23 Novembro 2020
"É um erro enfocar a somente a reforma espiritual ou a institucional. Ambas são necessárias para lidar com a tragédia do abuso sexual de menores ou adultos. O relatório McCarrick requer muito mais estudo e discussão por parte dos bispos dos EUA e de toda a igreja, a fim de discernir o caminho correto para um futuro melhor", escreve Thomas Reese, jesuíta e jornalista, em artigo publicado por Religion News Service, 20-11-2020. A tradução é do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Em sua reunião de outono, os bispos católicos americanos não comunicaram que entendiam as implicações do relatório surpreendente.
A discussão do relatório do Vaticano sobre o ex-Cardeal Theodore McCarrick pelos bispos dos EUA em sua reunião anual de outono foi triste, mas previsível - triste porque os bispos não comunicaram que entendiam as implicações do relatório; previsível, pois alguns bispos defenderam João Paulo II contra a conclusão do relatório de que o pontífice compartilhava a culpa no caso McCarrick.
O relatório, divulgado em 10 de novembro, reconheceu que, apesar de se saber que McCarrick estava dormindo com seminaristas, ele foi promovido à arquidiocese de Washington e nomeado cardeal pelo Papa João Paulo II.
Teria sido melhor para os bispos reconhecer o erro de João Paulo II, mostrar que, se ele estivesse vivo hoje, estaria se desculpando por seus erros. Em sua discussão pública de 45 minutos do relatório, seguida por 90 minutos de conversas privadas sobre o mesmo, eles não fizeram nenhuma das duas coisas.
Os bispos estão relutantes em criticar o histórico de João Paulo II de nomear e promover bispos porque a maioria deles foi nomeada da mesma forma pelo mesmo papa. Reconhecer seus fracassos abriria a possibilidade de que eles também fossem selecionados por meio de um processo defeituoso que enfatizava a lealdade acima de outros fatores.
“Não pode ser um sistema ruim; ele me selecionou”, seria a atitude da maioria dos bispos.
Apenas o bispo Mark Brennan, de Wheeling-Charleston, sugeriu que o processo deveria ser melhorado. Ele propôs dar de 30 a 60 dias no final do processo para que as pessoas comentassem sobre um candidato antes de sua nomeação ser finalizada. Dessa forma, ele disse: “Podemos evitar nomear alguém para o episcopado que não o mereça”.
O tom da reunião foi dado pelo arcebispo Christophe Pierre, o núncio papal, que nem mesmo mencionou o nome de McCarrick em seu discurso aos bispos. O que os americanos precisavam ouvir do representante do papa era um pedido de desculpas pelo fracasso de seus antecessores e da hierarquia do Vaticano, que não apenas não lidaram com o abuso de McCarrick, mas o promoveram.
O presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, o arcebispo Jose Gomez de Los Angeles, fez melhor ao introduzir a discussão ao dizer que “mostra que o trágico desfecho não foi o resultado de um único erro, mas sim o resultado de vários erros ao longo de muitos anos”.
Essas falhas foram alimentadas pelo clericalismo, ele reconheceu. A cultura do clericalismo limitou a “capacidade da igreja de discutir o abuso com honestidade e integridade”, disse ele. “O clericalismo deixou outras vozes corajosas isoladas quando denunciaram os pecados do abuso”.
Gomez reconheceu as falhas do passado sem citar nomes - por exemplo, os três bispos de Nova Jersey, todos já falecidos, que sabiam sobre o abuso de seminaristas por McCarrick e nada disseram.
Mas Gomez enfatizou a reforma espiritual, ao invés da reforma institucional, porque ele acredita que “já demos passos importantes para lidar com as falhas institucionais que levaram a esta triste tragédia de Theodore McCarrick”.
Gomez exortou os bispos a terem um relacionamento pessoal com Jesus em oração. Esse relacionamento seria, então, o fundamento do relacionamento mútuo na tarefa comum de construir o reino de Deus.
“Individualmente e coletivamente, pedimos desculpas pelo trauma causado por aqueles que cometeram abusos e qualquer líder da igreja que falhou em responder com compaixão e justiça”, disse ele.
Ele expressou “profunda tristeza pelas vítimas e sobreviventes de abuso” e disse que os bispos estão empenhados “em responsabilizar a igreja e cada um de nós, como bispos, pelas maneiras como falhamos em nossas responsabilidades para com nosso Senhor e para com o povo de Deus”. Ele disse que os bispos estavam prontos "para continuar em nosso caminho de arrependimento, purificação e reforma".
Da mesma forma, o Arcebispo William Lori, de Baltimore, pediu aos bispos que passassem uma hora por dia em oração e reparação diante do Santíssimo Sacramento, junto com alguma forma de jejum ou penitência a cada semana.
Mas, embora reconheçam a necessidade de reforma espiritual, alguns bispos pediram mais responsabilidade e reforma institucional.
Apontando para os presentes em dinheiro que McCarrick deu a clérigos e organizações, que levaram a suspeitas de que ele estava comprando influência, o bispo Michael Olson, de Fort Worth, pediu que os destinatários fossem identificados.
“Temos que prestar contas aos fiéis por isso, temos que responder às suas perguntas”, disse ele. Isso é necessário "para a continuação de nossa conversão, para a continuação da purificação de nossa igreja e sua transparência."
O bispo W. Shawn McKnight, de Jefferson City, argumentou que relatórios como o relatório McCarrick deveriam vir como uma questão de rotina quando as acusações são feitas, e não apenas quando são forçadas pela demanda pública. Ele também pediu um papel maior para os leigos, especialmente aqueles com habilidades relevantes, na condução de investigações.
As peculiaridades do caso McCarrick exigem olhar para o abuso com novos olhos. Observando que o abuso de adultos e seminaristas é frequentemente esquecido, o arcebispo Bernard Hebda, de St. Paul and Minneapolis, pediu aos bispos “que ajudem nossos padres e seminaristas para que eles falem sobre suas experiências” .
Outros lamentaram a divisão entre os bispos que o caso causou. O cardeal Blase Cupich, de Chicago, citou a carta do arcebispo Carlo Viganó acusando o papa de ignorar os abusos de McCarrick e pedindo sua renúncia.
“Temos que nos certificar de que nunca mais teremos uma situação em que alguém de nossa conferência tome partido contra o Santo Padre, ou o desafie, ou mesmo esteja com aqueles que estão pedindo sua renúncia”, disse Cupich. “Esse tipo de coisa realmente precisa cessar.”
Cupich também pediu aos bispos que se reunissem com os sobreviventes dos abusos, para encorajá-los a se apresentarem.
As vítimas “foram intimidadas; eles pensaram que não seriam ouvidos por causa da estrutura de poder e assim por diante”, disse ele. “Quanto mais ouvimos as vítimas e tornamos público que estamos nos reunindo com elas, como o Santo Padre faz regularmente, mais se testemunhará que estamos do lado das vítimas. Aprenderemos a ter nossos corações comovidos quanto mais ouvirmos as vítimas”.
É um erro enfocar a somente a reforma espiritual ou a institucional. Ambas são necessárias para lidar com a tragédia do abuso sexual de menores ou adultos. O relatório requer muito mais estudo e discussão por parte dos bispos dos EUA e de toda a igreja, a fim de discernir o caminho correto para um futuro melhor.
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A resposta dos bispos católicos dos EUA ao relatório de McCarrick é triste, mas previsível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU