16 Junho 2021
“Precisaremos de uma classe política com capacidade de solidariedade e empatia, em nível mundial, caso queiramos superar como espécie a obsolescência não programada do petróleo, em um cenário de tempo de uma década, como nos anunciam”, escreve Álvaro Nicolás, engenheiro de estradas e especialista em planejamento e mobilidade, em artigo publicado por El Salto, 15-06-2021. A tradução é do Cepat.
Temos uma série de avisos através dos meios de comunicação aos quais certamente não estamos prestando suficiente atenção. Digo isto em relação ao conjunto de países e cidades em todo o mundo que anunciam medidas de restrição de todos os tipos à circulação, ou inclusive à venda, de veículos de combustão, começando em datas próximas como 2025 (Noruega), 2030 (Reino Unido, Dinamarca e Holanda) e 2040 (Espanha e França).
Também por parte das grandes marcas automobilísticas que anunciam que deixarão de vender tais tipos de veículos e produzirão exclusivamente veículos elétricos (Honda, Renault, Ford e Volvo).
E, por sua vez, especialistas em recursos naturais, como Antonio Turiel, cientista que trabalha como pesquisador no CSIC [Conselho Superior de Investigações Científicas, da Espanha], explicam que não temos disponibilidade de materiais necessários para produzir, na versão elétrica, sequer uma pequena porcentagem dos veículos de combustão que hoje produzimos.
As petroleiras também pararam de investir em novas prospecções, porque o preço para a extração do petróleo que resta ainda não possui um mercado viável e, portanto, não faz sentido gastar dinheiro. Talvez, em breve, isso terá que ser feito pelo setor público.
Portanto, temos indícios significativos que parecem apontar que estamos nos aproximando do fim da era do petróleo e derivados, que ofereceram uma capacidade infinita de transformação e movimento à nossa civilização na Terra. E também que não podemos contar com uma alternativa na mesma escala, ritmo, dimensão e intensidade que temos com o petróleo.
Carros, caminhões, barcos e aviões usam esta fonte de energia que está se esgotando, e se tem a sensação de que em poucos meses podemos ficar estagnados, de forma caótica e perigosa, se não prepararmos para agir de forma gradual e ordenada.
Assim, é possível que nos aproximemos de uma mudança do mundo como o conhecemos. Não porque desejamos, não porque a mudança climática preocupe, não porque, de repente, o conjunto dos países, indústria, comércio, etc., tenha adotado uma preocupação social e ambiental e tenha tomado consciência, mas porque aqueles líderes com conhecimento sobre o tema e um mínimo de responsabilidade veem acender os alarmes.
Considero improvável uma tomada de consciência coletiva em níveis elevados, mas, sim, que aqueles que não estão tomando medidas, atuam com imprudência ou falta de consciência, por ação ou por omissão. Provavelmente, estamos imersos, de fato, em uma corrida para o desconhecido.
Neste contexto, são possíveis muitos cenários. Os mais dramáticos talvez apontem para a declaração de um novo estado de alarme, em nível mundial, desta vez devido à falta de petróleo. O estado de alarme seria necessário para decidir quais usos podem ter acesso ao petróleo e por qual razão. Usos que não têm alternativa e que são serviços básicos, por exemplo, porque precisam de grandes maquinarias, construir coisas básicas e necessárias, transportar alimentos ou outras atividades semelhantes e que são, portanto, imprescindíveis.
A pandemia nos deu uma amostra do que diferentes países podem fazer. Também de quais são as atividades que encontraram alternativa e, provavelmente, não farão parte do futuro de nossas vidas. Você pode começar a fazer a lista: trabalho 100% presencial, queimar petróleo para se locomover, sair em um cruzeiro de férias, voar de forma generalizada ou produzir na China.
Também temos exemplos de países que, em crises precedentes de disponibilidade de petróleo, já decidiram estrategicamente que não poderiam depender de uma fonte de energia totalmente importada e começaram a desenvolver alternativas para os setores mais dependentes: produção de energia e mobilidade.
Talvez o caso mais emblemático seja o da Dinamarca, onde a crise de petróleo dos anos 1970 marcou um ponto de inflexão, em nível de país, e hoje produz 80% de sua energia de fontes renováveis e é um modelo no desenvolvimento de infraestrutura para o ciclismo e o transporte público.
O conjunto de países nórdicos e germânicos é uma referência, não só a Dinamarca. É preciso levar em consideração que o caminho da descarbonização não só é desejável se for um imperativo, mas faz sentido de todas as formas, seja em nível de melhora em relação ao impacto sobre a mudança climática ou do consumo de recursos nas economias desenvolvidas.
Finalmente, se realmente como parece, estamos no cenário do fim do petróleo barato, isto não terá um impacto apenas sobre a mobilidade, mas os efeitos serão muito mais profundos: bens de consumo, serviços básicos, alimentação, transporte.
Hoje, todas as instâncias, públicas e privadas, em nível mundial, estatal, regional e municipal, já são responsáveis se não tomarem medidas. Talvez os estados têm a principal competência porque deles depende o planejamento estratégico das grandes crises que estão por vir.
Poucos desejarão ser os primeiros a tomar medidas, anunciar restrições ou cortar privilégios. Não vivemos em uma sociedade que valorize os exercícios de responsabilidade. Sempre haverá quem queira manter o estilo de vida, e alguns inclusive poderão impor sua salvaguarda.
Precisaremos de uma classe política com capacidade de solidariedade e empatia, em nível mundial, caso queiramos superar como espécie a obsolescência não programada do petróleo, em um cenário de tempo de uma década, como nos anunciam.
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Sobre a obsolescência não programada do petróleo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU