24 Fevereiro 2021
Como um ajuda na causa da canonização de Pedro Arrupe, o Instituto de Fontes Jesuítas da Boston College disponibilizou pela primeira vez em inglês a biografia “Pedro Arrupe: Witness of the Twentieh Century, Prophet of the Twenty-First” (“Pedro Arrupe: um testemunho do século XX, um profeta para o século XXI”, na edição em português).
A biografia, originalmente escrita em espanhol pelo padre jesuíta Pedro Miguel Lamet, já teve mais de 20 edições em múltiplos idiomas. Lamet conheceu Arrupe pessoalmente e teve oportunidades de entrevista-lo, fazendo do seu trabalho a biografia definitiva desse jesuíta que, como Inácio de Loyola, veio da região Basca da Espanha.
O Instituto teve a oportunidade de dialogar com Lamet para perguntar por que os leitores em inglês podem se interessar por esse seu trabalho.
A entrevista é do Instituto de Fontes Jesuítas, publicada por Crux, 21-02-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Por que você escreveu a biografia de Pedro Arrupe e que tipo de resposta você recebeu dos primeiros leitores dela?
Sempre fui um grande admirador de Pedro Arrupe, por sua trajetória como missionário no Japão e por sua interpretação de Santo Inácio para o mundo de hoje. Fiquei fascinado por sua personalidade magnética, seu espírito universal e sua prontidão para dialogar com todas as culturas e religiões. Eu interagi com ele como jesuíta e como jornalista várias vezes enquanto estive na Espanha e em Roma, e tive a sorte de ter o presente de sua amizade.
Quando ele adoeceu, com trombose, tive o privilégio de entrevistá-lo por 20 dias, enquanto ele estava em uma enfermaria em Roma, e além de recolher depoimentos sobre ele em todo o mundo. Minha biografia apareceu em espanhol, italiano e português e teve 23 edições de sucesso. Tenho recebido depoimentos de muitas pessoas que a leitura de sua história mudou suas vidas: alguns sentiram o impulso de uma vocação para a vida religiosa, outros se comprometeram com o voluntariado em países subdesenvolvidos e a lutar pela fé e pela justiça.
Minha experiência é que Arrupe continua atuando por meio deste livro. Eu apenas agi como mediador.
Com a edição em inglês recém-lançada pelo Instituto para Estudos Jesuíta Avançados, por que você recomendaria aos leitores ingleses que leiam esta biografia?
Acima de tudo, para conhecer a vida de um testemunho excepcional do século XX e de um profeta para o século XXI. Padre Arrupe estava à frente de seu tempo nas questões de injustiça social, inculturação, migrantes, fome no mundo, refugiados, a situação das mulheres na Igreja, nacionalismo egoísta, o diálogo entre Oriente e Ocidente, a renovação da vida consagrada e a libertação de pessoas oprimidas. Mas acima de tudo na centralidade do amor a Jesus Cristo. Em sua época, ele era muito amado e admirado nos Estados Unidos.
Em segundo lugar, esta biografia contém centenas de depoimentos de seus contemporâneos, bem como seus próprios. Aprecio especialmente como ele confiou em mim para discutir sua vida pessoal e seu martírio sem sangue, quando o visitei durante sua doença em Roma. Basta dizer sobre essas entrevistas que deixei sua cabeceira em lágrimas por causa do espírito sobrenatural com o qual ele enfrentou seu estado de marginalização e a aparente futilidade de seus últimos anos no Calvário.
Além disso, este livro aborda os principais acontecimentos do mundo e da Igreja do século passado, na medida em que se relacionam com sua vida.
Dadas todas as convulsões em nosso mundo – com a pandemia, a angústia social e a convulsão política – o que torna a figura de Pedro Arrupe interessante para nós no mundo de hoje?
Há uma declaração dele que pode nos ajudar na situação atual: “Talvez o Senhor nunca tenha estado tão perto de nós como está agora, mas nunca estivemos tão inseguros”. E as últimas palavras que pronunciou poucos dias antes de perder a consciência e que se tornaram o seu testamento: “Por ora Amém; para o futuro Aleluia”.
O passado não conta e sentir-se culpado não serve a nenhum propósito. Precisamos aceitar o “agora”, o presente, o que temos. Sobre seu sofrimento, ele me disse fechando os olhos: “Nós sofremos e oferecemos. É a vida. Deus está além de tudo. Minha vida é estar com Deus. Temos que ver Deus em tudo. Eu não entendo isso. Mas deve ser de Deus, de sua Providência…. É algo muito especial. Para mim é bom. Mas para a sociedade? Tem que ser coisa de Deus. De vez em quando, sinto uma força muito especial”.
Ele agarra o rosário e declara: “Para isto, muito, muito, muito. Para mim, nada, nada, nada (diz isso com grande convicção). Acima de tudo, o Deus Trinitário; depois, o coração de nosso Senhor, e então este pobre. O Senhor que me dá Sua luz. Quero dar tudo ao Senhor”.
E quanto ao futuro “Aleluia”, confia que estamos nas mãos de Deus. Ele foi transfigurado na oração e na missa como se não estivesse neste mundo.
Qual atributo do personagem Pedro Arrupe você passou a admirar mais ao escrever esta biografia?
Psicologicamente, ele era um homem entusiasta, apaixonado e ao mesmo tempo prudente e simpático. Mais do que um superior, parecia amigo de todos. Cada jesuíta poderia afirmar: “O padre Arrupe me ama”.
Talvez sua maior característica seja o otimismo. Em suas palavras, ele confirmou: “Dizem que sou um otimista patológico. Mas como posso não ser otimista se acredito em Deus?”. Além disso, impressionou-me como ele podia ser tão generoso com os outros, mas tão austero consigo mesmo. Ele mal dormia e comia muito pouco. No dia em que foi eleito Superior Geral da Companhia, o irmão Sacristão perguntou-lhe: “Padre Geral, missa amanhã às 7h?”. “Por favor, irmão, não interrompa minha manhã!”, foi a resposta de Arrupe.
Ele deu mais importância ao “ser” do que à pregação.
Como Santo Inácio, seus pés estavam na terra, mas seu coração estava no céu. Na minha opinião, ele era um místico que havia feito um “voto de perfeição” (escolher a mais difícil das duas escolhas) e que teve revelações divinas ou “iluminações” em várias ocasiões: uma delas quando seu relógio parou quando a bomba atômica explodiu sobre Hiroshima. No entanto, viveu tudo como se fosse completamente natural, sem atribuir-lhe a menor importância.
Felizmente, embora sempre tenha sido considerado um santo pelos jesuítas e outros que o encontraram, parece que finalmente se aproxima a hora de seu reconhecimento oficial como tal. Tudo se resume em suas próprias palavras: “Para mim, Deus é tudo. Ele é o que cumpre completamente a minha vida e que aparece no rosto de Jesus Cristo, no Jesus Cristo que está oculto na Eucaristia e depois nos meus irmãos e irmãs que são a imagem de Deus”.
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Biografia definitiva de Arrupe dá os argumentos para a canonização. Entrevista com Pedro Miguel Lamet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU