Análise de conjuntura. Artigo de Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Foto: Wikicommons

10 Julho 2020

"Neste tempo de incertezas decorrentes da pandemia, muita gente pergunta o que virá depois, esta análise não é alentadora. O 'novo normal' que se desenha hoje repousa sobre a concentração ainda maior de poder e riquezas na minoria opulenta, que beneficiada pelo desmonte político e ideológico operado pelo neoliberalismo, não tem oponentes suficientemente fortes para dar outro rumo ao capitalismo concentrador de riqueza e predador do Planeta", escreve Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

 

Eis o artigo.

 

Introdução

 

Neste momento de pandemia, em que os fatos parecem se atropelar, é quase impossível fazer uma análise abrangente da realidade. Mas não podemos perder de vista a realidade global, porque somos apenas uma parte dela. Por isso, arrisco-me a publicar este texto pensado para os tempos de comunicação por internet, quando a maioria das pessoas (inclusive eu) não leem com atenção mais do que três páginas.

 

Há que se distinguir três âmbitos estruturais no tempo e no espaço:

 

(1) a Terra e sua comunidade de vida, com seu tempo longo, medido por séculos;

(2) o sistema-mundo capitalista, com seu tempo histórico, medido por décadas e

(3) o Brasil social, político, cultural e econômico, com seu tempo conjuntural, medido por semanas.

 

A realidade do Brasil é determinada pela conjuntura do sistema-mundo (a médio prazo) e pelo estado da Terra (a longo prazo). Só para fins de análise separam-se as diferentes conjunturas.

 

1. A Terra e sua comunidade de vida

 

A comunidade científica prevê que a catástrofe climático-ambiental deverá ocorrer até 2050, se não forem tomadas as medidas urgentes, mas poucos são os Estados que cumprem os compromissos do Acordo de Paris, assinado em 2015, por 195 países. Essa catástrofe vai dizimar a espécie humana e provocará mudança radical no modo de produção e de consumo e o esfacelamento dos Estados nacionais.

 

Cabe a nós, hoje, pensar e preparar um modo de produção pós-catástrofe e pós-capitalista, para evitar a guerra de todos contra todos e – na melhor das hipóteses – criar uma civilização planetária onde comunidades territoriais vivam em harmonia entre si e com a Terra. Para isso, é preciso ter presente que:

 

 

2. Sistema-mundo capitalista em crise.

 

A atual crise econômica é um repique da crise da bolha financeira de 2008, fortemente agravada pela pandemia do covid-19. É o fim do ciclo de acumulação capitalista puxado pelos EUA no século 20. Abre-se o período de transição para um novo ciclo. Sinais dessa crise são o fim do desenvolvimentismo no Sul global e o fechamento das economias do Norte global. Resultado: Megacorporações ganham mais poder (inclusive sobre os Estados nacionais), a riqueza concentra-se em 1% da população humana – as classes opulentas – enquanto a pobreza e a miséria só aumentam.

 

Desde o século 15 as transições no sistema-mundo seguem o mesmo padrão: financeirização do capital > “destruição criativa” = guerra > mudança de centro.

 

Aplicando-se esse padrão, estamos no momento das guerras. Conforme o tipo de armamento utilizado, distinguem-se 3 formas:

(1) guerras localizadas, étnicas, contra drogas;

(2) guerras de 4ª geração ou híbridas e

(3) nuclear, com a provável extinção da espécie humana.

 

Na dimensão geopolítica, o mundo tende a ser repartido entre 3 potências polo: EUA + União Europeia, Rússia e China.

 

Na dimensão econômica o sistema-mundo capitalista passará a ter centro a China, que hoje promove a nova rota da seda. Será um capitalismo verde = precificação dos danos ambientais, e de 5ª geração = 4ª revolução industrial (informática) + controle social por tecnologia 5G e Inteligência Artificial.

 

Na dimensão cultural, é o fim da hegemonia de civilização ocidental moderna. Ao mesmo tempo que o mundo se desvencilha de seu colonialismo, seu supremacismo, seu especismo e outros vícios históricos, arrisca perder seu humanismo de inspiração cristã, sua ética universalista, a democracia como valor universal, e o ideal de liberdade, igualdade e fraternidade.

 

Na dimensão política, é o neoliberalismo em ruínas (Wendy Brown): após combater o Estado social, ele cede o lugar a regimes autoritários com ideologia tosca e tradicionalista (família, religião e propriedade) > totalitarismo do mercado enquanto os Estados nacionais em declínio se enrijecem.

 

Na contramão dessas tendências destrutivas, pode-se perceber uma novidade:

 

Novos movimentos – de jovens e adolescentes; de povos originários; contra o racismo; pelos direitos LGBTs; de trabalhadores/as precarizado/as, e outros – se difundem pelo mundo. Importante: o protagonismo feminino nesses movimentos e seu jeito de fazer política com arte.

 

3. A conjuntura brasileira

 

Em 2002 o PT fez um pacto com as classes opulentas, constituídas por cerca de 71,5 mil declarantes de Imposto de Renda com rendimentos mensais superiores a 160 salários-mínimos (dados de 2013). Elas permitiram a Lula um governo social-desenvolvimentista, mas sem realizar reformas estruturais (agrária, fiscal, política, etc) nem auditar a dívida pública. A crise econômica de 2008 e suas consequências geopolíticas levou as classes opulentas em 2014 a romper esse pacto e buscar uma coalizão com corporações e o aparato de segurança dos EUA para dar outro rumo político ao Brasil. Com a imprescindível colaboração do Poder Judiciário, o PT foi trocado por Temer, com a missão de privatizar a exploração do petróleo e alinhar-se politicamente aos EUA, conforme o Programa "Uma ponte para o futuro".

 

O governo Temer cumpriu a missão que lhe foi atribuída, mas não conseguiu fazer sucessor. As classes opulentas renderam-se então a Bolsonaro, com suas milícias (digitais e armadas), os militares corporativistas e sua tosca ideologia ultradireitista, para garantir Paulo Guedes e sua política de privatizações e de demolição do Estado de proteção social. O problema é que hoje Bolsonaro, incompetente diante da pandemia, com um ministério de baixíssima qualidade, incentivando o arraso ambiental e mais ocupado em defender seus filhos do que governar, tornou-se um estropício para quem tem a pretensão de constituir a elite do Brasil. Aqui situa-se a atual correlação de forças:

 

A mídia corporativa (Globo, Folha, Estadão e outros), que expressa os anseios do capital financeiro e do capital produtivo (agronegócio, indústria e serviços) quer livrar-se de Bolsonaro sem mudar a política econômica representada por Paulo Guedes. Tal propósito fica evidente na ausência de críticas à política econômica e aos militares que cercam o presidente para evitar estragos no comércio com a China e em outros pontos de interesse econômico.

 

Bolsonaro, porém, conta com total apoio do capital de rapina, que quer apossar-se de terras públicas, territórios indígenas e recursos naturais (Amazônia, água, garimpo). Protegido por grupos fascistas, religiosos de direita e grupos de ódio, ele tem uma base de apoio fiel, aparentemente disposta a matar ou morrer.

 

As grandes instituições políticas – Governos estaduais, Judiciário e Congresso – estão fragilizados pela cooptação de boa parte de seus membros (caso do Centrão).

 

As grandes Entidades da sociedade civil continuam quase imobilizadas por medo de retorno da esquerda ou de divisões internas (caso da CNBB).

 

No polo oposto às classes opulentas, onde se situam os grupos e setores oprimidos, empobrecidos ou socialmente discriminados, pode-se ver:

 

 

Conclusão

 

Neste tempo de incertezas decorrentes da pandemia, muita gente pergunta o que virá depois, esta análise não é alentadora. O 'novo normal' que se desenha hoje repousa sobre a concentração ainda maior de poder e riquezas na minoria opulenta, que beneficiada pelo desmonte político e ideológico operado pelo neoliberalismo, não tem oponentes suficientemente fortes para dar outro rumo ao capitalismo concentrador de riqueza e predador do Planeta. Os governos ultradireitistas estão a serviço de sua ofensiva contra a Terra e os Pobres e só serão descartados quando for hegemônico o capitalismo de 5ª geração, com sua política de controle social por Inteligência Artificial e sua produção regida pela informática. Será a vitória definitiva do Capital sobre o Trabalho.

 

O prognóstico, porém, pode ser inteiramente diferente se as classes e grupos oprimidos recuperarem seu protagonismo político, revertendo assim a vitória neoliberal do final do século 20. Vejo 3 grandes forças nesse sentido:

 

 

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