09 Setembro 2020
Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco sobre as eleições municipais deste ano, o cientista político e professor visitante da pós-graduação em Política da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Sérgio Ferraz, avaliou que o fato de o pleito, este ano, acontecer em meio a uma pandemia viral pode mudar o perfil da campanha: tende a ser com pouco contato físico, presencial, e vai privilegiar os espaços nas redes sociais, além dos tradicionais horários eleitorais de TV e rádio.
A entrevista é de Vinícius Sobreira, publicada por Brasil de Fato, 08-09-2020.
Ferraz também considera que os debates só tendem a ser nacionalizados caso o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passe a atuar ostensivamente nas campanhas. O analista destaca que esse pleito favorece muito os candidatos que já têm mandato, por dificultar a campanha de rua e, no caso dos prefeitos, por terem recebido muitos recursos para apresentar ações de combate à pandemia.
Na região Nordeste, Ferraz não crê num avanço do bolsonarismo de maneira orgânica, mas acredita que as forças de direita têm grande chance de avançar com candidatos do “centrão”, grupo que está associado ao governo Bolsonaro neste momento, mas cuja lealdade não se deve confiar.
No Recife, o cientista político destaca a possibilidade de uma “surpresa” à direita carregando a bandeira da antipolítica; e aponta os cuidados que os protagonistas João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), ambos progressistas, devem ter para não abrir caminho para o avanço dos adversários.
Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB) despontam como protagonistas no Recife, mas é possível que só um deles chegue ao segundo turno. (Foto: Brasil de Fato Pernambuco)
Levando em consideração o ano de pandemia, você acredita que as campanhas serão realizadas com outros métodos ou o porta a porta e as caminhadas continuam?
Esta é uma eleição completamente atípica, em meio a uma pandemia, com restrições nas campanhas. Estimo que será uma campanha reduzida, com pouca campanha presencial e muita virtual. Mesmo com o esforço de jogar a eleição para frente, isso não deu conta, porque a pandemia no Brasil se estendeu mais do que noutros países. Os números que temos da covid-19 apontam para um cenário desfavorável para o porta a porta, as caminhadas e os comícios. A campanha fica prejudicada. Os principais partidos devem estar se preparando para os meios digitais. E isso deve devolver a importância da campanha de televisão. Qualquer meio que não seja o presencial, será privilegiado.
Os municípios menores, além de mais distantes dos olhos da imprensa e do próprio acompanhamento das autoridades, também não possuem campanha na TV e alguns nem na rádio. Você acredita que essas campanhas serão mais de redes sociais?
Não. O que falei anteriormente vale para as cidades grandes e médias. Destaco também que temos no Brasil diferentes tempos da pandemia. Nas regiões Norte e Nordeste temos um cenário menos grave neste momento do que o Centro-Oeste e o Sul. Todo observador ou comentarista está meio “no chute”, não temos certeza, dadas as condições tão inéditas. Mas eu diria que, onde a pandemia está mais controlada, temos maior probabilidade de ver as cidades menores com campanha presencial forte sim, especialmente quando for chegando mais próximo à data da eleição. Mas é importante dizer que mesmo os menores municípios já estão habituados com a linguagem digital.
Você avalia que o debate da eleição municipal deste ano tende a ser muito afetado pelo cenário nacional de crise econômica, sanitária e pelo momento político que o país atravessa? Que pautas você considera que tendem a ganhar mais relevância?
Primeiro considero que como teremos uma eleição mais curta, isso é uma vantagem para quem está no poder, para os prefeitos e vereadores que já têm mandato. E também tem a questão do “orçamento de emergência”, que tem permitido aos governos estaduais e municipais atuarem com muita força na assistência social. Muita coisa que teria sido como ilegalidade noutras campanhas, este ano tende a ser tolerada devido à emergência da covid-19. Então, o poder público estará dando cestas básicas e outras formas de auxílios.
Sobre os temas, é inevitável que a pandemia e o problema econômico ganhem um grande destaque nesta campanha. O gestor que fez um bom trabalho na pandemia tem grande chance de capitalizar isso, assim como os que não fizeram um bom trabalho correm o risco de serem punidos. Eu não tenho visto sinais claros de nacionalização. Trago aqui o exemplo que é o fracasso da oposição [ao governo Bolsonaro] de construir frentes. Em meados de junho, no auge da escalada autoritária do governo, falou-se muito de frentes em defesa da democracia que pudessem atuar unidas também eleitoralmente. Mas houve muita dificuldade em colocar isso em prática. Com exceção de Florianópolis (SC) e Belém (PA), não vemos essas frentes. Nas grandes cidades, cada partido de esquerda tem seu candidato.
Isso é reflexo da dificuldade de se articular, sim, mas também é resultado da regra que proíbe a partir desta eleição as coligações proporcionais (nas chapas de vereadores), o que cria um imperativo de cada partido lançar candidato majoritário (a prefeito) para tentar puxar mais votos para sua chapa de vereadores. Esses sinais jogam contra a nacionalização da campanha.
Mas o crescimento da popularidade de Bolsonaro, observado na última pesquisa Datafolha (14 de agosto), entendido como efeito do auxílio emergencial, esse ganho de popularidade está criando no Palácio do Planalto uma certa tentação de participar da eleição deste ano. Bolsonaro não queria isso, para evitar se associar às derrotas. Mas se Bolsonaro realmente entrar na campanha municipal, aí acho que há uma tendência de nacionalizar, porque a oposição tende a fazer um movimento simétrico, de contestar o governo. Mas tudo isso ainda está bem indefinido.
Há dois anos, em 2018, a região Nordeste formou um “bloco” em que o hoje presidente não conseguiu avançar como gostaria. Mas com o recente crescimento de popularidade dele na região, você acredita num avanço do bolsonarismo no Nordeste?
Este é o grande teste. É a grande pergunta que todos estão se fazendo. Por um lado há uma dificuldade para Bolsonaro que é a ausência de um partido associado diretamente ao presidente. O Aliança pelo Brasil não andou. Então olhando para o Nordeste eu acho mais provável que políticos do “Centrão”, que em Brasília dão sustentação ao governo, devem tirar mais vantagem. Não tanto por se associarem ao nome de Bolsonaro, mas pelo acesso a muitos recursos para turbinarem suas campanhas. Por essa via podemos ver o avanço de partidos que atualmente estão associados a Bolsonaro, mas não necessariamente são bolsonaristas.
O site Poder 360 divulgou uma pesquisa (3 de setembro) apontando uma queda de 8 pontos percentuais [na aprovação do presidente] no Nordeste. Foi uma surpresa grande para mim. Eu esperava esse movimento mais para frente, após o auxílio emergencial ser cortado pela metade, ou mesmo ano que vem, que não sabemos se vai existir o tal “Renda Brasil”, programa social que o governo está inventando. Ano que vem não haverá orçamento de emergência, com isso o governo não está encontrando de onde tirar esse dinheiro. Então sobre este tema eu sou bem cauteloso sobre o avanço do bolsonarismo na região.
E em relação ao cenário do Recife, o que você tem observado e o que destaca?
Tem me surpreendido a pontuação que a Delegada [Patrícia Domingos, do PODE] tem obtido em algumas pesquisas, já que o nome dela é absolutamente desconhecido. Há o sonho de uma certa direita mais radical de produzir nomes deste tipo em estados em que eles ainda não conseguiram entrar, como Pernambuco. Um nome que apareça como de fora da política, nessa linha da antipolítica. Por outro lado você tem dois ou três candidatos, João Campos (PSB), Marília Arraes (PT) e Túlio Gadêlha (PDT), no campo mais progressista, e as pontuações tanto de Marília como de João são bem respeitáveis. Do lado da direita tem ainda Daniel Coelho (DC) e Medonça (DEM).
Eu andei fazendo somas. Quando comparei a soma dos candidatos da direita e a soma dos candidatos da esquerda, dava um empate. Depois Mendonça caiu um pouco e Daniel Coelho pode não ser candidato. Enquanto temos dois candidatos bem firmados no campo progressista. Mas provavelmente teremos uma coalizão à direita que não podemos desprezar o potencial e também temos que considerar o desgaste do PSB após oito anos de prefeitura. Por outro lado, o PSB tem o que mostrar, inclusive em relação à pandemia de covid-19, em âmbito municipal e estadual. O desempenho da prefeitura e do governo foi positivo. Nosso estado não foi tão afetado justamente devido à atuação das secretarias de saúde. Isso pode ajudar a candidatura de João Campos (PSB).
Algo que eu preciso destacar em relação ao Recife é que esses dois candidatos [João Campos e Marília Arraes] lembrem que um vai precisar apoiar o outro no 2º turno. Quem não passar deverá apoiar aquele que passar. Uma das coisas mais importantes para garantir que o Recife siga com um governo do campo democrático, para garantir que a direita não vença aqui, é que haja uma campanha respeitosa. O pior cenário seria o PT e o PSB declararem uma guerra entre si no 1º turno e que a direita avance por aí. Este cenário precisa ser evitado.
Já que os dois partidos decidiram lançar candidatos, é preciso que as campanhas tenham visão estratégica para além do rótulo partidário. Mais importante que o partido A ou B, é você garantir que a Prefeitura do Recife não seja ocupada pela extrema direita, pelo fascismo, pelo bolsonarismo. É preciso que o PT e o PSB tenham juízo e saibam conduzir uma campanha respeitosa. Isso é o mais importante para a sociedade, que não quer uma cidade com um gestor de direita e sem compromisso com a ciência e nem com a saúde das pessoas.
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Cientista político alerta para possível avanço do “centrão” no Nordeste - Instituto Humanitas Unisinos - IHU