09 Dezembro 2020
Foi uma revolução. Que só parcialmente deu frutos. Palavra de protagonista. O dia 8 de dezembro marca o 55º aniversário do encerramento do Vaticano II. A Famiglia Cristiana, em entrevista publicada na edição agora nas bancas (da qual antecipamos alguns trechos aqui), reproduz a memória de uma testemunha excepcional: D. Luigi Bettazzi, 97 anos recém completados.
A reportagem é de Alberto Chiara, publicada por revista Famiglia Cristiana, 12-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Eu estava lá. Comecei a participar dos trabalhos da segunda sessão em 29 de setembro de 1963. Menos de um mês antes havia sido nomeado bispo auxiliar de Bolonha”. O melhor documento? “Talvez seja a Dei Verbum, que colocou a Palavra de Deus nas mãos e nos corações de todos os batizados”. O mais implementado? “Provavelmente a Sacrosanctum Concilium, que repropõe a liturgia como oração de todo o povo de Deus. Embora além do uso de línguas vulgares, não se fez muito para superar o clericalismo, isto é, a prevalência do clero (e não apenas na liturgia); e hoje existe uma pressão pelo retorno ao antigo sob o pretexto de que é mais místico”. O mais importante, se possível? “É desagradável ter de escolher, mas diria a Gaudium et spes, que muda a perspectiva. Não mais uma Igreja juíza severa e cidadela sitiada, mas aberta à leitura dos sinais dos tempos, companheira de viagem do homem. Se ao menos pudéssemos atualizar plenamente sua letra e espírito”.
Para D. Bettazzi, muito resta a fazer: “A revolução copernicana contida na Gaudium et spes (não a humanidade para a Igreja, mas a Igreja para a humanidade) e aquela da Lumen gentium (não os fiéis para a hierarquia, mas a hierarquia para os fiéis) têm dificuldade para se afirmar". Concílio Vaticano III? "Não. No máximo, acredito que o Vaticano II deva ser totalmente implementado. Não gostaria que um Vaticano III acabasse sendo programado para fechar as aberturas feitas até aqui”
Há um aspecto do Vaticano II em que D. Bettazzi se detém, em particular com Famiglia Cristiana. É o chamado Pacto das Catacumbas. É o desejo de viver radicalmente o Evangelho assumido por bispos e padres. Foi composto exatamente cinquenta anos atrás. Continuou a viver sob o radar por décadas, desconhecido para a maioria. Voltou à cena com o pontificado de Jorge Mario Bergoglio: "Ah, como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres!" (16 de março de 2013).
Tudo começou durante o Concílio Vaticano II (1962-1965). Já desde a primeira sessão, um grupo de bispos e teólogos se reunia periodicamente no Colégio Belga para refletir sobre "Jesus, a Igreja e os pobres" e fazer propostas à assembleia. Partindo de uma frase de João XXIII em uma mensagem de rádio um mês antes da abertura do Concílio (11 de setembro de 1962), a iniciativa tomou o nome de "Igreja dos pobres". Muitos bispos latino-americanos se juntaram a essa busca, entre os mais conhecidos D. Helder Camara do Brasil e D. Manuel Larrain do Chile, mas também houve muitos outros prelados, como D. Georges Mercier, bispo de Laghout (Argélia), da diocese de Charles de Foucauld, ou como D. Charles-Marie Himmer, bispo de Tournai, Bélgica. Na época, a figura mais representativa foi sem dúvida aquela do arcebispo de Bolonha, o cardeal Giacomo Lercaro, sobretudo graças a uma intervenção que fez na sala em 6 de dezembro de 1962. O purpurado se propôs a assumir o tema do "mistério de Cristo nos pobres” como centro da doutrina e da obra de renovação de todo o Concílio. Essa reflexão atravessou o Vaticano II como um rio subterrâneo, emergindo de vez em quando nos textos conciliares.
Essa relutância não se devia às escolhas do Papa Paulo VI, que realmente incentivou bastante o Cardeal Lercaro e, durante a terceira sessão, fez um gesto muito eloquente por sua própria iniciativa: colocou sua tiara no altar de São Pedro como um dom aos pobres. Diante da impossibilidade de ver as suas intuições consubstanciar-se nos documentos conciliares, os partidários da iniciativa "Igreja dos pobres" decidiram escrever um texto, conhecido como "Pacto das Catacumbas", assinado no final de uma celebração eucarística nas Catacumbas de Domitila em 16 de novembro de 1965, uma terça-feira. Na penumbra da noite, aqueles que assinaram o Pacto (42 padres conciliares, que depois se tornaram 500 bispos) comprometeram-se a traduzir na vida cotidiana 12 pontos.
Resumindo: “Viver como nossa população normalmente vive no que diz respeito a moradia, alimentação, meios de locomoção e tudo mais”; “renunciamos para sempre à aparência e à realidade da riqueza, principalmente nas vestimentas [...]. Nem ouro nem prata. Não possuiremos bens imóveis, bens móveis, conta bancária, etc. em nosso nome"; “sempre que possível, confiaremos a gestão financeira e material de nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e conscientes”; ”recusamo-nos a ser chamados com nomes e títulos que significam grandeza e poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de padre”. Outros aspectos eram elencados para construir uma Igreja mais próxima dos pobres, "cientes das exigências de justiça e da caridade, e das suas relações recíprocas": os assinantes comprometiam-se a dar "o que é necessário do nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc. ao serviço apostólico e pastoral de pessoas e grupos laboriosos e economicamente fracos e pouco desenvolvidos”; “tentaremos transformar as obras de ‘caridade’ em obras sociais baseadas na caridade e na justiça”; “evitaremos encorajar ou bajular a vaidade de quem quer que seja, de olho em recompensas ou solicitando presentes”.
O primeiro a dar notícias desse Pacto foi o conceituado jornal francês Le Monde, em 8 de dezembro de 1965, dia do encerramento do Concílio.
"Já que Paulo VI não queria que se falasse muito sobre a Igreja dos pobres (ele temia que, em tempos de "guerra fria" entre o mundo ocidental e o bolchevique, a acentuação da Igreja dos pobres pudesse favorecer este último), prometendo falar a respeito em uma encíclica (que foi a Popolorum progressiode 1967, em que prevaleceu, porém, o tema da paz), o grupo da Igreja dos pobres (que se reunia no Colégio Belga), promoveu um livre encontro", resume hoje para a Famiglia Cristiana D. Bettazzi.
“A notícia se espalhou entre amigos e, na tarde de 16 de novembro (as tardes eram ocupadas pelas comissões conciliares e pelos encontros dos episcopados nacionais), em 42 nos encontramos nas catacumbas de Domitila na via Ardeatina, onde o bispo belga D. Himmer de Tournai, depois de ter celebrado a Eucaristia, apresentou um texto que os presentes iriam assinar e levar para assinatura a outros bispos.
O Cardeal Lercaro foi então solicitado de levá-lo a Paulo VI, com a assinatura de mais de 500 bispos. O texto, posteriormente denominado "Pacto das Catacumbas", comprometia os bispos signatários a viver de maneira mais simples - como vestuário, moradia, meio de transporte - a não manter contas bancárias pessoalmente e pedir a ajuda para as finanças a leigos preparados, a renunciar a títulos pomposos e ao apoio dos poderosos, dedicando-se particularmente aos pobres, aos mais fracos, aos trabalhadores manuais, cuidando das obras sociais e solicitando leis de justiça e igualdade, em aberta solidariedade com os episcopados das nações pobres e - na vida cotidiana - em diálogo e colaboração com seus próprios sacerdotes e leigos”.
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“O Concílio? Uma forja de novidades, muitas ainda por realizar”. Entrevista com Luigi Bettazzi, padre conciliar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU