20 Abril 2021
"Desde 29 de março, o início do julgamento, 64 cidadãos estadunidenses foram mortos pela polícia, mais de 50% negros ou latinos. São três mortes por dia. O último foi o menino de treze anos Adam Toledo com as mãos levantadas, que poucos segundos antes de fuzilamento, não percebeu que estava repetindo a famosa pintura de Goya. A palavra, agora, aos jurados. Seria maravilhoso se votassem unanimemente pela ressurreição de George Floyd", escreve Enrico Deaglio, em artigo publicado por Domani, 19-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Esta manhã, segunda-feira, acusação e defesa vão ler os argumentos finais, em seguida, os doze jurados serão "isolados" até que saiam com um veredicto (culpado/inocente), que deve ser por unanimidade. Os 12, um grupo de mulheres e homens, negros e brancos, uma avó e um garoto de 20 anos, devem discutir por pelo menos dois dias. Encerra-se assim o processo pelo maior trauma coletivo dos EUA, aquele joelho do policial Derek Chauvin pressionado no pescoço de George Floyd por 9 minutos e 15 segundos, em 25 de maio de 2020, em um asfalto anônimo de Minneapolis. A agonia de um homem filmada a poucos metros de distância com a câmera do celular de Darnella Frazier, de 18 anos, cujo pulso nunca tremeu, mas que vive desde então com o sentimento de culpa "por não ter podido fazer alguma coisa para salvar aquele homem que poderia ter sido meu pai, meu irmão, meu tio”.
![](/images/ihu/2021/04/20_04_george_floyd_2_foto_unsplash.jpg)
Manifestação em protesto ao assassinato de George Floyd, nos EUA (Foto: Unsplash)
A morte de George Floyd permanecerá na memória coletiva de um continente devido à carga, por determinados aspectos intolerável, de simbolismo e de antigas injustiças. Havia muita cristologia naquelas invocações do homem à beira da morte, no rosto inexpressivo do centurião e em sua mão no bolso; e efetivamente agora muitos dos murais mostram um Floyd com uma coroa de espinhos. Havia a história corporal do racismo estadunidense, naquele joelho que pressionava. Mas havia também um juízo já escrito em total concordância, uma espécie de Olho de Deus tecnológico - que sincronizou os celulares dos transeuntes, as câmeras das esquinas, as body cam dos policiais. O promotor não precisou de mais nada. Ele se dirigiu para os jurados e simplesmente aconselhou: "Vocês podem acreditar nos seus olhos: é um homicídio".
![](/images/ihu/2021/04/20_04_george_floyd_3_foto_unsplash.jpg)
Homenagens à George Floyd, nos EUA (Foto: Unsplash)
Não houve grandes golpes de cena no processo, exceto que, pela primeira vez, colegas e superiores na polícia estigmatizaram o comportamento de Chauvin como inaceitável. Ele, entretanto, se recusou a testemunhar com base na famosa "quinta emenda", algo que nunca causa uma boa impressão. Seu advogado de defesa apresentou alguns médicos legistas que argumentaram que a morte não ocorreu por asfixia, mas por um complexo de causas: um coração doente, dependência em opióides, uma doença coronariana, chegando a fazer previsões sobre o quão pouco tempo a vida de Floyd duraria, mesmo sem o joelho de Chauvin. O promotor o interrompeu: "Você poderia perguntar à Sra. Lincoln quanto tempo seu marido teria vivido sem o tiro de revólver de Booth?" O juiz Cahill indeferiu a pergunta.
Lá fora, entretanto, a situação está piorando cada vez mais, em meio a protestos, ansiedade e desespero. Desde 29 de março, o início do julgamento, 64 cidadãos estadunidenses foram mortos pela polícia, mais de 50% negros ou latinos. São três mortes por dia. O último foi o menino de treze anos Adam Toledo com as mãos levantadas, que poucos segundos antes de fuzilamento, não percebeu que estava repetindo a famosa pintura de Goya. A palavra, agora, aos jurados. Seria maravilhoso se votassem unanimemente pela ressurreição de George Floyd.
![](/images/ihu/2021/04/20_04_fuzilamento_pintura_de_goya_foto_wikipedia.jpg)
Pintura de Goya. (Foto: Wikipédia)
Leia mais
- A execução de George Floyd e o silenciamento do negro
- Obrigado, George
- Manifestações depois da morte de George Floyd representam a globalização da consciência sobre o racismo. Entrevista especial com Kabengele Munanga
- Estados Unidos. Com um neofascista na Casa Branca e uma liderança democrata esgotada, veio a rebelião
- Estátuas, motéis e restaurantes: como os brancos se orgulham do passado escravista
- Vidas negras importam: “Este movimento marca uma virada histórica”
- Doze dias que abalaram os Estados Unidos
- Antirracismo é o núcleo central da luta antifascista no Brasil
- “Eu não posso respirar”
- Racismo no Brasil: todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é racista, diz Djamila Ribeiro
- Bispo de Botswana e o assassinato de seu amigo George Floyd
- “Você mudou o mundo, George. Continuaremos a marchar, George. Vamos manter os ponteiros na hora certa, George. O tempo acabou”. Homilia de “Al” Sharpton Jr., pastor batista
- Protestos antirracistas e o desmonte do sonho americano
- “Até quando, Senhor?” O clamor das pessoas negras
- “Não posso respirar”
- O racismo sistêmico deve terminar: Declaração dos Franciscanos dos Estados Unidos
- O Quadro Negro. Artigo de Isaack Mdindile
- “Estamos vivendo a maior rebelião nos Estados Unidos em meio século”. Entrevista com Mark Bray
- Todas as vidas não importam até que as vidas negras importem
- Raiva e rebeldia e no coração do Império
- A verdadeira face da AmeriKKKa: uma crítica aos olhares colonizados vindos do Brasil
- Os acontecimentos da semana. A esperança que ressurge em meio à pandemia
- Negros têm 2,7 mais chances de serem mortos do que brancos, diz IBGE
- ‘A violência policial vem do anonimato da polícia’. Entrevista com Padre Jaime Crowe
- Vulnerabilidade da população negra à violência policial e à pandemia revela racismo estrutural no Brasil
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A espera pela ressurreição de George Floyd e dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU