11 Agosto 2021
Após pantomimas militares, Bolsonaro, de olho em 2022 planeja migalhas a mais no valor do Bolsa Família. O preço: esvaziar o caixa da Petrobras e PEC dos Precatórios, que transfere para o sucessor pagamentos a empresas e trabalhadores, escreve Paulo Kliass, economista, em artigo publicado por OutrasPalavras, 10-08-2021.
Para além de toda a pantomima ridícula, farsesca e golpista do desfile de tanques e blindados das Forças Armadas em torno do Congresso Nacional, Bolsonaro mantém quase intacta a essência da política econômica do superministro Paulo Guedes. A tentativa de pressionar o parlamento a aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 135/19) que busca restabelecer o voto impresso dificilmente vai encontrar algum êxito. No entanto, na véspera desse verdadeiro atentado contra a democracia, o governo encaminhou, ao mesmo Legislativo, outros dois projetos. Na verdade, trata-se de uma espécie de combo: a Medida Provisória nº 1.061 e a chamada PEC dos precatórios.
A primeira promove alterações no Programa Bolsa Família, a começar pela mudança de nome: Auxílio Brasil. Afinal, Bolsonaro se deu conta de que precisa apresentar alguma coisa para a população mais pobre caso pretenda, ao menos, passar para o segundo turno na disputa eleitoral do ano que vem. Assim, ele deve ter varrido para debaixo do tapete as críticas que sempre fez a esse importante elemento de política pública em nosso país, lançado pelo presidente Lula em 2003. Além disso, chega a ser irônico imaginar que a proposta atual venha assinada por Paulo Guedes, que sempre fez coro com as elites tupiniquins contra esse tipo de medida, chamando-o de auxílio vagabundagem, dizendo que “não basta dar o peixe, mas é preciso ensinar a pescar” e por aí vai, até o limite das recentes falas da extrema-direitista deputada Janaína Paschoal, criticando as ações humanitárias do padre Júlio Lancelotti em favor da população de rua em São Paulo.
As mudanças reducionistas promovidas no Bolsa Família serão ofuscadas pelo aumento nos valores dos benefícios, já que essa é a verdadeira intenção eleitoreira de Bolsonaro. A disputa interna na equipe do governo não permitiu que os valores fossem definidos até o momento. Mas fala-se em alguma majoração da ordem de 50%, ainda que a área econômica resista até o último momento, lutando bravamente para diminuir esse índice. Afinal, trata-se de programas dirigidos aos setores menos favorecidos da nossa sociedade. E a praia deles, todos sabemos, é apenas o topo da nossa pirâmide da desigualdade. Cabe à oposição no Congresso Nacional denunciar o oportunismo de ocasião de Bolsonaro, mas votar a favor da medida e até corrigir seus equívocos e aumentar os valores sugeridos pelo governo. Assim como foi feito no primeiro semestre do ano passado, quando o valor inicialmente proposto para o Auxílio Emergencial foi triplicado para R$ 600.
O problema é que a obsessão de Guedes com a rigidez da austeridade fiscal não lhe sai da cabeça. Assim, na tentativa de justificar seu recuo e aceitação desse programa “irresponsável e populista”, o “old chicago boy” exigiu do chefe que fosse apresentado simultaneamente o outro componente do combo. Daí que surge a PEC dos precatórios, por meio da qual o governo tenta promover uma inconstitucionalidade flagrante. Estes são instrumentos financeiros do Estado para cumprir o pagamento de decisões judiciais, a maior parte muito antigas sobre as quais não cabem mais recursos. Ali estão dívidas trabalhistas, tributárias e de outra natureza, envolvendo indivíduos e empresas. Pois são essas despesas para as quais Guedes quer autorização constitucional para não honrar. Tanto que ele se saiu com o conhecido “devo, não nego, pago quando puder”, quando apresentou a peça vergonhosa. Uma loucura, que já ganhou o apelido de “pedalada olímpica”, em tempos dos jogos de Tóquio.
Não há a menor necessidade de reduzir despesas para viabilizar a elevação das prestações do Bolsa Família repaginado. O déficit fiscal para 2021 é enorme – mais de R$ 280 bi – e não serão os R$ 18 bilhões previstos como gastos a mais com os benefícios assistenciais majorados que farão a diferença. Aliás, a malandragem de Guedes é tamanha que ele pretende economizar R$ 45 bi com os precatórios e não avisa ninguém o que vai fazer com os R$ 27 bi que sobrarão dessa conta de padaria. O fato é que o governo tem capacidade de elevar ainda mais as suas despesas, em especial em período como a atual, que combina a tragédia do genocídio com o drama da crise social e desemprego com a recessão continuada da economia. Essa continua sendo a orientação de fornecer migalhas aos pobres.
Mas do outro lado, tudo segue à mil maravilhas. Os lucros bilionários dos bancos seguem batendo recordes sucessivos. E há poucos dias o governo anunciou o pagamento de R$ 31,6 bi aos acionistas da Petrobrás, a título de remuneração de juros e dividendos da empresa. Esse valor já seria escandaloso por si só, mas chama ainda mais a atenção quando comparado aos valores pagos em 2020 a essa mesma rubrica. No ano passado foram R$ 10,3 bi, o que significa que houve triplicação desse tipo particular despesa pública, que foi mais uma vez abocanhada pelo capital privado. E lembremos que sobre lucros e dividendos reina ainda a generosa isenção de tributos, medida aprovada ainda à época de Fernando Henrique Cardoso e que segue intocável até os dias de hoje.
Ora, o conjunto do Bolsa Família em 2020 consumiu o equivalente a R$ 30 bi, com previsão inicial de despesas de R$ 35 bi para o ano em curso. Paulo Guedes faz um enorme contorcionismo para acomodar essa elevação insuficiente dos valores do programa, mas não se incomoda com o pagamento de quase o dobro desse montante para os privilegiados que possuem ações da ás em sua carteira de investimento. Quando o gasto público se dirige aos pobres, tudo é feito para inviabilizá-lo. Mas quando se trata de abrir os cofres do Tesouro Nacional para favorecer os setores ligados ao financismo, aí tudo se facilita.
Enquanto isso, avolumam-se as denúncias contra o ex-capitão e sua “famiglia”. Bolsonaro tem suas preocupações todas voltadas para as eleições de 2022. A vitória é fundamental para impedir sua condenação nos inúmeros processos em que é réu, tanto nos tribunais nacionais quanto internacionais. Assim, às favas com os princípios doutrinários que o elegeram em 2018. A partir de agora ele se joga nos braços do Centrão e busca flexibilizar a rigidez da austeridade de Paulo Guedes. A queda abrupta em sua popularidade apresenta um grau elevado de reversão no tempo da política. Assim, ao mesmo em tempo em que acena com as tentações autoritárias do golpismo, ele precisa melhorar sua imagem junto à maioria da população. Essa é a orientação do fisiologismo no Legislativo e no Executivo: realizar e inaugurar obras, repassar benefícios assistenciais em tempos de aumento da miséria. Mas ninguém quer chegar às vésperas das eleições abraçado ao afogado. Aguardemos, pois, as cenas dos próximos capítulos.
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O “Auxílio Brasil” e a aposta de Bolsonaro para 2022 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU