25 Agosto 2020
Quando um papa não conta regularmente com as tradicionais visitas de líderes mundiais e quando não tem a presença dos bispos entre os muros da Cidade Eterna como é de costume, o que ele faz? Bem, se for o Papa Francisco, esse tempo será utilizado para despachar notas e cartas pessoais.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 24-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Semana passada, ele enviou uma carta em homenagem a um padre argentino que morreu de câncer em 16 de agosto. Conhecido como poeta, cantor e defensor da biodiversidade da Argentina, o Pe. Julián Zini escreveu um dos hinos mais famosos cantados nas missas do país.
Carta do Papa Francisco em memória do Pe. Julián Zini, sacerdote argentino falecido em 16-08-2020.
(Foto: Captura de tela | YouTube)
“Considero-o um dos grandes ‘Poetas do Povo’, criador de canto, de vida, de beleza”, afirma Francisco em carta escrita a mão enviada à província de Corrientes, onde Zini ministrou a maior parte de sua vida. A carta foi lida sábado em um especial de TV que lembrou a vida do padre, definido como alguém que “abraçou” o Concílio Vaticano II.
As músicas que Zini escreveu, diz o papa na carta, “já são do povo, desse povo ao qual entregou sua vida sacerdotal, desse povo humilde ao qual serviu com generosidade de um pai que só sabe dar vida”.
“Ao Pe. Julián, um ‘obrigado grande como o seu coração merece’”, escreveu o pontífice, antes de concluir com o seu pedido costumeiro para que não se esqueçam de rezar por ele.
Zini foi membro do Movimento dos Sacerdotes para o Terceiro Mundo, fundado na esteira do Concílio Vaticano II por um grupo de padres que tinham uma forte participação política e social. Entre 1967 e 1976, o movimento atuou como uma versão argentina da Teologia da Libertação, com vínculos com o peronismo de esquerda, mas sem afinidade com o marxismo.
O peronismo, nome derivado do general Juan Domingo Perón, é o partido político mais importante da Argentina, tecnicamente chamado de justicialismo. Embora a filosofia de Perón vincule-se a um “fazer aquilo que precisa ser feito” a todo momento, o que leva o partido a mudar de posição em questões como os impostos e a privatização dos serviços públicos, ele sempre acabou rotulado como uma força ao lado dos pobres e favorável aos sindicatos.
Muito embora os bispos não se envolveram no movimento dos Sacerdotes para o Terceiro Mundo, o documento fundador deste baseava-se na declaração de Medellín, adotada pelo Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe – CELAM e pelo Vaticano II, e associava a pobreza no terceiro mundo à exploração conduzida por empresas multinacionais dos países industrializados. O primeiro encontro do movimento ocorreu em 1968, com apoio explícito de vários bispos, entre eles Enrique Angelelli, hoje candidato à santidade e declarado mártir pelo Papa Francisco.
Zini sofreu perseguição durante o regime militar argentino (1976-1983), o qual levou ao desaparecimento de milhares de pessoas, isto é, civis foram levados pelas forças policiais, sendo torturados e mortos, sem que os parentes e familiares soubessem o que verdadeiramente lhes aconteceu.
O bispo da Diocese de Goya, onde Zini viveu, na província de Corrientes, anunciou a morte do padre poeta dizendo: “Elevemos uma oração pelo descanso eterno daqueles que deixaram o seu ministério, sua música e sua poesia como um legado para sempre na Igreja”.
O Pe. Victor Arroyo, também de Goya, colega de Zini no seminário, gravou uma mensagem de vídeo em homenagem prestada ao falecido. Nela, ele diz: “Julián, como iremos sentir sua falta nestes tempos de tanta escuridão e tristeza! Companheiro da alma, a minha imaginação o põe ao redor de uma fogueira com Angelelli e tantos amigos sacerdotes que arriscaram tudo pelo povo e com tantos músicos com os quais você partilhou o seu tempo, espero que desfrute da plenitude da qual sonhou, com o seu coração inquieto, sonhador e solidário”.
Além de pároco, Zini também foi cantor e poeta, famoso no cenário folclórico do país. Suas músicas são um exemplo da religiosidade popular, expressando as alegrias e angústias do povo a que serviu, o qual certa vez definiu como uma fonte constante de inspiração.
Uma de suas canções mais famosas, escrita como o hino para o 10º Congresso Eucarístico argentino, realizado em Corrientes, chama-se “Jesus Eucarístico” e foi reproduzida no especial de TV onde se leu a carta do papa:
Jesucristo, Señor de la Historia
que estuviste, estás y estarás:
sos Presencia, Esperanza y Memoria,
sos el Dios de la Vida hecho Pan...
(Jesus Cristo, Senhor da história,
que esteve, está e estará:
é presença, esperança e memória,
é o Deus da Vida tornado Pão…)
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Papa enaltece padre pioneiro da Teologia da Libertação argentina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU