18 Fevereiro 2021
O Maranhão é o estado com, proporcionalmente, o menor número de mortes pelo novo coronavírus no Brasil. Até esta terça-feira (16/02) eram 685 mortos por milhão de habitantes – pouco mais do que a metade do índice nacional, de 1.138 mortos por milhão. Amazonas (com 2.400 mortos por milhão), Rio de Janeiro (1.821) e Roraima (1.576) são as unidades da federação que lideram essa triste estatística.
Desde abril do ano passado, o jornalista e escritor Wagner William passou a observar e apurar cada movimento do governo maranhense na gestão da crise sanitária. No recém-lançado livro A Operação Secreta Etiópia-Maranhão - A Guerra dos Respiradores no Ano da Pandemia (Editora Vestígio), ele esmiúça os atos que explicam o relativo sucesso do estado no combate à covid-19.
Isso vai desde o fato de o Maranhão ter sido o primeiro estado brasileiro a decretar lockdown – em 5 de maio – até a cinematográfica operação que empresta título à obra. Em meio a uma disputa mundial por respiradores, depois de ter negociações atravessadas pelo governo federal, o estado montou uma operação logística especial para conseguir os equipamentos.
Com investimento de R$ 6 milhões e a participação de 30 pessoas, o governo maranhense conseguiu trazer 107 respiradores e 200 mil máscaras da China em abril. Uma escala na Etiópia foi planejada para que não houvesse risco de confisco do material no meio do caminho.
"Era uma história muito inacreditável e, ao mesmo tempo, muito surpreendente", diz o jornalista em entrevista à DW Brasil. "Mas [acredito que] os números refletem não somente a operação, mas a filosofia do governo estadual de defender a vida e a ciência."
A entrevista de Wagner William foi concedida a Edison Veiga, publicada por Deutsche Welle, 17-02-2021.
O que o levou a mergulhar nessa história?
No dia 16 de abril, a Folha [de S. Paulo] publicou uma matéria com essa coisa meio inacreditável de como o governo do Maranhão teve de driblar o governo federal para comprar respiradores numa pandemia. Achei revoltante. Quatro dias depois foi publicada outra notícia, dando conta de um bloqueio, do Ministério da Saúde, de uma compra que o Maranhão havia realizado em janeiro. [A operação] foi inacreditável, mas demonstra um desespero de um estado que percebeu que não teria apoio do governo federal, teria de se virar sozinho.
O Maranhão só é o melhor estado no combate, nos números da pandemia, por decisões de seu governador [Flávio Dino, do PC do B]. Assim como o Brasil está sendo imunizado por decisão de outro governador, o de São Paulo [João Doria, do PSDB]. Ambos, tanto o que trouxe a [primeira] vacina, quanto o que trouxe os respiradores, ideologicamente, não têm ligação nenhuma, mas reforçam que foi necessário que os estados tomassem providências. Porque se dependesse do governo federal, o número de mortes seria bem maior.
O seu livro parte da operação para detalhar a maneira como o governo maranhense conduziu a pandemia ao longo de 2020. Qual a síntese, então?
Era uma história muito inacreditável e, ao mesmo tempo, muito surpreendente. Chequei várias vezes os detalhes, parecia negócio de espionagem. A atuação do governo maranhense foi perfeita. Hoje, é o estado com menos mortes por milhão. Mesmo tendo um dos piores PIBs do país [17º, em dados de 2018], um dos últimos IDHs [penúltimo, conforme dados de 2017]. Diante dessa proeza, não há o que questionar quanto à atuação do governo do estado maranhense.
Mas [acredito que] os números refletem não somente a operação, mas a filosofia do governo estadual de defender a vida e a ciência. Não posso falar somente da operação. Porque [os números melhores] se explicam pelo fato de que o Maranhão não se autossabotou depois, manteve uma linha de ação a favor da vida, da ciência, sempre buscando resultados. Neste contexto, o livro evoluiu naturalmente.
O que foi a operação Etiópia-Maranhão?
O governo do Maranhão resolveu acompanhar com atenção a pandemia desde o início, por isso ainda em janeiro [de 2020], eles determinaram a compra de respiradores, de uma empresa de Santa Catarina. Em 19 de março, eles receberam um ofício do Ministério da Saúde confiscando os respiradores que iam ser entregues [com base da na lei 13.970/2020, que dispõe sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, o governo federal havia requisitado todos os equipamentos]. Ao mesmo tempo, o voo que traria os respiradores para o Consórcio Nordeste [criado em 2019 para integrar os nove Estados da região] ficou em Miami, porque, ao que tudo indica, empresas norte-americanas haviam comprado o material, produzido da China, em pleno voo.
Então, o governo maranhense passou a tentar comprar diretamente da China. A primeira reserva foi bloqueada em seguida, porque empresas da Alemanha compraram. A segunda, foi bloqueada por norte-americanos. Temendo um colapso, o governo procura um grupo de empresários. Essa foi uma grande sacada [a parceria com a iniciativa privada]. Eles começaram a administrar essa compra. O grupo empresarial encontrou uma empresa [chinesa], colocou seus funcionários lá. Esses funcionários acompanharam e foram retirando os respiradores conforme eles eram produzidos. E guardando em um depósito, um galpão, para evitar que qualquer outro interessado visse e tentasse atravessar.
Com os respiradores prontos, havia o receio de confisco no voo ou na escala.. Então [por meio de uma importadora brasileira] aconteceu um lance de sorte, que foi a Ethiopian Airlines. Eles tiraram os bancos da aeronave, transformando seu avião em cargueiro e se comprometeram a entregar, o que era raríssimo naquele momento. O voo saiu da China, fez escala na África e chegou a São Paulo. Com os 107 respiradores e as 200 mil máscaras.
O governo federal atrapalhou o Maranhão?
O governo Bolsonaro atrapalhou e foi um dos principais motivadores dessa operação. O Ministério da Saúde confiscou uma compra que o Maranhão tinha feito em janeiro de empresas brasileiras, de 68 respiradores. Aí foi preciso realizar uma operação realmente secreta, detalhada, e, é bom que se diga isso, com apoio do empresariado maranhense -- eles ajudaram e participaram decisivamente.
Qual sua avaliação sobre a gestão federal da crise sanitária?
O governo Bolsonaro é isso: três ministros da saúde, sendo que o último ficou interino por meses; faltou respirador; faltou kit intubação, que são os sedativos e anestésicos utilizados no procedimento; milhares de testes perderam a validade; faltaram cilindros de oxigênio; e tem a negação da vacina. Nem preciso dar minha opinião. Os fatos estão aí. Não tem como reescrever a história, basta observar os fatos para que esse governo seja analisado quanto à sua culpa inquestionável em relação à pandemia.
Há movimentos para se fazer a CPI da Pandemia. Acho que os crimes que foram cometidos durante o enfrentamento da pandemia não podem ficar impunes, esses não. Escândalo de corrupção já está no nosso DNA, mas esse [tipo de crime] não pode [ser esquecido], porque a conduta do presidente acabou provocando muitas mortes. Não pode sair impune.
Não deveria ter havido essa operação [feita pelo governo maranhense para conseguir os respiradores]. O que deveria ter havido era um comando [federal] da crise. Mas a natureza preenche um vácuo. Se não há comando, não há liderança, é cada um por si. Como se viu no caso da vacina, um desespero total.
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“Sem comando federal, é cada estado por si na pandemia. A inacreditável história do Maranhão” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU