"As resistências dentro da Igreja são muitas. Mas agora o processo de reforma já começou." Entrevista com Luigi Bettazzi

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17 Novembro 2015

Roma, 16 de novembro de 1965: três semanas antes do fim do Concílio Vaticano II. A figura de João XXIII vai além do magistério do pontificado: encarna a bondade, a simplicidade. A contemporaneidade. O Papa Roncalli quer que a Igreja saia do imobilismo. E que se torne uma Igreja aberta ao mundo, a todos os "homens de boa vontade".

A reportagem é de Leonado Coen, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 16-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Quarenta e dois bispos sentem que devem agir seguindo o rastro sugerido pelo "papa bom". Eles se reúnem secretamente nas Catacumbas de Domitila e assinam um documento: o Pacto das Catacumbas (ao longo do tempo, os signatários se tornaram 500).

Comprometem-se a levar uma vida sóbria, renunciando aos luxos, aos sinais de poder, aos privilégios, para se dedicarem a uma Igreja pobre e para os pobres. A Igreja desejada hoje pelo Papa Francisco.

Entre aqueles 42 bispos, estava Dom Luigi Bettazzi. Ele tinha participado dos trabalhos do Concílio ao lado do cardeal Giacomo Lercaro, arcebispo de Bolonha, o expoente de maior destaque da corrente dos progressistas, que foi surpreendentemente removidos por Paulo VI no dia 12 de fevereiro de 1968 por causa de uma homilia pacifista contra os bombardeios dos EUA no Vietnã.

Bettazzi foi bispo de Ivrea por mais de 30 anos, até 1999. Ele ficou conhecido pelas suas posições liberais, pela correspondência com Enrico Berlinguer e por ter dito em uma entrevista que Cristo era socialista. Se os operários estavam em greve, ele se colocava ao seu lado, pela defesa dos seus direitos. Presidiu a Pax Christi e nunca se cansou de denunciar a "traição" contra o Concílio Vaticano II.

Eis a entrevista.

Ao menos até Francisco ser eleito.

O Papa Bergoglio insiste na Igreja dos pobres, a Igreja da Pacem in terris da encíclica de João XXIII. Uma Igreja que não deve cair do alto. Uma Igreja próxima da humanidade que ensine a viver juntos, a não ser egoísta, individualista e prepotente. Que esteja ao lado dos necessitados, isto é, da maioria da humanidade. Ele pede coerência com o Evangelho. Lembra que a tarefa da hierarquia é estar a serviço, porque é isso que significa ministério, e que é preciso parar com a obsessão com o poder.

O papa disse: "Deus nos salve do dinheiro".

Sobre o dinheiro, Bergoglio é muito claro: quando você coloca a mão no dinheiro, você corre o risco de ser tomado pelo desejo de ter cada vez mais. E a tentação também pode tomar levar o ser humano a ganhar dinheiro em vantagem pessoal, como infelizmente estamos vendo com os escândalos que estão aparecendo.

Foram publicados dois livros que revelam as finanças do Vaticano, graças a muitos documentos da Santa Sé.

Ir comprar notícias de quem não as deve dar pode dificultar o trabalho que está sendo feito no Vaticano para as reformas que Bergoglio pretende levar adiante. Aliás, o papa disse que ele e os seus colaboradores conheciam bem que as coisas que vieram à tona.

Ele as confirmou...

A questão é mais delicada. É claro que, ao se limpar, a sujeira vem à tona.

Como no caso de Francesca Chaouqui e do Mons. Lucio Anjo Vallejo Balda...

Houve uma superficialidade, isso acontece. Ao papa, não deve ter parecido verdade envolver uma mulher – finalmente – em uma Comissão vaticana desse nível. E ao monsenhor espanhol não deve ter parecido verdade que ali dentro houvesse uma amiga. No sentido de aliada, eu quero dizer. Não é o escândalo que preocupa o pontífice. A repreensão me pareceu mais dirigida a quem está sabotando esse trabalho.

Ou seja?

Ele disse: apesar do vazamento de documentos, não vão me parar.

A quem ele poderia estar se referindo?

São muitas as resistências dentro da Igreja contra as reformas anunciadas e em parte iniciadas por Bergoglio. Mas agora o processo já começou. Bergoglio fala disso quase todos os dias. Assim, mesmo aqueles que são contrários não podem mais se opor abertamente. Utilizam-se outros instrumentos. Outros modos para pressionar. Penso, por exemplo, naquele padre que, às vésperas do Sínodo sobre a família, "sai do armário". Por que ele escolhe justamente o dia anterior ao início do Sínodo? Há 15 anos ele estava fazendo carreira na Cúria, não podiam não saber que vida ele estava levando, talvez quis antecipar a sua confissão. Penso nos livros: no ano passado, foi publicado um livro assinado por cinco cardeais. Neste ano, os cardeais que dizem que não é possível fazer mudanças são nove.

Bergoglio tem coragem...

O Papa João XXIII abriu a Igreja ao mundo. O Papa Francisco a leva ao mundo. A reforma é a palavra-chave deste pontificado. O cristianismo humilde. Papa de uma Igreja que sai. Ele prefere uma Igreja ferida em vez de uma Igreja fechada.

As mudanças sempre são traumáticas.

Não mudar nunca é perigoso. Se eu ainda estou vivo é porque são mais de 90 anos que eu mudo. Podemos permanecer nós mesmos, mas desenvolvendo-nos em sintonia com a evolução do mundo, com as expectativas dos homens de hoje, com a linguagem dos homens de hoje.

Uma Igreja em fermentação.

Mesmo sendo idoso, ele decidiu que a sua tarefa é completar as reformas, não deixar as coisas pela metade, porque ele sente que essa é a vontade do Senhor. Ele está muito determinado e tem muito discernimento, virtudes típicas dos jesuítas, a sua ordem. Dos salesianos, junto aos quais ele teve as suas primeiras experiências, por outro lado, ele assimilou a clareza e a franqueza. Os salesianos são muito populares. Bergoglio viver no meio das pessoas mais simples, dos pobres são mais disponíveis, e é essa experiência que o está orientando. Quando ele estava em Buenos Aires, ele usava o metrô para se locomover, sempre ia para as infindáveis periferias da cidade. Ele está consciente de que 60% da população em 2050 vai viver nas periferias das metrópoles. Ou entendemos essas pessoas, ou a Igreja fecha as portas.

Em tudo isso, é importante o papel da comunicação.

Sem dúvida. O papa diz: devemos ser claros e transparentes. Sem ter medo. Não fazer o mal, não ter medo. Se nos escondemos, isso significa que algo não está funcionando como deveria. No meu último livro, Quale Chiesa, quale Papa?, eu escrevo que, para uma Igreja que quer ser aberta, é preciso um papa aberto. Que não tenha medo de fazer limpeza. A corrupção é a sistematização da realidade em interesse próprio. Combatê-la envolve preços enormes. Aquele bispo alemão que vivia em um castelo... Bergoglio sabe que essas coisas são contraproducentes em nível de informação e sabe que é preciso intervir logo, sem meios termos. Uma vez, quem errava era relegado para paróquias muito remotas e talvez continuava causando danos, ninguém sabia. Hoje é impossível, a informação circula. Pode-se dizer: graças a Deus. Hoje, em um mundo tão hiperinformado, somos obrigados a uma maior coerência. Por um lado, isso é bom. Por outro, o conhecimento de tantos maus exemplos pode levar a dizer: se a Igreja é assim na cúpula, então...

É o desafio de Bergoglio.

Um dos muitos. Ainda hoje temos a nossa ração de indignidade, aquele abade beneditino que fazia os seus negócios... O papa está consciente de que existe a humanidade dentro do clero, mas impulsiona para que a Igreja se renove no seu interior. Não somos infalíveis, ao contrário. Por isso, Bergoglio invoca a maior transparência, por isso ele insiste na Igreja dos pobres, na Igreja cujo Evangelho também ajuda quem não faz parte do cristianismo. E é por isso que, em certos ambientes, olha-se com suspeita para o papa, porque ele critica o seu modo de exercer a economia e a política.

* * *

Com o gravador desligado, Dom Bettazzi diz: "Quando sair este artigo, você vai me colocar em apuros, não vão me fazer cardeal". Mas, em poucos dias, ele vai completar 92 anos. "Loris Capovilla foi criado cardeal aos 98. Agora ele tem mais de 100 anos..."

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