05 Dezembro 2020
Uma edição especial do Relatório sobre a Lacuna de Produção – desenvolvido por renomadas organizações de pesquisa e pela ONU - conclui que a recuperação da COVID-19 marca um ponto de virada potencial, no qual os países devem mudar de rumo para evitar níveis de produção de carvão, petróleo e gás muito superiores ao necessário para limitar a temperatura em 1,5°C.
A reportagem é de Roberta Zandonai, publicada por PNUMA Brasil, 02-12-2020.
Os países planejam aumentar a produção de combustíveis fósseis durante a próxima década, mesmo quando as pesquisas mostram que o mundo precisa diminuir a produção em 6% ao ano para limitar o aquecimento global a 1,5°C, de acordo com o Relatório sobre a Lacuna de Produção 2020.
Lançado pela primeira vez em 2019, o relatório mede a diferença entre as metas do Acordo de Paris e as metas de produção de carvão, petróleo e gás planejadas pelos países. A conclusão é de que a “lacuna de produção” permanece grande, pois os países planejam produzir, em 2030, mais do que o dobro de combustíveis fósseis do que seria consistente para limitar o aumento da temperatura em 1,5°C.
A edição especial deste ano analisa as implicações da pandemia de COVID-19 – e das medidas de estímulo e recuperação dos governos – na produção de carvão, petróleo e gás. E chega em um momento potencialmente decisivo, já que a pandemia desencadeia ações governamentais sem precedentes e as principais economias, incluindo China, Japão e Coreia do Sul, se comprometeram a atingir emissões líquidas zero.
“Os devastadores incêndios florestais, enchentes, secas e outros eventos climáticos extremos deste ano servem como poderosos lembretes de por que devemos ser bem-sucedidos no enfrentamento da crise climática. Enquanto procuramos reiniciar as economias após a pandemia de COVID-19, investir em energia e infraestrutura de baixo carbono será bom para empregos, para economias, para a saúde e para a qualidade do ar”, afirmou Inger Andersen, Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). “Os governos devem aproveitar a oportunidade para direcionar suas economias e sistemas energéticos para longe dos combustíveis fósseis, e reconstruir melhor rumo a um futuro mais justo, sustentável e resiliente”, concluiu.
O relatório foi produzido pelo Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), Instituto Internacional de Desenvolvimento Sustentável (IISD), Instituto de Desenvolvimento Internacional (ODI), E3G e PNUMA. Dezenas de pesquisadores contribuíram para a análise e revisão, envolvendo diversas universidades e organizações de pesquisa.
“A pesquisa está muito clara. Enfrentaremos graves perturbações climáticas se os países continuarem a produzir combustíveis fósseis nos níveis atuais, quanto mais em seus aumentos planejados”, disse Michael Lazarus, autor principal do relatório e diretor do SEI’s US Center. “A pesquisa é igualmente explícita sobre a solução: políticas governamentais que diminuam tanto a demanda quanto a oferta de combustíveis fósseis e apoiem as comunidades atualmente dependentes deles. Este relatório sugere passos que os governos podem tomar hoje para uma transição justa e equitativa para longe dos combustíveis fósseis”.
• Para seguir um caminho consistente de 1,5°C, o mundo precisará diminuir a produção de combustíveis fósseis em cerca de 6% ao ano entre 2020 e 2030. Na contramão, os países estão planejando e projetando um aumento médio anual de 2%, o que até 2030 resultaria em mais do que o dobro da produção consistente com o limite de 1,5°C;
• Entre 2020 e 2030, a produção global de carvão, petróleo e gás teria que diminuir anualmente em 11%, 4% e 3%, respectivamente, para ser consistente com o caminho de 1,5°C;
• A pandemia de COVID-19 – e as medidas de “lockdown” para deter sua propagação – levaram a quedas de curto prazo na produção de carvão, petróleo e gás em 2020. Mas os planos pré-COVID e as medidas de estímulo pós-COVID apontam para uma continuação da crescente lacuna global de produção de combustíveis fósseis, com riscos de graves perturbações climáticas;
• Até hoje, os governos do G20 comprometeram mais de US$ 230 bilhões em medidas relacionadas à COVID-19 junto a setores responsáveis pela produção e consumo de combustíveis fósseis. Isso é muito mais do que o valor investido em energia limpa – cerca de US$ 150 bilhões. Os formuladores de políticas devem reverter esta tendência para cumprir as metas climáticas.
“O choque de demanda provocado pela pandemia e a queda dos preços do petróleo este ano demonstraram mais uma vez a vulnerabilidade de muitas regiões e comunidades dependentes de combustíveis fósseis. A única saída para esta armadilha é a diversificação destas economias para além dos combustíveis fósseis. Infelizmente, em 2020 vimos muitos governos dobrando o consumo de combustíveis fósseis e reforçando estas vulnerabilidades”, disse Ivetta Gerasimchuk, uma das principais autoras do relatório e líder para o fornecimento de energia sustentável no IISD. “Em vez disso, os governos deveriam direcionar os fundos de recuperação para uma diversificação da economia e transição para energias limpas que ofereçam melhor potencial econômico e de emprego a longo prazo. Este pode ser um dos empreendimentos mais desafiadores do século XXI, mas é necessário e possível”.
O relatório também analisa como o mundo pode fazer uma transição equitativa afastando-se dos combustíveis fósseis, com redução mais rápida em países com maior capacidade financeira e institucional e que são menos dependentes da produção destes combustíveis. Alguns dos maiores produtores deste grupo, incluindo Austrália, Canadá e Estados Unidos, estão atualmente entre os que buscam grandes expansões no fornecimento de combustível fóssil.
O relatório também explora formas de facilitar a cooperação, uma vez que países altamente dependentes de combustíveis fósseis e com capacidade limitada necessitarão de apoio internacional para uma transição equitativa.
“Diminuir a produção de combustíveis fósseis a um ritmo compatível com os objetivos de Paris requer tanto cooperação internacional quanto apoio”, explicou a pesquisadora do SEI Cleo Verkuijl, que é uma das principais autoras do relatório. “À medida que os países comunicam compromissos climáticos mais ambiciosos antes da Conferência da ONU sobre Mudança do Clima de 2021, em Glasgow, eles têm a oportunidade de incorporar metas e medidas para diminuir a produção de combustíveis fósseis em seus planos, ou NDCs”.
O relatório define seis áreas de ação e fornece aos formuladores de políticas opções para diminuir a produção de combustíveis fósseis enquanto promulgam os planos de recuperação da COVID-19. Entre outras recomendações, o documento sugere reduzir o apoio governamental aos combustíveis fósseis, introduzir restrições à produção e garantir que os fundos de estímulo sejam direcionados para investimentos verdes (enquanto amarram qualquer apoio de alto carbono com condições que promovam o alinhamento a longo prazo com as metas climáticas).
“Este relatório lança uma luz sobre como a ação governamental, em muitos casos, corre o risco de nos prender em caminhos alimentados por combustíveis fósseis. E também apresenta a alternativa, com soluções e exemplos para ir além da produção de carvão, petróleo e gás”, pontuou o Diretor Executivo do SEI, Måns Nilsson. “É hora de imaginar, e planejar um futuro melhor”.
Leia o relatório completo aqui.
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Produção de combustíveis fósseis deve ser reduzida em 6% ao ano para limitar aquecimento catastrófico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU