16 Setembro 2021
A destruição da floresta amazônica (que este ano registrou um aumento de 54 por cento em relação a 2020) se traduz inexoravelmente em uma agressão direta aos índios que eles são seus ancestrais habitantes: 390 povos que mal chegam a dois milhões de pessoas, e 116 grupos de "isolados" - os mais vulneráveis - que se escondem na floresta recusando todo contato.
Uma agressão que os cresce e os assedia em todas as frentes.
A reportagem é de Raffaele Luise, publicada por L'Osservatore Romano, 15-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
São muitos os inimigos desses povos pacíficos dotados de uma extraordinária sabedoria ancestral, que, num diálogo respeitoso dos seus direitos e da sua identidade, poderia também “curar” aquela doença da alma do homem ocidental a que chamamos crise ecológica e emergência climática. São principalmente os fazendeiros, os grandes latifundiários que avançam impunes, os garimpeiros (do ouro que cobre a Amazônia), que atacam as aldeias e levam consigo drogas, álcool e prostituição, os caçadores e pescadores, sempre prontos matar os indígenas, e os madeireiros, os cortadores de árvores de madeiras preciosas.
E, por último, a covid, que exterminou centenas de grandes anciãos, como Feliciano Lana (o artista cantor da identidade indígena), tornando mais frágil a tradição (ainda essencialmente oral) e a memória dos valores ancestrais.
Mas, em um clima político muito desfavorável (e de que o projeto de lei 490 sobre o marco temporal é uma expressão eloquente), a própria Funai, órgão federal que preside a defesa dos povos indígenas, está se "militarizando" e se transformando em instrumento de controle e homologação. Em decorrência desses ataques, muitos indígenas abandonam suas aldeias e se aglomeram, sem terra nem trabalho e com uma identidade cultural cada vez mais frágil, nas periferias das cidades. São 35 mil em Manaus. E alguns grupos étnicos, como os Cambebas de São Paulo de Olivenca, perderam definitivamente seu perfil identitário.
Mas à medida que os ataques crescem, a resistência indígena também aumenta.
O que não se limita à grande manifestação de todos os povos indígenas no final de agosto, e à das mulheres indígenas no início de setembro em Brasília. A onda é mais ampla e radical, e gira em torno dos valores da arte e da civilização indígenas, envolvendo todos os municípios da Amazônia e as próprias aldeias, até as mais dispersas e inalcançáveis.
Participei da apresentação da companhia de teatro Vitória Régia do artista e ativista Socorro Papoula sobre os temas da cultura indígena e de sua floresta; vi à obra Rai Campos, conhecido artisticamente como Raiz, que também fez exposições na Alemanha e nos Estados Unidos, que em São Gabriel da Cachoeira (a cidade 93 por cento indígena onde vivem 23 etnias diferentes) pintou o muro de uma rua inteira inspirando-se nos temas da vida e obra de seu mestre Feliciano Lana. Mas, principalmente, falei com os chefes - os caciques - de muitas aldeias e com alguns dos seus xamãs - os pajés -; e na aldeia de Maturacà participei da festa da caça e da banana Yanomami.
Lembro que a luz branca da lua cheia inundava o imenso céu amazônico. De um lado do grande espaço central sentava-me no chão com Xavier, o jovem pajé Yanomami, enquanto se seguiam as danças e os cantos naquela hora da madrugada, tão cara aos povos indígenas. “É a hora da nossa resistência. Não podemos mais permitir esses ataques à nossa terra. Pedimos um marco territorial, uma definição precisa do nosso território e seu respeito pelas Autoridades. Temos recebido comentários entusiasmados de nossos representantes, homens e mulheres, enviados a Brasília. Mas agora a luta deve continuar para recuperar o bom viver, o nosso tradicional estilo de vida”. E canta para mim uma canção, como um concerto de pássaros de folhas e de água, que diz: “Agradecemos pela chuva, pelo ar, pela floresta e pelos mil rios que a fertilizam. Nossa terra é mãe para nós povos indígenas, mas também é mãe para toda a humanidade”.
Ao nosso lado está dom Edson Damian, o extraordinário “bispo da floresta e dos indígenas”. Aos 73 anos, sempre pronto a entrar em uma canoa, mesmo para nove horas de navegação, e se necessário puxando-a com as mãos nas corredeiras, para compartilhar sua vida e sua fé com os indígenas da imensa diocese de São Gabriel. “O que está acontecendo – ele me fala sem rodeios - é um genocídio e um biocídio. A nossa Igreja só pode estar com os índios e sua floresta. Uma Igreja amazônica, como a quer o Papa”.
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A resistência dos indígenas. 'O que está acontecendo é um genocídio e um biocídio. A Igreja só pode estar com os índios e sua floresta. Uma Igreja amazônica, como a quer o Papa' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU