22 Janeiro 2021
Somente um lockdown nacional imediato e ações coordenadas entre os governantes de todas as regiões do país impediriam o Brasil de chegar a um cenário ainda mais trágico do que o vivido na primeira onda de proliferação do coronavírus.
A defesa contundente é feita pelo neurocientista Miguel Nicolelis, um dos principais nomes da pesquisa científica do país e coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, criado para traçar estratégias de combate à covid-19.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Nicolelis afirma que prognósticos negativos feitos no fim do ano passado já se confirmaram logo nas primeiras semanas de 2021.
Miguel Nicolelis (Foto: Deivyson Teixeira)
Com a quebra de recordes semanais no número de contaminações e taxas de internação ascendentes em todas as regiões, o Brasil está entrando na pior fase da pandemia.
Neste contexto, o caos trágico vivido pela população de Manaus (AM) com a falta de oxigênio e de leitos de UTI pode, rapidamente, ser a realidade vivida em nível nacional.
“Quando se espalha isso para o país, gera-se um caos que nunca tivemos em nossa história. Por isso que estamos extremamente preocupados. Manaus está dizendo para o Brasil: 'Cuidado, eu sou você amanhã'. Alertando a todos os prefeitos e governadores brasileiros que essa situação pode acontecer, sim, em qualquer lugar do país e já está começando a acontecer”, afirma Nicolelis.
O especialista advoga pela criação imediata de um Comitê Nacional Emergencial de Manejo da Pandemia, formado pelos governadores, pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de centralizar e unificar o enfrentamento ao vírus e lidar com todas as negociações diplomáticas e políticas necessárias para a aquisição de insumos e vacinas.
Para ele, não há dúvidas de que o Brasil deveria seguir o exemplo do Reino Unido e da Alemanha e adotar o lockdown nacional, já que o isolamento social é comprovadamente a medida mais eficaz para barrar a transmissão.
"Se tomarmos essa atitude e governantes, prefeitos, governadores ouvirem a ciência e os exemplos que funcionaram, inclusive no Brasil, ainda conseguimos reduzir o impacto dessa nova onda. Estamos na fase ascendente, ainda dá. Mas tem que acontecer para ontem”.
A entrevista é de Lu Sodre, publicado por Brasil de Fato, 21-01-2021.
No fim do ano passado, o senhor tinha falado sobre a equação brasileira: caso o Brasil não entrasse em um lockdown nacional, não daríamos conta de enterrar nossos mortos. Estamos próximos de encerrar o mês de janeiro e não tomamos medidas mais duras de combate à pandemia. O que os dados recentes nos mostram? Esse diagnóstico tende a se confirmar?
Creio que ele já está se confirmando. Estamos vendo uma sincronização completa do país. Diferentemente da primeira onda, todos as regiões nesse momento estão tendo crescimento de casos, óbitos e taxas altamente preocupantes de internação, que é um fator fundamental para se levar em conta. Como os hospitais de todas as regiões brasileiras estão chegando à sua capacidade de limite.
Apesar das tentativas de criar novamente leitos de UTI ou leito de enfermaria estarem sendo realizadas, continuamos a ter taxas crescentes em vários lugares. Temos já a repercussão do colapso de Manaus ocorrendo em outras cidades da região Norte e de outras regiões do Brasil.
Aqui mesmo, em São Paulo, tivemos municípios que ficaram sem oxigênio, tiveram todos os leitos ocupados. No sul de Minas Gerais, por exemplo, existem vários municípios que estão com taxas acima de 90% ou com 100% de ocupação.
Tanto nosso boletim do dia 18 de de dezembro quanto o do começo do ano confirmam as previsões que foram feitas.
É possível que esse crescimento nos leve para o cenário mais grave da pandemia, em condições nunca antes vistas? Estamos há duas semanas quebrando recordes em relação ao número de novos casos de covid-19.
Exatamente. A minha preocupação e a do Comitê Científico é exatamente essa, que possamos estar entrando em uma segunda fase ainda pior que a primeiro. Por isso eu fiz o alerta nas minhas redes sociais e estou falando com interlocutores em todo o Brasil.
Veja a situação do Mato Grosso do Sul, que passou quase que ileso nos primeiros meses da pandemia e hoje olhamos para Campo Grande e vemos problemas seríssimos. A mesma coisa no interior do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, que na primeira onda tiveram alguns meses de atraso e pouparam o sistema hospitalar desses estados e municípios. E hoje vemos uma situação muito grave em Porto Alegre, em várias cidades de Santa Catarina, com a curva de mortes crescendo rapidamente.
E, ao mesmo tempo, reencontramos os crescimentos de casos no Nordeste que tinha tido uma queda importante por conta dos lockdowns que foram feitas nas grandes áreas metropolitanas. A única região do Brasil que fez lockdowns de uma maneira realmente bem organizada desde o início.
Outros fizeram depois, mas no começo foi o Nordeste que deu essa linha de atuação. E já se vê, com exceção do Maranhão, os outros oito estados tendo um crescimento muito grande de casos. Taxas de internação aumentando no interior e na capital, o que também é diferente da primeira onda, que começou na capital e levou três meses para se espalhar no interior.
Tudo isso é muito preocupante e leva os cientistas do Brasil a fazerem seus alertas.
Estamos falando, então, de um cenário de colapso da saúde nacional que pode ser seguido também por um colapso funerário?
Isso. Por isso nossa preocupação desses colapsos se espalharem pelo país todo. No momento em que você começa a não ter onde colocar pacientes graves e os pacientes começam a falecer em casa, nas ruas ou a caminho dos hospitais em ambulâncias, se perde o controle da situação.
E se evolui, como temos o grande risco em Manaus, de a qualquer momento termos uma capacidade ultrapassada de lidar com as vítimas, é uma coisa trágica. É muito duro pra gente falar isso. Fico extremamente condoído de ter que levantar essa questão e trazê-la a público.
Mas no momento em que se perde a mão de dar vazão, de não conseguir enterrar os mortos, porque não tem lugar, não tem gente e não tem recursos para isso, se gera outros tipos de infecção e outros tipos de crises concomitantes, paralelas, que vão só aumentar o problema.
Quando se espalha isso para o país, gera-se um caos que nunca tivemos em nossa história. Por isso que estamos extremamente preocupados. Manaus está dizendo para o Brasil: Cuidado, sou você amanhã. Alertando a todos os prefeitos e governadores brasileiros que essa situação pode acontecer sim em qualquer lugar do país e já está começando a acontecer.
Como avalia a resposta dada ao caos de Manaus, tanto pelo governo federal quanto pelo estadual?
Ela é inadequada, não leva em conta a gravidade do que aconteceu nessa cidade. É uma cidade enorme, no meio da floresta Amazônica, com dificuldades logísticas claras, que mostrou um cenário que pode se alastrar rapidamente.
Veja bem: todos os estados estão tentando ajudar Manaus recebendo pacientes, o que é algo que tem que ser feito porque essas pessoas não podem ficar abandonadas. Temos que ajudar nossos irmãos e irmãs da região Norte.
Mas, se começamos a ter colapsos de hospitais em outras regiões, para onde esses pacientes serão levados? Como lidar se os próprios estados que estão recebendo estão em situação de alerta e não têm vagas suficientes de UTI?
Veja o caso de Recife, de Pernambuco, onde as taxas de internação estão crescendo. Já passaram os limites que o Comitê Científico do Nordeste definiu desde maio do ano como necessários para o lockdown.
E os efeitos dos lockdowns foram ótimos. O de São Luiz foi muito bom, o de Fortaleza, da grande Recife, de João Pessoa também. Maranhão está até hoje com número baixo de casos e óbitos. Estamos falando de seis meses e Maranhão conseguiu segurar graças a um lockdown bem feito. Temos que levar isso em conta.
O cenário é trágico, grave, e pode virar trágico a nível nacional. Já é trágico com 212 mil mortos, é uma coisa inaudita, você não consegue nem acreditar quando lê.
Mas agora estamos correndo um risco de desencadear outros colapsos. Colapsos de insumos, funerário, sociais, econômicos, em decorrência da resposta inadequada ao primeiro colapso que é o do sistema de saúde.
Diante da atuação do governo federal, qual diferença fez a atuação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste no combate à pandemia na região?
Foi um dos primeiros comitês científicos a serem criados no país. Acredito que os efeitos foram claros. Daqui a poucos dias vamos ver que a região Nordeste vai ser ultrapassada pela região Sudeste em termos de casos por 100 mil habitantes e pela região Sul em termos de óbitos a cada 100 mil habitantes.
O que isso significa? Que a região Nordeste vai ser a melhor das cinco regiões brasileiras de dois indicadores essenciais de mensuração da pandemia. Eu credito parte dessa resposta positiva que ninguém esperaria no começo da pandemia, todo mundo falou que seria um desastre o que aconteceria no Nordeste por todo histórico que conhecemos, e na realidade o Nordeste está a poucos dias de ser a melhor região de manejo da pandemia.
Só que, como sempre falo pros meus alunos, pros amigos e colegas, não podemos sentar nos louros. Não podemos acreditar que, porque foi muito bem até agora, que não pode piorar rapidamente. Precisamos continuar fazendo o que a ciência preconiza.
O aumento dos índices de isolamento social, como está sendo feito na Grã-Bretanha, na Alemanha, em toda a Europa para combater a segunda onda, precisa voltar pro centro da agenda brasileira.
Mesmo que a gente consiga fazer uma vacinação em massa a partir de hoje, o que eu não acredito, levarão meses para que possamos ter uma resposta epidemiológica populacional com o número de casos caindo.
Não podemos arrefecer, não podemos deixar de fazer o que deu certo e sabemos que deu. Podemos provar numericamente.
Tudo isso precisa voltar para o centro da agenda política. Os cientistas tem consenso nisso. A situação brasileira está sendo analisada no mundo inteiro. A Universidade de Oxford, que é uma das mais respeitadas do mundo, concordou plenamente que o Brasil precisa de um lockdown nacional. Isso precisa voltar ao debate da agenda política.
A imunização com as doses da CoronaVac foram iniciadas em todo o país. Como o senhor avalia o próximo período, tendo em vista a necessidade dos insumos importados e da postura do governo federal, não só na questão da aquisição das vacinas, mas como um todo? O processo fluirá bem ou terá ainda mais percalços?
Essas dificuldades de logística já eram do nosso conhecimento. Nós sabíamos que poderíamos enfrentar crises e por isso, desde o início, e agora com maior ênfase a partir dos dois últimos boletins, propusemos que todos os governadores deveriam se unir e criar um Comitê Nacional Emergencial de Manejo da Pandemia, independente do Ministério da Saúde, para lidar com todos esses problemas de insumos e negociações com outros países que de certa maneira foram ofendidos pelo governo federal e que hoje se sentem ressentidos do tratamento que tiveram, apesar de ajudar o Brasil continuamente.
Falo da China, que tem o poder de manter os insumos fluindo para o Brasil. E eu tenho certeza que os cientistas chineses e o governo quer ajudar, só que precisa lidar. Diplomaticamente é preciso ter um diálogo com esse governo que é vital para manter o fluxo de insumos na campanha de vacinação brasileira.
E para isso é preciso ter alguém que saiba fazer diplomacia e saiba lidar. Por isso sugerimos que os governadores teriam que criar um Comitê Nacional. Continuo batendo nessa tecla, porque sem isso não vamos conseguir equacionar a pandemia.
Dois dias atrás, o The New York Times fez um diagnóstico dos problemas que ocorreram nos Estados Unidos para estar o terror de hoje. Se você ler os cinco itens, é idêntico ao Brasil: falta de comando nacional, falta de mensagem única, a batalha de comunicação foi perdida porque não tinha um comando nacional para dizer o que tem que fazer, o que é correto, o que é certo.
Falta de capacidade política de saber que a prioridade é a pandemia. Nos Estados Unidos, muitos comitês criados tinham mais pessoas da área de negócios do que cientistas. Isso aconteceu aqui também.
Tínhamos que estar ouvindo a comunidade científica diretamente em nível nacional.
A venda de falsas terapias é outro item que causou drama nos Estados Unidos e aqui também, assim como a falta de uma mobilização sendo suficiente para o que estamos falando nesse momento, a campanha de vacinação.
Os Estados Unidos não se preparou e demorou para agir. E o Brasil também. Nós já devíamos ter um Plano Nacional de Imunização (PNI) consensual aprovado e aceito sem debate, sem nenhuma disputa. Deveria ter sido feito antes da vacina estar pronta.
Devíamos ter apostado, como o Comitê Científico do Consórcio Nordeste recomendou, que todas as vacinas que forem aprovadas no Brasil com a fase 3 façam pare do arsenal. Isso é uma decisão clara que poderia ter sido feita meses atrás e ainda estamos debatendo essas coisas agora.
O diagnóstico é claro, cristalino, não há dúvida do que foi feito errado. Só estou pedindo para que a gente não repita os mesmos erros pela segunda vez.
Muitos consideram que a aprovação do uso emergencial da vacina é o anúncio do fim da pandemia, o começo desse processo. Mas todo o cenário que o senhor traz nos mostra outro caminho, certo?
Primeiro é muito importante enfatizar que nenhum estado ou região isolado tem condição de sair da pandemia. Somos um país hiperconectado por vias rodoviárias, mar e aeroviária.
Não adianta o Nordeste estar muito bem e as regiões em volta explodindo. As pessoas vão migrar, levar novas variantes. É por isso que o Reino Unido agiu como um país e fechou, fechou o país inteiro. A Alemanha ontem, a primeira ministra, fez a mesma coisa. Ampliou o lockdown e não sair mais cedo.
Nem os estados e nem as regiões brasileiras são ilhas desconectadas do resto do país, por isso precisamos de uma ação nacional. Por isso tudo conflui para a mesma solução. Se já tivemos problemas enormes em uma primeira onda, imagine em uma segunda mais grave sem um comando nacional?
Toda resposta que eu der a você, preciso enfatizar que a solução passa pela criação de um comando nacional, mesmo que o Ministério da Saúde não queira. Os governadores têm poder suficiente para se reunir com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e criar essa forma de atuação e é o que nós precisamos.
O Brasil já deveria ter reativado os hospitais de campanha para combater essa “segunda onda” de contaminação? Não era o caso de os hospitais de campanha terem permanecidos abertos?
Muito provavelmente. Não estudei a fundo a dinâmica em diferentes lugares, mas muito provavelmente eles deveriam ter ficado abertos e eles têm que voltar em várias localidades. Veja o Rio de Janeiro, que nunca completou o cronograma de hospitais de campanha prometidos. Fez uma fração deles.
Até dois dias atrás, o Rio de Janeiro estava com uma taxa de ocupação de UTI assustadora, com filas de espera. Em outros lugares onde os hospitais foram fechados, começamos a ter um refluxo de casos, e o sistema hospitalar estabelecido antes da pandemia não dá conta. Tem um outro problema que ninguém está falando: acabou de sair na Europa alguns resultados e também nos Estados Unidos, que é o gigantesco número de casos de pacientes que tiveram covid, saíram do hospital e agora têm sequelas crônicas.
Para se ter uma ideia, na Grã-Bretanha, um terço dos pacientes que foram internados na primeira onda está voltando para os hospitais. E em um estudo com mais de 40 mil pessoas internadas na primeira onda versus 40 mil pessoas que não foram internadas, a mortalidade do grupo que foi internado é sete vezes maior do que a do grupo que não foi parar no hospital.
Estamos tendo uma tsunami, uma onda enorme de casos crônicos com sequelas gravíssimas — respiratórias, cardiovasculares, neurológicas — que aqui vão buscar auxílio no Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas, ao mesmo tempo, estamos tendo a onda aguda de casos desse segundo repique que chega ao mesmo hospital em busca de um leito ou de uma UTI.
Estamos dobrando, ou mais, multiplicando várias vezes a demanda por serviços hospitalares. Isso sem contar doenças comuns, pacientes que não podem operar, não podem fazer diálise ou quimioterapia.
É por isso que a situação, na minha opinião, é nesse momento mais grave. Só a vacinação não resolve. Vai demorar vários meses para diminuir as taxas de infecção.
No início da semana, a Fiocruz publicou um estudo retratando o caso de uma mulher de 29 anos que tinha contraído o coronavírus em março e agora — no fim do ano, depois de ir a uma confraternização em dezembro — foi reinfectada, mas pela nova variante localizada no Amazonas. Ela tinha os anticorpos contra o vírus, mas ainda assim foi infectada. O que isso nos mostra? Esse caso é simbólico do que pode acontecer em larga escala no Brasil?
É mais um alerta que tem que ser levado em conta. É preocupante, não temos dados em grandes números, eu pelo menos não vi nenhum estudo epidemiológico claro, tanto da variante britânica, da sul-africana, quanto agora tem uma da Califórnia, que acabou de ser descoberta, e uma de Manaus.
São estudos de sequenciamento, acabaram de descobrir que são variantes, diferente das cepas que tínhamos circulando, mas não temos ainda o impacto claro delas. Então sempre tento falar sobre assuntos que têm estudos comprovados para podermos avaliar, mas é uma preocupação, sem dúvida nenhuma.
Temos que ficar de olhos abertos. Por isso, em novembro passado, eu pedi publicamente que o espaço aéreo brasileiro fosse fechado para voos da Europa. A variante inglesa já estava se espalhando e ela é 70% mais infectante, transmite mais fácil.
Mas o vírus que está circulando no Brasil em larga escala, seja qual for a cepa, é o que está matando as pessoas já.
Não temos um estudo decisivo imputando à nova variante o que aconteceu em Manaus e não acredito que foi ainda. Não tenho os dados.
Acredito que foi uma grande circulação pela falta do uso de máscara, da abertura das escolas, pela perda do isolamentos social. Essa é a primeira hipótese.
Claro que há estudos que a Fiocruz e outros grupos de pesquisa estão fazendo. Mas havia um estudo que saiu afirmando que Manaus tinha atingido um alto nível de porcentagem e que não ia acontecer mais, que a imunidade de rebanho tinha sido atingida, o que não é verdade. Só ver os números e o que aconteceu agora. Não precisa ser especialista.
E não é só Manaus. É Amapá, Rondônia... Cidades do interior com ocupação de UTIs crescendo de forma importante. Roraima, a mesma coisa. A região Norte está nos mostrando que a situação de gravidade está evoluindo.
Um outro exemplo é Ilhéus, uma cidade grande no sul da Bahia. Por causa das festas em Porto Seguro, naquela região próxima da costa, Trancoso, um ponto da elite brasileira, fez com que Ilhéus, há poucos dias, alcançasse uma taxa de ocupação próxima de 100%.
Uma cidade em volta que está recebendo o caso de toda a região porque o número de leitos de UTI em Porto Seguro e Trancoso, por exemplo, é quase nulo. Muito pequeno. Os casos migram para as regiões onde há leito de UTI. Estamos vendo esse movimento por todo o Nordeste.
Considerando as mutações e as incertezas sobre elas, ainda temos tempo de reverter o caos que estamos vivendo? Se de fato um lockdown nacional fosse proclamado, um plano nacional de isolamento seria possível frear o avanço da pandemia?
Sim. Conseguimos fazer. A boa notícia é essa. Nos casos onde o lockdown ocorreu, ele funcionou. No mundo todo, inclusive no Brasil. Ainda dá tempo de frear e quebrar a transmissão do vírus rapidamente, principalmente nos lugares onde tem entroncamentos rodoviários, onde tem transmissão pela malha rodoviária e aeroviária.
O estado de São Paulo é um caso claro. O interior está com números altíssimos e vai confluir pra cidade.
A boa notícia é que já fizemos lockdowns com sucesso no Brasil, isolamento rígido, e eles funcionaram.
A outra boa notícia é que nós aprendemos com a primeira onda. Os nossos médicos aprenderam a tratar os casos graves. Estamos conseguindo ter uma redução, nem que pequena mas importante, da letalidade nos hospitais.
Mas isso tem que ser posto em prática com outras medidas. Não se ganha uma pandemia com leitos de UTI. Temos que ter, mas a transmissão não acaba ali. A transmissão tem que acabar na casa das pessoas, nas regiões de trabalho, aglomerados que ocorrem naturalmente por todas as atividades econômicas que voltaram a acontecer no Brasil, em certo lugares caóticos.
Mas a esperança é essa. Se tomarmos essa atitude e governantes, prefeitos, governadores ouvirem a ciência e os exemplos que funcionaram, inclusive no Brasil, ainda conseguimos reduzir o impacto dessa nova onda. Estamos na fase ascendente, ainda dá. Mas tem que acontecer para ontem.
A politização da gestão da crise e essa corrida pela vacina são elementos colocados como agravantes do cenário que encontramos hoje. Acredita que os políticos responsáveis por essa tragédia serão responsabilizados de alguma forma, nem que seja pelo que ficará registrado na história?
Posso te dar um exemplo histórico de 1918, da pandemia de Influenza, de gripe, que matou milhões de pessoas mundo afora. Em vários países do mundo, o registro histórico marcou pra sempre a carreira dos gestores que minimizaram, ignoraram ou não deram bola ou até, na época, porque os Estados Unidos estavam na 1ª Guerra Mundial, censuraram a disseminação das notícias sobre a pandemia da época.
Não tenho a menor dúvida de que com os meios de comunicação, com toda a capilaridade da internet e tudo o que temos em termo de disseminação de notícias, isso vai entrar para a história.
As pessoas que minimizaram essa crise, por inépcia ou incompetência, ou puro desejo de não ajudar porque querem contribuir para o caso, vão ter seus nomes escritos nas portas dos fundos da história e vão sim ser responsabilizados no futuro. E assim deveria ser no mundo todo.
Todo esse contexto trouxe à tona o debate sobre um possível impeachment de Bolsonaro, que voltou a ocupar a agenda política. Acredita que com a possibilidade desse afastamento, de fato, haveria uma mudança da curva da pandemia?
Meu objetivo é salvar vidas. Trabalho voluntariamente há dez meses, 24 horas por dia focado nisso. Larguei tudo que eu fazia porque o meu objetivo é salvar o maior número de vidas de brasileiros nessa pandemia.
O que for feito para melhorar a gestão nacional e o controle federal dessa pandemia, eu sou a favor. Temos que tomar pé da situação e agir com responsabilidade.
Eliminar o discurso de fake news, a ideia de que existem terapias preventivas. De tudo que tiver que ser feito para salvar vidas, eu sou favorável.
Evidentemente o Brasil tem uma pandemia e todo um pandemônio no país do ponto de vista institucional e político. Mas essa não é a minha seara, que é a científica. Eu tenho claro o que precisa ser feito para o Brasil sair dessa crise mais rapidamente possível.
A criação de uma comissão nacional, com apoio do Congresso, dos governadores e do Supremo Tribunal Federal seria o primeiro passo para começarmos a pensar a saída dessa crise.
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“Manaus está dizendo para o Brasil: ‘Cuidado, sou você amanhã’”, alerta Nicolelis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU