27 Fevereiro 2021
"A poluição, os desastres provocados pelos eventos climáticos extremos e as ondas letais de calor podem provocar grande mortandade nas próximas décadas. Assim, a esperança de vida ao nascer da humanidade está em uma encruzilhada. Os excepcionais ganhos dos últimos 150 anos podem não ter continuidade no restante do século XXI", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 26-02-2021.
“A transição demográfica é o fenômeno de mudança de comportamento de massa
mais expressivo e mais impactante da história da humanidade”
(Alves, 05/09/2018)
A esperança de vida ao nascer sempre foi baixa na maior parte da história do Homo sapiens. Durante cerca de 200 mil anos a média de vida das pessoas estava abaixo de 30 anos. Com os avanços no padrão alimentar, as melhorias no saneamento e na higiene e com os avanços da medicina a esperança de vida começou a subir no século XIX e chegou a 32 anos no mundo em 1900.
Mas o grande salto ocorreu nos anos 1900, quando a vida média dos habitantes do Planeta mais que dobrou em um século, chegando a 66,3 anos no ano 2000. Isto nunca tinha ocorrido no passado e nunca vai ocorrer no futuro pois existe um limite natural na longevidade e, provavelmente, a esperança de vida ao nascer da população mundial, mesmo nos cenários mais otimistas, nunca será superior a 100 anos (embora algumas poucas pessoas possam ultrapassar este limite). No ano de 2019, a esperança de vida ao nascer do mundo chegou a 72,6 anos.
Portanto, o aumento da esperança de vida ao nascer da população mundial cresceu continuamente no século XX, conforme mostra o gráfico abaixo. Na primeira metade do século XX a esperança de vida passou de 32 anos em 1900 para 34,1 anos em 1913 e deu um salto para 45,7 anos em 1950. Não existem dados para saber os reais efeitos da 1ª Guerra Mundial, a pandemia de Gripe Espanhola, a recessão dos anos 1930 e a 2ª Guerra Mundial. Provavelmente, a esperança de vida mundial tenha caído durante estes eventos, mas se recuperou e avançou até 1950. Por exemplo, a descoberta e a produção da penicilina a partir dos anos 1940 salvou muitas vidas de doenças como pneumonia, sífilis, difteria, meningite, bronquite, dentre outras.
(Foto: EcoDebate)
Alguns países tiveram ganhos contínuos durante mais de um século. Por exemplo, Brasil e Costa Rica tinham esperança de vida em torno de 30 anos em 1900, sendo que em 2019, chegou a 75,9 anos no Brasil e a 80,3 anos na Costa Rica. A China, o país mais populoso do mundo, tinha uma esperança de vida de 31 anos em 1910 para 44,4 anos em 1955, mas uma redução para 43,7 anos em 1960 em decorrência da grande mortandade ocorrida durante a fracassada política do “Grande Salto para a Frente”, implementada por Mao Tsé-Tung. Mas a partir da década de 1960 os chineses iniciaram uma fase de ganhos constantes e significativos de longevidade, chegando a ultrapassar a esperança de vida média do Brasil e do mundo.
O Japão tinha uma esperança de vida de 38,6 anos em 1900, bem acima da média mundial e chegou a 48,2 anos em 1935. Porém, com a derrota na 2ª Guerra (além das duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki) a esperança de vida caiu para 30,5 anos em 1945 (bem abaixo da média mundial e dos números do Brasil). Todavia, com a recuperação econômica e social do país do Sol Nascente a esperança de vida bateu todos os recordes e chegou a 84,6 anos em 2019 (a maior do mudo, empatada com Hong Kong).
A Rússia tem sido o país com as maiores variações na esperança de vida. Em 1900, a esperança de vida dos russos estava em torno de 30 anos, mas caiu para somente 20,5 anos em 1920 após a 1ª Guerra e após a Revolução Bolchevique. Mas houve uma grande recuperação nos anos seguintes, chegando a 46 anos em 1946 e dando um salto para 68,6 anos em 1968. Ficou neste nível até 1990 e sofreu uma grande queda depois do fim da URSS. No ano 2000 a Rússia tinha uma esperança de vida de 65 anos (abaixo da média mundial) e em 2019 a esperança de vida da população russa está em 72,6 anos, abaixo dos números do Brasil e o mesmo valor da média mundial.
De modo geral, o gráfico acima mostra que houve uma melhoria muito grande da esperança de vida ao nascer de 1900 a 2019. Contudo, a pandemia da covid-19 deve provocar uma redução da esperança de vida mundial e da esperança de vida do Brasil (que deve perder entre 1 a 2 anos em média). No caso da China, o país deve apresentar ganhos na média de vida da sua população também em 2020 mesmo com o novo coronavírus, embora o mundo deva ter uma queda ou estagnação e diversos países devem registrar queda da esperança de vida.
Pode ser que os efeitos da pandemia da covid-19 sejam localizados em 2020 e 2021 e que a esperança de vida volte a subir a partir de 2022. Talvez os efeitos da emergência sanitária sejam superados rapidamente. Mas também pode ser que os efeitos da emergência climática e ambiental tenham impacto na redução da esperança de vida mundial.
A poluição, os desastres provocados pelos eventos climáticos extremos e as ondas letais de calor podem provocar grande mortandade nas próximas décadas. Assim, a esperança de vida ao nascer da humanidade está em uma encruzilhada. Os excepcionais ganhos dos últimos 150 anos podem não ter continuidade no restante do século XXI.
Como disse a jovem poetisa norte-americana Amanda Gorman no poema Earthrise: “A mudança climática é o maior desafio do nosso tempo”. Desafio, em especial, à desejada continuidade do aumento da esperança de vida ao nascer da população mundial.
ALVES, JED. A Polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica, IBGE, RJ, 2002. Disponível aqui.
ALVES, JED. A Transição Demográfica nos 200 anos da Independência do Brasil, Ecodebate, 05/09/2018. Disponível aqui.
ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020. Disponível aqui.
Poet Amanda Gorman’s ‘Earthrise’ climate change video. Disponível aqui.
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Esperança de vida diante da emergência sanitária e climática. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU