26 Junho 2021
Alguns católicos nos Estados Unidos estão profundamente preocupados com o “Caminho Sinodal” da Igreja alemã. Uma rápida pesquisa no youtube dá como resultados títulos como (traduzidos do inglês): “O que está acontecendo na Alemanha!?!?!”; “Bispo inglês ALERTA Vaticano ‘Parem os bispos alemães, nós estamos de frente pro cisma!’”; e “Vaticano no modo administração de crise sobre os bispos católicos na Alemanha”.
Algumas dessas coisas é verdade? Não exatamente. O podcast “Inside the Vatican”, da revista jesuíta estadunidense America, conversou com quatro católicos alemães que entendem bem do Caminho Sinodal: um bispo envolvido no fórum sinodal sobre o poder, uma teóloga envolvida no fórum sinodal sobre o papel das mulheres, um dos guias espirituais do Caminho Sinodal e um crítico do processo. Os quatros tem diferentes ideias sobre o que a Igreja alemã necessita, mas todos eles acreditam que o Caminho Sinodal é um esforço de boa-fé para assegurar o futuro da Igreja Católica na Alemanha – e nenhum deles acredita que há risco de cisma.
A reportagem é de Colleen Dulle, publicada por America, 24-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em resumo, o “Caminho Sinodal” (“Synodaler Weg”, em alemão) é um grupo de 230 pessoas reunidas para discutir o que elas veem como algumas das mais pressionadoras questões encaradas pela Igreja Católica na Alemanha. O grupo inclui todos os bispos alemães, mais representantes de ordens religiosas, movimentos leigos, dioceses e paróquias, universidades, consultantes de outras Igreja e especialistas nos campos que estão sendo discutidos.
O grupo está focado em quatro áreas de estudo: poder e separação de poderes na Igreja; relacionamentos e sexualidade; ministério sacerdotal, incluindo conversas sobre o celibato; e mulheres em ministérios e ofícios na Igreja.
O grupo de 230 se encontrou apenas duas vezes: uma vez pessoalmente e outra por Zoom, devido à pandemia de covid-19. Mas há “fóruns” com 40 pessoas cada, focados em cada uma das áreas de estudo que as sessões do grande grupo trabalham.
O Caminho Sinodal é estruturado suavemente para permitir aos participantes avaliar o que é e não trabalhado e fazer mudanças como acharem. Não está claro ainda como o processo se encerrará. Originalmente, pretendia-se finalizar em dois anos, 2019 a 2021, mas, com a pandemia, o processo atrasou. O grupo espera se reunir novamente no inverno (europeu) e votar nas resoluções no verão de 2022, e que suas recomendações possam ser contribuições da Alemanha para o processo sinodal iniciado para todo o mundo pelo Papa Francisco, que será concluído em 2023.
O Caminho Sinodal Alemão é internacionalmente estruturado de forma diferente dos outros sínodos. Em um sínodo ordinário, os bispos se reúnem para discutir um tópico de interesse para a Igreja em sua região, discutir possíveis soluções, às vezes com contribuições de leigos, e então votar em uma série de propostas. O Caminho Sinodal Alemão foi organizado pelos bispos alemães em colaboração com o Comitê Central dos Católicos Alemães (ZdK), o maior de vários grupos na Alemanha que representam os católicos leigos.
Os bispos e representantes leigos queriam que os leigos pudessem votar nas decisões no processo sinodal, então eles evitaram a estrutura sinodal usual em favor de uma em que tanto leigos quanto bispos pudessem votar e ser representados em números iguais. Como a lei da Igreja não permite que leigos imponham uma decisão a um bispo, as decisões do sínodo serão, no máximo, recomendações. Cada bispo terá que decidir por si mesmo se e como implementar as decisões do grupo em sua própria diocese.
Claro, haverá pressão sobre os bispos por parte dos fiéis leigos para aprovar as mudanças após um processo consultivo tão longo. Como a Dra. Juliane Eckstein, pesquisadora da Escola de Pós-Graduação em Filosofia e Teologia Sankt Georgen em Frankfurt, Alemanha, e participante do fórum sobre o papel da mulher na Igreja, disse vigorosamente: “Legalmente, não é obrigatório; moralmente, é”.
O Caminho Sinodal ganhou as manchetes por causa de suas discussões abertas sobre tópicos que foram considerados tabu na Igreja, como a ordenação de mulheres, que o Papa João Paulo II declarou não aberta à discussão em 1994, e o celibato sacerdotal. O Papa Francisco encorajou os participantes dos sínodos que convocou a não considerar nenhum assunto tabu, mas a falar aberta e francamente, como o Caminho Sinodal Alemão está fazendo.
O grupo votará propostas em três níveis:
As recomendações para mudanças na lei canônica e para um concílio serão enviadas a Roma para serem consideradas pelo papa e também serão incluídas na contribuição da Alemanha para o sínodo global em 2023, onde serão consideradas em nível continental, juntamente com contribuições de outros países europeus, e depois a nível global no Vaticano.
A Alemanha tem visto uma diminuição massiva no número de católicos desde o escândalo de abusos sexuais cometidos pelo clero em 2010. No ano passado, 402 mil católicos deixaram a Igreja, o maior êxodo em um único ano da história.
Para entender as causas da crise de abuso, os bispos alemães encomendaram um estudo em 2018. Esse estudo revelou milhares de casos de abuso e deixou claro para os bispos que o abuso era permitido não apenas por indivíduos, mas pelas estruturas de poder da Igreja e pela cultura de sigilo em torno da sexualidade. Então, dentro de um ano, eles resolveram convocar o Caminho Sinodal, enfocando quatro áreas relativas ao poder e sexualidade.
“O abuso sexual tem apenas uma origem, [e é] no uso incorreto do poder em nossa Igreja”, disse-me o bispo Franz-Josef Overbeck, um dos líderes do fórum do Caminho Sinodal sobre o poder ao “Inside the Vatican”. “Alguns bispos e padres não exerciam o seu ofício da maneira certa, sem ao mesmo tempo serem impedidos pela hierarquia e outras pessoas, outros fiéis. E assim, esta não é apenas uma questão de empoderamento e a questão do poder dos bispos e padres, mas também... do empoderamento dos leigos”.
As duas principais preocupações sobre o Caminho Sinodal são que ele está desrespeitando o ensino da Igreja e que sua estrutura é ineficaz.
É verdade que o Caminho Sinodal está discutindo mudanças na doutrina; no entanto, todos os especialistas com quem falei – mesmo um crítico franco – reiteraram que a Igreja alemã não tem intenção de romper com Roma ou tentar mudar a doutrina sem a aprovação de Roma, mesmo que nenhuma de suas propostas seja aceita.
Alguns apontaram ao recente movimento na Alemanha para a benção de casais homossexuais desafiando o Vaticano, sendo um sinal de como a Igreja alemã está pretendendo romper com Roma, mas a Conferência dos Bispos Alemães se opôs às bênçãos. O movimento revela a tensão que algumas vezes existe entre bispos e leigos progressistas na Alemanha, mas o Caminho Sinodal é geralmente um local onde esses grupos, entre outros, estão procurando um terreno comum.
A outra crítica é à estrutura: o Dr. Thomas Schueller, diretor do Instituto de Direito Canônico da Universidade de Münster, explicou que está preocupado que o Caminho Sinodal possa ser ineficaz porque sua estrutura não é vinculativa para os bispos e que sua estrutura mais frouxa poderia fazer com que as decisões do caminho fossem desconsideradas em Roma. Schueller disse que teria preferido uma estrutura sinodal aprovada por Roma, como a empregada no Sínodo de Würzburg, na década de 1970, na qual bispos e leigos poderiam votar.
Mesmo como um crítico do processo, Schueller acredita, como todo especialista entrevistado para esta matéria, que os gritos de cisma de alguns nos Estados Unidos ficaram fora de controle. “A conversa sobre o cisma em alguns círculos católicos nos Estados Unidos é uma difamação cruel e infundada”, escreveu Schueller em uma entrevista por e-mail. Reconhecendo que “brigamos como irmão e irmã” sobre questões como sexualidade, disse: “cada Igreja local tem que ver quais problemas tem que resolver. Pode haver uma variedade polifônica legítima de respostas católicas aqui. Ninguém na Alemanha questiona nosso credo ou a constituição papal-episcopal de nossa Igreja”.
Como Schueller, o Vaticano não ficou feliz com a decisão do Caminho Sinodal de não seguir uma estrutura sinodal tradicional, o que teria permitido muito mais supervisão por parte de Roma do processo e dos tópicos de conversação.
Quando as áreas de estudo focadas na autoridade e sexualidade foram anunciadas no verão de 2019, o Papa Francisco escreveu uma carta à Igreja na Alemanha alertando contra a tentação da Igreja alemã para a independência. Por causa da imensa riqueza da Igreja alemã – o patrimônio líquido da Diocese de Colônia é maior do que o do Vaticano – e suas contribuições intelectuais da época da Reforma através do Papa Emérito Bento XVI, escreveu o papa, há uma tentação de “sair de sua problemas por si só, contando apenas com suas próprias forças, métodos e inteligência”, que podem acabar “multiplicando e alimentando os males que desejava superar”.
O papa pediu ao sínodo para fazer da evangelização seu objetivo principal. Em resposta, dois bispos alemães redigiram uma proposta de Caminho Sinodal com foco na evangelização, com grupos de estudo sobre temas como pastoral juvenil, mas a proposta foi rejeitada. A sensação da maioria do grupo era que resolver as questões difíceis na raiz da crise de abuso era a única maneira de recuperar a credibilidade da Igreja para que pudesse evangelizar com eficácia.
“Sempre ouvimos sobre evangelização, devemos evangelizar... Isso é verdade, mas nos sentimos hipócritas fazendo isso se o que estamos espalhando é um sistema abusivo”, disse Eckstein, membro do fórum sobre mulheres. “Abusivo não apenas em termos de relações sexuais, mas também abusivo em relação ao poder e como o poder é controlado e como se abusa do poder de tantas maneiras. Simplesmente não podemos ser evangélicos se não começarmos por nós mesmos”.
Pouco depois da carta do papa, o Vaticano seguiu com algumas orientações, dizendo que o sínodo não poderia tomar decisões vinculativas para a Igreja. Um representante do ZdK respondeu que as preocupações do Vaticano já haviam sido tratadas em uma versão mais recente dos documentos de planejamento e que, de fato, o processo não é vinculativo.
Como o Papa Francisco respondeu aos desdobramentos do processo desde sua carta? Ele não fez nenhum comentário oficial, embora muitas pessoas tenham considerado um comentário que ele fez em novembro de 2020 como uma referência ao Caminho Sinodal. Ele disse:
“Às vezes, sinto uma grande tristeza ao ver uma comunidade que, de boa vontade, segue o caminho errado porque pensa que está fazendo a Igreja por meio de aglomerações, como se fosse um partido político: a maioria, a minoria, o que isso pensamos nisto ou naquilo ou noutro ... ‘É como um sínodo, um Caminho Sinodal que devemos percorrer’. Eu me pergunto: ‘Onde está o Espírito Santo aí? Onde está a oração? Onde está o amor comunitário? Onde está a Eucaristia?’ Sem essas quatro coordenadas, a Igreja se torna uma sociedade humana, um partido político”.
O correspondente do Vaticano nos Estados Unidos, Gerard O'Connell, e Bernd Hagenkord, editor de longa data do Vatican News que foi eleito pelo ZdK para ser um conselheiro espiritual do Caminho Sinodal, não acreditam que os comentários do papa pretendiam ser uma crítica ao Caminho Sinodal Alemão.
O'Connell disse ao “Inside the Vatican”: “Sempre parti do princípio de que o papa, tendo considerado e entendido o que os alemães estavam tentando fazer, escreveu uma carta dizendo: 'Aqui, eu lhes dou alguns conselhos, mas sigam em frente. É bom discutir. Aqui estão alguns conselhos'. E ele colocou alguns marcadores. E, claro, se eles ignoraram totalmente os marcadores, essa é outra questão. Mas eu não vejo isso”.
Em última análise, a imagem que surgiu em minhas conversas com o padre Hagenkord, Eckstein, Schueller, Overbeck e O'Connell pintam um quadro muito diferente daquele que aparece em algumas mídias nos Estados Unidos. Em vez de uma Igreja que está convencida de sua própria força e independência e determinada a seguir em frente desafiando os ensinamentos da Igreja e com o perigo da unidade da Igreja, um olhar mais atento sobre o Caminho Sinodal Alemão encontra uma Igreja que vê suas feridas profundas e que está disposta a trabalhar juntos, apesar das diferenças de opinião, a fim de resolver os problemas básicos da crise dos abusos, para que ela possa se tornar confiável e e atrair novos fiéis mais uma vez.
O padre Hagenkord enfatizou que o processo, embora não seja imune às manobras políticas, é, por fim, um trabalho de discernimento espiritual.
“Sim, existem pessoas com uma agenda”, disse ele. “E você os encontra falando muito nos microfones. Mas a maioria dos participantes não tem uma agenda como tal, a não ser seguir em frente, encontrar soluções juntos... e ouvir o Espírito para que haja uma Igreja, haverá a Igreja do Senhor amanhã também”.
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O Caminho Sinodal Alemão explicado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU