20 Novembro 2018
Peter Frankopan é professor de História Global na Universidade de Oxford e autor do best-seller “As Rotas da Seda: uma nova história do mundo” (Ed. Relógio D’Água, 2018), que desafiou a narrativa do eurocentrismo e deslocou o foco para a Ásia. Seu último livro, The New Silk Roads [As novas Rotas da Seda], examina os atuais desenvolvimentos econômicos e políticos naquela região.
A entrevista é de Andrew Anthony, publicada por The Guardian, 17-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ficou surpreso com o sucesso de “As Rotas da Seda”?
Eu fico admirado com quantas pessoas o leram. Eu trabalho sobre aquelas partes do mundo que eu acho que são muito interessantes e importantes, como a Turquia, a Rússia, o Irã e ainda mais a leste, e normalmente, quando eu falo sobre o que faço, ninguém quer falar sobre essas coisas comigo. Então, eu não tinha nenhuma expectativa de que as pessoas leriam o meu livro ou que as resenhas seriam incrivelmente generosas. Então, foi um choque enorme. Eu tive muita sorte com o momento em que ele foi publicado.
Isso afetou seu trabalho de alguma maneira?
Eu acabei de participar de um evento em que tivemos um ministro visitante da Rússia, e foi isso que mudou. Então, sim, na medida em que recebo convites mais grandiosos e, provavelmente, mais empolgantes para dar palestras, o que é lisonjeiro. Por outro lado, eu sou um acadêmico aqui em Oxford há mais de 20 anos, e a satisfação está no fato de as pessoas perceberem que se afastar do eurocentrismo e aprender sobre diferentes partes do mundo no passado e no presente é importante.
Alguns críticos sugeriram que a sua opinião em “As Rotas da Seda” de que a região estava crescendo novamente era bastante otimista. Este novo livro é um esforço para sustentar essa posição?
Não, de fato, eu acho que é uma leitura malfeita de alguém que provavelmente leu o último parágrafo. O que eu estava dizendo naquele livro e neste livro é que os eventos globais do passado e do presente estão ocorrendo naquela terra que fica entre o leste do Mediterrâneo e a China. Embora estejamos obcecados com o Brexit e o Twitter de Donald Trump, o que realmente importa é quais serão as relações da Turquia com o Iraque, o Irã e a Arábia Saudita. Como a Rússia está se engajando com o Irã, a Ásia Central e a China? Qual é a política econômica e exterior da China na iniciativa Belt and Road? Portanto, a questão não é dizer que as Rotas da Seda estão se erguendo e trazendo de volta as glórias do passado. É dizer que essa sempre foi a sala das máquinas dos assuntos globais, e o mesmo vale para hoje, assim como eu suspeito que será amanhã.
Um cinturão, uma rota (Fonte: BrasilNaval.com)
Os Estados Unidos estão perdendo amigos, você observa, enquanto a China está fazendo novos. Mas você também salienta que, se os Estados Unidos advertem os violadores dos direitos humanos, a China ou a Rússia fazem o contrário sem remorsos. Isso significa que os Estados Unidos deveriam ignorar os abusos dos direitos humanos?
Existe o perigo de se equivocar. Há muita conversa sugerindo que o fato de um repórter da CNN ser banido da Casa Branca é o mesmo que ocorre na China. Isso me parece completamente errado. Eu conheço o meu lugar como comentarista e não é moldar respostas para políticos. É tentar descobrir qual é a situação real.
Você retrata uma imagem positiva do presidente Xi e da sua iniciativa de infraestrutura de transporte Belt and Road, mas, ao mesmo tempo, diz-se que a China “internou” um milhão de uigures. Isso não deveria ser um problema?
Claro. Bem, nós tivemos Liam Fox dizendo que não deveríamos lidar com a União Europeia, que é socialista e obscura sobre como ela faz seus negócios e suas políticas, e que, ao contrário, deveríamos negociar um acordo de livre comércio com a China. Eu sou um mero historiador sentado em Oxford. Eu acho que apontar para essas coisas é extremamente importante. E, embora nem sempre seja fácil descobrir o que está acontecendo, devemos apoiar especialistas como a Anistia Internacional, que tentam relatar o que realmente está acontecendo, em vez de tentar descobrir qual deveria ser o comportamento futuro.
Mas, na Europa, temos que decidir se está errado o equilíbrio entre recompensar o consumidor e recompensar os cidadãos. Se você quer comprar o jeans mais barato possível, eles são feitos no mundo em desenvolvimento por pessoas em péssimas condições que recebem os salários mais baixos. Ou você estaria preparado para comprar um par mais caro, mas feitos em boas condições e por pessoas que recebem um salário digno? No nosso modo de fazer as coisas, o consumidor sempre ganha. E, a partir disso, você tem corporações incentivadas a ter as estruturas o mais eficientes possível em termos de impostos, reduzindo os custos cada vez mais e tirando empregos. Eu acho que é por isso que há um movimento em direção ao Brexit e a Trump também. As pessoas têm razão em concluir que houve uma grande transferência de riqueza do mundo desenvolvido para o mundo em desenvolvimento.
Quais livros estão na cabeceira da sua cama?
Acabei de receber uma cópia de L’Ordre du jour, de Eric Vuillard, que venceu o Prix Goncourt no ano passado. Também tenho um livro sobre erupções vulcânicas e o papel que elas tiveram na história – ele se intitula Eruptions That Shook the World [Erupções que sacudiram o mundo], de Clive Oppenheimer. E acabei de receber uma cópia de um livro de um jornalista russo, Mikhail Zygar. Em inglês, ele se chama The Empire Must Die [O Império deve morrer].
Qual foi o último grande livro que você leu?
Todo livro que eu leio eu amo. É muito difícil terminar um livro ruim. Eu acho que tudo que eu leio é ótimo, porque está tentando fazer algo diferente. The Dawn Watch, de Maya Jasonoff, é ótimo. Ele conta a história da globalização há 100 anos, através da vida de Joseph Conrad. É muito inovador e instigante.
Quais escritores contemporâneos de ficção você mais admira?
Não sei por onde começar. Eu sou um leitor onívoro. Mas eu gosto de Boris Akunin, um escritor russo, Orhan Pamuk e Elif Şafak, ambos romancistas turcos.
O que você lê por puro prazer?
Eu leio quase tudo. Gosto muito de biografias, uma por ano, provavelmente. O Twitter é ótimo para se conectar com artigos na mídia mundial. Através de um link do Twitter, eu cheguei a ler o jornal de defesa mais atualizado do Cazaquistão. A alegria da descoberta é a coisa de que eu mais gosto, porque eu acho que a curiosidade é a virtude humana mais subestimada.
Qual romance clássico você mais se envergonha de não ter lido?
Vanity Fair. Eu tentei lidar com ele algumas vezes, mas sempre parece que ele não foi feito para mim. Estou profundamente envergonhado.
Quem é o seu protagonista de ficção favorito, herói ou vilão?
Marco Polo está bem em cima na minha lista. Quero dizer, ele é uma pessoa real, mas suspeito que ele não fez todas as viagens que supostamente teria feito. Harry Potter, por ler para os meus filhos. Meu primeiro amor foi a Rússia, e o meu romancista favorito foi Ivan Turgenev. Eu gosto do grande protagonista niilista de “Pais e filhos”, um rapaz chamado Bazarov.
Que tipo de leitor você era quando criança e quais livros permanecem com você desde a infância?
Eu acho que todos esses escritores russos. Quando eu tinha uns 15 anos, eu descobri Pushkin, Turgenev, Chekhov, e todos me causaram uma grande impressão. Sou filho da Guerra Fria, e eles falam de uma Rússia diferente. Nenhum deles tinha um conceito da revolução russa que vinham na direção deles, mas todos estavam interessados em reformas sociais, e há uma sensação de assistir a um carro antes do acidente. Isso ensina que você nunca sabe o que está do outro lado da esquina.
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As novas Rotas da Seda. Entrevista com Peter Frankopan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU