24 Dezembro 2020
"Tudo do bolsonarismo [...] é marcadamente tosco, desajeitado. É uma estética de convencimento 'popular', pois quer se identificar com setores da sociedade onde a raiva estava guardada, onde o ressentimento já imperava há muito tempo, onde se buscavam desculpas para o ódio", escreve Marcus Vinicius de Souza Nunes, mestre em Filosofia da Educação (UFSC) e Doutorando em Educação, Comunicação e Tecnologia (UDESC).
Talvez não devêssemos nos assustar com qualquer coisa aparentemente desvairada que o atual governo do Brasil protagonizasse. O chefe do executivo, os ministros, os secretários, os partidários, os militantes esbravejando contra a vacina, tudo isso parece uma pantomima, uma atuação exagerada, uma encenação de mau gosto. Às vezes somos tentados a entender isso tudo sob a rubrica da loucura, da mania, da dissociação psíquica. Parece-me que tomamos um caminho fácil, e mesmo errado, quando fazemos isso.
A missa celebrada e transmitida ao vivo no canal oficial do Ministério da Saúde, no dia 14 de dezembro (festa litúrgica de São João da Cruz) é mais que uma pantomima, e bem menos do que mereceria a dignidade sacramental. Creio que estamos contemplando uma pequena expressão de uma ampla estética, absurda, kitsch, desengonçada, mas que é coerente com o antiprojeto de Nação do bolsonarismo.
No dia 17 de junho de 2019 o psicanalista e professor da USP, Christian Dunker, publicou um vídeo em seu canal no Youtube intitulado Olavo de Carvalho e o tosco brasileiro (disponível aqui) Em tom de brincadeira, em uma fina ironia, Dunker ressalta que no futuro olharemos para esse momento da história brasileira e precisaremos, além de categorias históricas, sociológicas e políticas, de noções estéticas.
Tudo o que diz o pretenso filósofo da Virgínia (que se quer mais católico que o Papa) é atravessado por uma grotesca estética, chula, grosseira, vulgar: palavrões e obscenidades que se combinam com imagens de santos e obras clássicas da filosofia, como uma confissão de desejo sacrílego, uma vontade de profanação. Também o chefe do executivo nacional, que além da chula e obscena conduta, gosta de apresentar-se simploriamente, comendo pasteis, andando de chinelo em atos oficiosos, querendo parecer “próximo” das pessoas, não faz mais que uma mímica debochada de vida simples, um simulacro de cotidianidade, já que algumas fontes nos revelam que os gastos do Alvorada são um pouco mais altos que os necessários para a vida que “pobre” que ostentam nas redes.
Tudo do bolsonarismo, lives, camisetas, palavras de ordem, xingamentos, discursos, comentários, filmes, músicas, tudo é marcadamente tosco, desajeitado. É uma estética de convencimento “popular”, pois quer se identificar com setores da sociedade onde a raiva estava guardada, onde o ressentimento já imperava há muito tempo, onde se buscavam desculpas para o ódio.
A missa de segunda-feira, dia 14, é mais uma peça publicitária dessa estética tosca, não obstante a dignidade intrínseca do sacramento, ou apesar dela. Missas sempre foram celebradas para os servidores dos mais variados setores de Brasília. Mas na missa de segunda (valha o trocadilho) tudo é propositalmente displicente: a toalha torta sobre a mesa de conferências, a credência improvisada, o painel do Ministério ao fundo, a fala do presbítero sobre sua vitória contra o vírus. Tudo desajeitado como a tosca estética bolsonarista, feita para inflamar os ânimos das suas fileiras e para confundir os sentidos dos opositores. No dia de São João da Cruz, como uma mensagem codificada, preparando-nos para essa noite do espírito em que mais e mais nos aprofundamos.
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Uma missa e a estética do Bolsonarismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU