29 Abril 2021
“Propomos novamente que outro mundo seja possível, pois a única forma de acabar com a desigualdade e os negócios da pandemia é priorizando a Ética, os Direitos dos Povos e a Igualdade para que a vacina contra o coronavírus seja declarada por todos os países e organismos internacionais como Patrimônio da Humanidade, portanto, um Direito Humano e bem social, garantindo assim sua Universalidade e Gratuidade, porque nossa esperança como humanidade se sustenta em dar esse passo”, manifesta em nota o Comitê para a Defesa da Saúde, da Ética e dos Direitos Humanos - CODESEDH, da Argentina, 22-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em 31 de julho de 2020 começamos uma petição que obteve uma ampla adesão de cidadãos e cidadãs que comovidos pelo avanço da pandemia do coronavírus, somado ao compromisso com o direito à saúde dos povos, unimos nossas vozes em defesa da vida e do acesso universal e gratuito às vacinas e tratamentos que então se encontravam em estado de aprovação científica.
Propusemos que outro mundo é possível, e hoje, indubitavelmente, nos encontramos em outro mundo, porque essas vacinas que estavam em fases de teste já demonstraram a eficácia contra a letalidade da covid-19. Também se modificaram os conhecimentos que se tinha do comportamento do vírus através de estudos e pesquisas, que demonstraram com certeza as formas de contágio, recomendações de cuidado e estratégia de abordagem em matéria epidemiológica, conforme as distintas realidades sociais; mudamos os hábitos, os costumes e a forma de nos relacionarmos, o próprio vírus SARS-CoV-2 teve mutações a cepas variantes que geram a necessidade de novos estudos e pesquisas.
Não obstante, não mudaram os desmandos do complexo médico industrial farmacêutico-financeiro que mantém e incrementou o monopólio das patentes que obstaculizam o acesso universal e gratuito às vacinas cientificamente validadas. Mas já conscientes de que a expectativa de grande parte da humanidade não pode se submeter a eles, naquele momento peticionamos (em inglês, português, italiano e francês), que a nível nacional, regional e internacional sejam adotadas medidas que garantam o acesso universal e gratuito, com transferência de tecnologia, protegendo o direito humano e bem social que constitui a próxima vacina contra o coronavírus, porque é o passo que a humanidade espera de seus líderes e governantes.
Esse passo segue sendo uma esperança.
“Ninguém está a salvo, até que todo mundo esteja a salvo”, repete a Organização Mundial da Saúde (OMS) desde o começo da crise sanitária mundial causada pela covid-19, e através da Covax (Covid-19 Vaccine Global Access, em inglês, ou Acesso Global a Vacinas Covid-19, em português), se firmou como objetivo distribuir 2 bilhões de doses em 2021, sobretudo nos países mais pobres, e imunizar 27% dos seus cidadãos e cidadãs, garantindo assim o acesso igualitário às vacinas. A respeito de 09 de abril de 2021, em sua alocução de abertura na coletiva de imprensa sobre a covid-19, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Gebreyesus, revelou que das 700 milhões de doses administradas no planeta, 87% haviam sido aplicadas pelos países mais ricos e somente 0,2% foi para países de baixa-renda, e que “alguns países e empresas planejam realizar suas próprias doações bilaterais de vacinas, sorteando COVAX por seus próprios motivos políticos ou comerciais”.
Em nossa petição, estamos convencidos/as de que frente à pandemia deve prevalecer o sentido ético da solidariedade acima de especulações econômicas e também – a luz de posições éticas e médicas – de que a vacina deve ser considerada patrimônio da humanidade, dentro de um mundo mais igualitário e solidário. Portanto, não deveria haver patente de comercialização, a fim de facilitar em nosso país, e demais países da região e do mundo, sua elaboração, distribuição universal e gratuita, na medida de suas necessidades e possibilidades a partir da transferência de tecnologia.
Meses depois, em 02 de outubro de 2020, conhecemos que se distribuiu na Organização Mundial do Comércio – OMS um projeto impulsionado pela Índia e África do Sul (IP/C/W/669), em que se solicita uma isenção de determinadas disposições do Acordo sobre os TRIPS para a prevenção, contenção e tratamento da covid-19. Este projeto, que já tem o apoio de mais de 130 países, especialmente da África, Ásia e América Latina, promove a aprovação de uma dispensa temporária dos direitos de Propriedade Intelectual e patentes para os medicamentos e produtos sanitários durante a pandemia, e faz “um chamado urgente à solidariedade mundial e ao intercâmbio sem travas de tecnologia e conhecimentos técnicos a nível mundial para que se possam dar respostas rápidas em tempo real à gestão da covid-19 que permitisse que os mesmos possam ser elaborados na órbita de cada país que o necessite”.
Um mês antes, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, que recebeu nossa petição, na Abertura do 139º Congresso da Nação Argentina, pôs em palavras esta realidade ao reconhecer que sabemos que há dificuldades na produção de vacinas. “Mas conhecemos muito bem as dificuldades que o mundo atravessa pela escassez e pelo egoísmo. Lamentavelmente, há uma realidade. Hoje 10% dos países acumulam 90% das vacinas existentes”.
Logo depois se somaram organizações como Médicos Sem Fronteiras - MSF, manifestando a necessidade de que “todos os governos priorizem a saúde e exijam das empresas farmacêuticas que as ferramentas médicas vinculadas à covid-19 estejam disponíveis e sejam acessíveis para toda a população”. E recentemente, sob a caneta de Boaventura de Sousa Santos, desde o Observatório Social do Coronavírus da Clacso, manifestou-se que “a vacina é um bem público nacional... ninguém estará verdadeiramente protegido até que o mundo inteiro esteja protegido... os tempos de pandemia são tempos excepcionais que, em vez de competição e rivalidade, requerem convergência e solidariedade”.
Para tudo isso, muito antes da circulação da vacina e do agravamento da desigualdade global para acessá-la, lembramos na petição de 31 de julho de 2020, que após a Segunda Guerra Mundial, as sociedades viviam com dois grandes medos: a possibilidade de Guerra nuclear e a Poliomielite. Esta última produzia pânico a cada verão e em diferentes cantos do mundo, ameaçando a vida de milhões de crianças, tinha alto poder de contágio, alta taxa de mortalidade e os que sobreviveram tiveram que assumir graves deficiências, mas em 12 de abril de 1955, o Dr. Jonas Salk considerou a vacina aprovada e declarou-a eficaz e segura, recusando-se a patentear sua descoberta, expressando publicamente: “... quero dizer às pessoas que não haverá patente. Por acaso é possível patentear o sol?”. Anos depois, o Dr. Albert Sabin desenvolveu uma vacina oral que começou a ser usada em 1957, renunciando aos direitos de patente para facilitar a divulgação mundial de sua descoberta o mais rápido possível. A conduta dos dois cientistas é um marco ético na história da medicina moderna, e permitiu a erradicação dessa doença em todo o mundo.
Hoje sabemos que não podemos tapar o sol com a mão, portanto, propomos novamente que outro mundo seja possível, pois a única forma de acabar com a desigualdade e os negócios da pandemia é priorizando a Ética, os Direitos dos Povos e a Igualdade para que a vacina contra o coronavírus seja declarada por todos os países e organismos internacionais como Patrimônio da Humanidade, portanto, um Direito Humano e bem social, garantindo assim sua Universalidade e Gratuidade, porque nossa esperança como humanidade se sustenta em dar esse passo.
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Vacina da covid-19 universal e gratuita: patrimônio da humanidade. Nota do Comitê para a Defesa da Saúde, da Ética e dos Direitos Humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU