08 Agosto 2020
“O trabalho que dom Podestá começou a fazer no bispado chamou a atenção desde o primeiro momento, sua proximidade aos pobres e aos padres operários não era o que muitos imaginavam para um bispo”, escreve Guillermo Schefer, ex-padre, em artigo publicado por Religión Digital, 07-08-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Jerónimo Podestá nasceu em 08 de agosto de 1920, em Ramos Mejía, província de Buenos Aires, sendo o terceiro de nove filhos de uma família de boa posição econômica.
Sua infância e juventude transcorreram felizes, guiado por duas metas: evitar o pecado e triunfar, mas fazendo bem aos demais. Por isso, quando terminou o bacharelado seguiu carreira de medicina, tal como o seu pai.
No secundário e na faculdade cumpriu uma ativa militância católica, tomando consciência clara da incongruência existente entre a vida real e o ideal cristão... em sua juventude começou estudos na Faculdade de Medicina (1937-1939), mas os abandonando para entrar no Seminário.
Depois de abandonar sua carreira de médico no terceiro ano, entra no Seminário Maior de La Plata, no ano de 1940, repleto de sonhos e inocência, e é ordenado em 1946.
Recebeu a ordenação sacerdotal em 15 de setembro de 1946. Posteriormente foi enviado a Europa para estudar Direito Canônico, contra o seu desejo de estudar Sagradas Escrituras. Formou-se em Direito Canônico na Universidade de Comillas (Espanha) e Teologia Dogmática, na Gregoriana (Roma) e ao retornar à Argentina, em 1950, foi professor de Teologia e reitor no Seminário Maior de La Plata, em 1958 passou a ser chanceler e secretário da Arquidiocese e, em 1961, vigário-geral da Arquidiocese, até 1962.
Designado bispo de Avellaneda por João XXIII, em 27 de setembro de 1962, recebeu a ordenação episcopal em 21 de dezembro do mesmo ano, tomando posse como segundo bispo de Avellaneda, uma zona de população operária, em 23 de dezembro de 1962. Participou como bispo no Concílio Vaticano II, nos 2º, 3º e 4º períodos de sessões.
Por sua ação pastoral de profundo conteúdo social e a favor da inserção do padre na comunidade, originou os padres das favelas, que influenciariam decisivamente em uma geração de padres que abraçou o chamado Movimento do Terceiro Mundo, com seu compromisso pela “opção preferencial pelos pobres” e que sempre mantiveram um contato fluido com ele.
Pressionado pelo núncio apostólico Umberto Mozzoni e pelo presidente da Conferência Episcopal Adolfo Tortolo, foi obrigado a renunciar em 04 de dezembro de 1967. Faleceu em Buenos Aires, em sua casa na avenida Gaona, no bairro Villa Luro, em 23 de junho de 2000. Recebeu os últimos sacramentos das mãos do arcebispo de Buenos Aires cardeal Jorge Bergoglio.
O trabalho que começou a fazer no bispado chamou a atenção desde o primeiro momento, sua proximidade aos pobres e com os padres operários não era o que muitos imaginavam para um bispo.
Alguns documentos jornalísticos da época dão conta da proximidade de Podestá ao mundo do trabalho relatando que os trabalhadores dialogavam com o bispo sobre a atualidade sindical e o “plano de luta diante da desocupação e as jornadas insuficientes...”.
Um dos primeiros encontros com os representantes dos trabalhadores foi em junho de 1963, para convocar uma missa pelo funeral de João XXIII, na Catedral de Avellaneda, com o Regional da CGT, maior central sindical argentina.
Entre 28 e 29 de junho do ano de 1965 ocorreu uma das reuniões mais importantes dos Padres do Terceiro Mundo, no Lar Sanford, em Quilmes, distrito que pertencia à diocese de Avellaneda. Participaram na ocasião – a qual a história recorda como o “Concílio de Quilmes” – dois bispos, Jerónimo Podestá e Antonio Quarracino, bispo de Nueve de Julio,
A convocatória surgiu das equipes sacerdotais que vinham trabalhando desde o ano de 1964 na Capital Federal, Grande Buenos Aires, La Plata, San Nicolás, Mercedes, Azu, Nueve de Julio e Mar del Plata; o principal objetivo era o “compromisso ativo com os pobres”, em um trabalho mais organizado que respondesse aos postulados do Concílio Vaticano II.
Da mesma maneira, Podestá impulsionou, desde seu início pastoral, padres membros da Missão da França, um deles era Paco Huidobro, um asturiano, cuja família exilou-se na França durante o franquismo, sendo ele ainda adolescente.
Os padres operários na realidade se denominavam “da fábrica” e ainda que vivessem separados e trabalhassem em lugares diferentes, reuniam-se todas as semanas para celebrar a missa, fazer revisão da vida e intercambiar experiências.
Esta foi a primeira equipe constituída oficialmente como Missão Operária na Argentina. Simultaneamente, já haviam surgido alguns padres que também já tinham começado individualmente trabalhando como operários: tal é o caso, por exemplo, de Luis Sánchez, trabalhador de gráfica, pároco em Avellaneda; e de Eliseo Morales, que por muito tempo foi pintor de alvenaria, fundou um lar de menores em situação de rua com uma gráfica de impressão, também em uma zona de Avellaneda.
Em 1966, Podestá participou de forma destacada junto a Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, na X Assembleia Extraordinária do Celam, realizada em Mar del Plata, de 11 a 16 de outubro de 1966, tendo como tema central “a presença ativa da Igreja no desenvolvimento e integração da América Latina”. Estavam presentes 90 bispos da América Latina.
A partir deste fato eclesial, que muitos teólogos pastorais apontam como a estrutura das diretrizes do Documento de Medellín, forma-se uma profunda amizade, que perdurou até os últimos dias do arcebispo Helder Câmara.
Em 1966, o general Onganía deu um golpe, isso produziu os primeiros confrontos entre Podestá e o presidente de facto. O confronto se deu pela proibição da festa de 1º de maio, dia dos trabalhadores, e o jornal La Opinión publicou uma nota de protesto de dom Podestá: “Proibir o ato dos trabalhadores é como dizer que não se pode comemorar o dia das mães”, escreveu Podestá. Esse pronunciamento chamou a atenção, mas o que mais incomodou Onganía foi que um bispo falou publicamente contra ele.
Assim que a Encíclica Populorum Progressio foi publicada, em 1967, o episcopado encarregou Podestá de divulgá-la. Ele se identificou plenamente com o texto e deu sua primeira Conferência no Teatro Roma de Avellaneda.
A resposta do sistema foi imediatamente ouvida: uma bomba explodiu em frente à Cúria, incendiando as cortinas. Quando o ato terminou, voltaram ao bispado e encontraram duas frases escritas em spray aerossol nas paredes frontais: “Pablo VI traidor!” e “Podestá comunista!”. Naquele dia, a perseguição começou. Podestá relatava à sua esposa e amigos que “Onganía me convocou um dia para me confrontar, e disse: o principal inimigo da Revolução Argentina é você... Obviamente, ele estava muito irritado comigo”, dizia Podestá.
O Bispo de Avellaneda em 1967 posicionou-se perante a Encíclica Populorum Progressio e analisou o que deveriam fazer o governo e os empresários e quais as expectativas dos trabalhadores: “... Essas premissas expõem a ordem dos planos socioeconômicos: a mudança de estruturas. Agora não são os povos subjugados, nem as elites revolucionárias que postulam, é a própria Igreja, pela voz de sua mais alta autoridade. Já não restam dúvidas: é a Igreja que vem paulatinamente lutando pela justiça; não se contenta com afirmar que a riqueza está mal distribuída e propõe outras reformas na ordem social. A encíclica postula a mudança profunda de estruturas...”.
Embora tenham existido Semanas Sociais no Chile e na Argentina, produto do catolicismo social a partir de 1891, no contexto pós-conciliar é de se destacar que a figura de Podestá segue fortemente invisibilizada quando se trabalha em muitos espaços eclesiais (revisão de referências históricas, painéis, oficinas e reuniões pastorais sociais etc.), no acompanhamento da Igreja ao mundo do trabalho, aos movimentos populares, às esferas políticas e sociais.
Podestá foi silenciado em sua figura porque a relação com Clélia Luro fez com que a igreja focasse sua vida apenas no fato de ter incorrido em violação da norma do celibato, fazendo com que sua atuação como bispo na divulgação e implementação da pastoral social em sua diocese não fosse valorizada em conformidade. Hoje os bispos relutam em citá-lo, em falar sobre seu passado como colega. O episcopado católico nunca reconheceu o acompanhamento de dom Podestá ao movimento operário, seus padres operários e seu árduo trabalho na divulgação da encíclica social por meio de suas conferências e atividades com os trabalhadores de sua diocese durante seu ministério episcopal.
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“A ação pastoral de dom Jerónimo Podestá favoreceu a inserção do padre na comunidade”. Artigo de Guillermo Schefer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU