27 Março 2021
“Francisco chega muito perto de chamar Donald Trump de diabo em um ponto, uma visão com a qual alguns podem discordar. Mas o objetivo do filme é que ele pode enfrentar o mal e fazer amigos ao mesmo tempo. 'Na construção de pontes', alguém diz, 'Bergoglio é um gênio'. E ele não tem medo de quebrar alguns ovos (eggs), ou egos, para fazer isso”, escreve John Anderson, crítico de cinema, em artigo publicado por America, 25-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Que o panegírico e muitas vezes magistral “Francesco” versará sobre as viagens apostólicas do Papa Francisco fica claro de imediato. Mas leva algum tempo para perceber que essas viagens variam em duração e natureza.
As viagens que o pontífice faz a pontos importantes ao redor do mundo - trazendo a mídia com ele e a inevitável atenção global - recebem o retrato heroico que merecem. Inspirador de uma maneira diferente é uma permanência noturna, sozinho, na vazia Praça São Pedro, estranhamente esvaziada pela pandemia, uma caminhada por um homem que enfatiza o quão singular é e o quão corajoso precisa ser. O momento é descaradamente cinematográfico - e grandiosamente poético.
“Francesco” dissolve grande parte da distância entre o papa e as pessoas de todas as religiões que o abraçam.
Mas há ainda outra viagem empreendida por Francisco, uma que seu próprio coração tem que fazer, e ela fornece uma linha de fundo para este filme de quase duas horas, muitas vezes de aparência gloriosa, do diretor Evgeny Afineevsky (do indicado ao Oscar “Winter on Fire: a luta pela liberdade da Ucrânia”). Inclui momentos muito íntimos com o pontífice, incluindo seleções de entrevistas de bastidores; entre as virtudes de “Francesco” está a proximidade que oferece a um homem que, apesar de evitar grande parte da cerimônia e adornos associados ao seu santo ofício, permanece uma presença remota para a maioria dos telespectadores. “Francesco”, pela natureza de seu trabalho de uma só câmera, dissolve grande parte da distância entre o papa e as pessoas de todas as religiões que o abraçam. O mesmo acontece com os dilemas mostrados no filme.
O pontífice peripatético é perseguido em todo o mundo; sua história de vida, incluindo o que acabou sendo uma valente defesa de seus amigos e colegas durante as “guerras sujas” da Argentina, é revisitada. Assim como seu histórico sobre o problema existencial da igreja de abuso sexual infantil. Como somos mostrados em cerca de 30 minutos no filme – após o zelo missionário de Francisco estar bem estabelecido, juntamente com sua agenda política – ele fez uma visita no início de 2018 ao Chile, onde foi confrontado por um repórter que lhe perguntou sobre o caso Fernando Karadima, e o suposto encobrimento de abusos sexuais infantis cometidos pelo padre por vários clérigos, especificamente o bispo chileno Juan Barros Madrid. “Calúnia”, declara Francisco. Não há provas contra Barros, afirma. Quando houver, pergunte-me novamente.
Em meio a todas as missões diplomáticas e esforços pelos direitos humanos, ele não deixa a questão dos abusos esfriar.
É um momento alarmante. Francisco é um papa que enfrenta problemas ao redor do mundo sem medo, mas não consegue limpar a própria casa? Como podemos ver, o protagonista do filme viajou das regiões das Filipinas afetadas pelas tempestades, à República Centro-Africana devastada pela guerra, e a Lesbos, onde refugiados sírios chegam vivos e mortos na praia. Em Mianmar, onde a palavra rohingya foi banida da discussão oficial, ele, no entanto, defendeu a causa da minoria muçulmana perseguida, citando genocídio onde o vê (incluindo na Armênia em 1915, uma declaração que fez a Turquia demitir seu embaixador no Vaticano). Mas em meio a todas as missões diplomáticas e esforços de direitos humanos, ele não permite que a questão dos abusos sacerdotais esfrie.
O caso Karadima vem à tona várias vezes conforme o filme avança; a evidência aumenta. Para total espanto do acusador mais público do padre, Juan Carlos Cruz, o papa não montou o encobrimento que Cruz esperava. Pelo contrário. Karadima é destituído. Há uma sacudida em toda a igreja chilena. Desculpas públicas foram pedidas.
Enquanto isso, o papa de “Francesco” viaja, quase sempre vestido com sua marca registrada simples e sem adornos branco e lutando, com frequência, a luta impopular (pelo menos entre os políticos). Sempre, há o objetivo de aproximar grupos díspares. A mensagem de Afineevsky é que Francisco é precisamente o papa de que precisamos no que se desenvolveu em uma era de ouro de perversidade, de capitalismo descontrolado e de oportunismo político covarde. Nada disso, vemos, ele tem medo de enfrentar, seja o desafio o meio ambiente, os regimes genocidas ou a separação dos filhos de seus pais na fronteira México-EUA.
Francisco chega muito perto de chamar Donald Trump de diabo em um ponto, uma visão com a qual alguns podem discordar. Mas o objetivo do filme é que ele pode enfrentar o mal e fazer amigos ao mesmo tempo. “Na construção de pontes”, alguém diz, “Bergoglio é um gênio”. E ele não tem medo de quebrar alguns ovos (eggs), ou egos, para fazer isso.
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Crítica do documentário Francesco: um olhar íntimo a um papado de jornadas globais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU