofe em câmera lenta, mas não do poder de regulação correspondente. Quais são os usos prioritários? Quem prioriza o acesso? O mercado, obviamente, não resolve. Quando a Síria instalou sistemas de irrigação, Israel, que compartilha da mesma bacia hidrográfica, simplesmente bombardeou as instalações. Muitos rios já não chegam à sua foz, pois toda a água foi captada a montante por países, regiões, comunidades ou empresas. Isso vale para os grandes rios da Ásia e também para o rio Colorado, compartilhado pelos Estados Unidos e o México. O rio chega ao México, e o leito o atravessa, mas não a água. A empresa que usa irrigação em larga escala por aspersão, ainda que sabendo que o sistema gera um imenso desperdício de água pela evaporação, também sabe que não precisa prestar contas do rio que está secando ou do lençol freático exaurido ou contaminado. E a água para ela é gratuita. A empresa pode mudar de região ou de país, mas a população não(10).
O caso de São Paulo é igualmente interessante: com uma empresa pública semiprivatizada, que deve gerar lucros para os acionistas, o interesse de vender água é grande, mas não o de tratar os esgotos ou de realizar a manutenção adequada da rede, pois a venda gera lucros, enquanto a infraestrutura significa custos. O resultado é que temos uma cidade muito rica e moderna, que, quando não chove, enfrenta um desconforto elementar, que é a falta de água. As estações chuvosas têm variações naturais, mas uma cidade que tanto investiu em viadutos e outros elefantes brancos perder 36% da água que distribui nos vazamentos, por não investir na manutenção da rede, mostra os absurdos da apropriação privada de um bem público. Inclusive porque os acionistas privados resistiram às restrições do consumo, pois o consumo elevado é que gera os seus lucros, como qualquer empresa produtora de cerveja.
Para evitar as guerras, o vale-tudo e um desastre ambiental, precisamos de uma visão sistêmica e de longo prazo. E para ter intervenções regulatórias que possam ser efetivamente aplicadas, a água deve ser legalmente considerada como bem público, e fortemente regulada. Essa regulação, por sua vez, exige um planejamento participativo em que as diversas partes interessadas possam trazer as suas necessidades e restrições. E as soluções de gestão exigem, por sua vez, inovações em termos de arquitetura organizacional, por exemplo, os comitês de bacia hidrográfica, que reúnem as partes interessadas em instituições públicas de gestão, como consórcios e semelhantes, com a participação de representantes dos diferentes usuários.
Em outros termos, a gestão das infraestruturas de acesso, distribuição, coleta, tratamento e reutilização da água, a dinâmica de priorização, a organização da transparência das informações e o controle das violações passam por inovações institucionais. O Brasil começou uma construção muito interessante no quadro do Plano Nacional de Recursos Hídricos. São os passos iniciais de uma visão de bom senso, na medida em que começou-se juntando os técnicos e pesquisadores que detêm os fatos, com as diversas organizações de usuários e os responsáveis da gestão pública, construindo pactos de uso racional dos recursos. Não há aqui como escapar de processos democráticos de decisão, com forte presença do poder público. Esses passos iniciais têm, obviamente, poucas perspectivas com a erosão da democracia que o país sofre a partir do golpe.
Algumas ideias básicas podem servir de pontos de referência ao pensarmos a racionalização do uso da água, a proteção dos aquíferos e dos mananciais e a produtividade sistêmica do setor:
Vimos aqui brevemente quatro grandes redes de infraestruturas: transportes, energia, telecomunicações e água/saneamento. Voltemos ao argumento inicial, de que as unidades de produção material, as fábricas, as fazendas e outras unidades produtoras, para funcionar de maneira adequada, precisam estar conectadas por essas grandes redes, capazes de assegurar a coerência do conjunto. No caso das unidades produtoras, vimos que predomina a empresa privada, e o mecanismo de mercado, com todas as suas insuficiências, e em particular a fragilização da concorrência nesta era de oligopólios corporativos. No caso das infraestruturas, são redes com sua complexidade e capilaridade, que precisam, para terem coerência sistêmica, de forte presença do Estado, nem sempre na gestão ou execução de obras, mas seguramente no controle geral e planejamento do conjunto, para evitar as deformações absurdas que hoje sofremos, e as ameaças que se avolumam. Aqui a privatização leva à apropriação dos ganhos de produtividade por um grupo (um eixo ferroviário centrado no interesse de um exportador, por exemplo), em detrimento dos ganhos de produtividade para o conjunto da economia (redes articuladas de acesso). Em particular, sistemas privados se pautam pela rentabilidade, privilegiando os que podem pagar, e não as necessidades de um desenvolvimento equilibrado.
É importante salientar que a unidade de produção, a empresa, precisa, sem dúvida, ser bem gerida para reduzir os custos e ser competitiva. Mas grande parte da sua competitividade vai depender da qualidade das infraestruturas, que, por serem de uso comum, de todas as unidades empresariais, e também necessárias para outros usos da sociedade, precisam ser desenvolvidas com essa visão de bem comum. Protestar contra os impostos, e ao mesmo tempo exigir mais estradas, não resolve. Precisamos, sim, melhorar a capacidade de gestão do Estado, e reduzir a apropriação do processo decisório por grupos privados que distorcem a sua estruturação. A absurda opção brasileira pelo caminhão para transporte de carga e pelo carro individual para transporte urbano e interurbano mostra a deformação que gera uma política orientada pelos interesses de empreiteiras e montadoras.
Não se trata do tamanho do Estado, o próprio conceito de Estado mínimo é ridículo: precisamos, sim, articular tanto o Estado como as formas de participação empresarial e das organizações da sociedade civil em formas inovadoras de gestão social, o que temos resumido com o conceito de planejamento democrático. E temos uma ideia norteadora: não basta sermos de direita e querermos privatizar, ou sermos de esquerda e querermos estatizar. Numa economia diversificada e complexa como é a economia moderna, diversos subsistemas necessitam de formas diferentes e complementares de gestão e de regulação, com mais empresas privadas e mecanismos de mercado no caso das atividades de produção, e mais Estado e sistemas de planejamento no caso das infraestruturas.
(1) Dados básicos sobre a matriz de transportes no Brasil podem ser encontrados aqui.
(2) Para o custo econômico do tempo, ver a nota técnica disponível aqui.
(3) Dados do Balanço Energético Nacional, ben, 2019 – p. 18. Ver também a análise que continua atual, por Emílio La Rovere, Energias Renováveis no Brasil, Brasileira, Santos, 2011. Ver também aqui.
(4) A esse respeito, veja L. Dowbor (Org.), A sociedade vigiada, Autonomia Literária e Outras Palavras, 2020, disponível aqui.
(5) Mariana Mazzucato, no seu livro O Estado empreendedor, analisa em detalhe as deformações econômicas geradas pelos lucros exorbitantes de corporações oligopolizadas que utilizam tecnologias desenvolvidas com dinheiro público. Ver aqui; Gar Alperovitz e Lew Daly apresentam os processos extorsivos no livro Apropriação indébita. Ver aqui.
(6) Essa transformação é objeto do meu livro O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais. Disponível aqui.
(7) Os atrasos e deformações que geram a exclusão digital no Brasil são regularmente apresentados pelo Comitê Gestor da Internet, CGI: www.cgi.br com estudos disponíveis online. Em outubro de 2020 a ocde apresentou uma visão de conjunto no estudo A caminho da era digital no Brasil. Disponível aqui.
(8) Hilary Wainwright coordenou um excelente trabalho, The Tragedy of the Private, (a tragédia da privatização), em que analisa a experiência de Paris e outras cidades. Disponível aqui.
(9) Veja a resenha do livro de Fred Pearce aqui.
(10) Elinor Ostrom contribuiu para uma análise em profundidade da gestão da água como bem comum, no livro Governing the Commons, trabalho que, entre outros, lhe valeria Nobel de Economia de 2009. No Brasil, organizamos, com Renato Tagnin a coletânea Administrando a água como se fosse importante, ed. Senac, 2005. Disponível aqui.
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Grandeza e tragédia da infraestrutura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU