09 Julho 2020
Henri Sterdyniak é membro do coletivo Les Economistes Atterrés e pesquisador afiliado ao OFCE (Observatoire Français des Conjonctures Économiques). Adepto da Escola da Regulação, recentemente publicou um artigo intitulado: “Depois do coronavírus, algumas reflexões”, no qual define e analisa três possíveis caminhos para sair da crise econômica, social e ambiental.
A entrevista é de Hervé Nathan, publicada por Alternatives Économiques, 01-07-2020. A tradução é de André Langer.
Resta traçar, para depois desse confinamento, um caminho para sair da crise econômica e ambiental. No entanto, tem-se a impressão de haver grande confusão nas escolhas do governo. Cada proposta da Convenção Cidadã para o Clima parece dar origem a grandes rodeios. Mas, basicamente, quais são os principais caminhos estruturais possíveis?
Estamos diante de uma escolha de fundo entre duas estratégias. A primeira seria retomar o projeto inicial de Emmanuel Macron: superar o atraso da França em relação aos países liberais; tornar as empresas francesas cada vez mais inovadoras e competitivas; desregulamentar e reformar o direito trabalhista; diminuir as contribuições sociais e os impostos das empresas. Isso implicaria em reduzir os gastos públicos, particularmente os gastos sociais, aduzindo as dívidas decorrentes da crise da saúde.
Nesta perspectiva, que chamo de “exacerbação liberal”, a crise de Covid seria usada como uma nova justificativa para esse choque liberal. As restrições ecológicas seriam esquecidas, assim como as promessas feitas para os “premiers de corvée” [1]. Seria algo como: “O crescimento em primeiro lugar” ou “Nós já fizemos demais pela ecologia”.
A segunda estratégia consiste em levar a sério a “inflexão ecológica”, o que implica na implementação de certo número de regras ecológicas, de restrições às empresas e às famílias, em relançar a tributação ecológica, em particular a taxa do carbono, compensando-a para as classes populares, e controlar estritamente as inovações, porque elas só são úteis se tiverem um impacto favorável no meio ambiente e na coesão social.
O objetivo seria conciliar da melhor maneira possível o bem-estar da população e as restrições ecológicas. Isso exigiria um controle rigoroso no nível da produção, que poderia passar pela adoção de uma autorização para a introdução no mercado, algo semelhante ao que já existe para os produtos farmacêuticos: um produto só poderá ser introduzido se trouxer uma vantagem ao nível do bem-estar, se for sustentável e o mínimo possível poluente.
O problema do governo é estar implicado na alternativa, o que não é fácil! É isso que está produzindo os debates atuais nas classes dominantes dos países que não têm um plano coerente de saída da crise.
Nesta grade de análise, entre “a exacerbação liberal” e “a grande inflexão ecológica”, onde você situa as 149 propostas da Convenção Cidadã sobre o Clima?
É uma ruptura, mas é tímida, que não tira todas as consequências de suas análises, às quais dou, quando muito, a nota 15/20 (risos). Por exemplo, a Convenção propõe estabelecer um imposto sobre o carbono nas fronteiras, mas sem mencionar claramente um imposto interno sobre o carbono, que é a condição prévia.
A Convenção quer jogar as restrições sobre o comportamento das famílias, mas sem realmente controlar as escolhas da produção. Portanto, seu relatório contém um acúmulo de medidas úteis, mas não chega ao fundo da questão, porque não questiona o fato de que a produção e o consumo são determinados pelas empresas de acordo com os interesses de seus dirigentes e de seus acionistas, e não de acordo com escolhas sociais.
Enquanto as grandes empresas dependerem de seus acionistas e, portanto, do mercado financeiro, com objetivos de crescimento e de rentabilidade, haverá algo de errado nas escolhas fundamentais da economia. Temos que questionar a maneira como são tomadas as decisões nas grandes empresas; estas devem ser socialmente construídas.
“Socialmente construídas” – isso não é nada óbvio para o grande público. Concretamente, o que devemos fazer para que as decisões escapem do poder das direções, dos acionistas e inclusive das leis do mercado?
Precisamos de um planejamento ecológico e social que determine, ramo a ramo, as principais escolhas estratégicas nas quais as empresas devem se enquadrar, com o apoio do Estado e de um setor financeiro público. Por exemplo, optar por manter um setor agrícola na França de produtos de qualidade implica preços remuneratórios mínimos para os produtos agrícolas: leite, carne, frutas.
Na indústria, podemos decidir deixar de fabricar SUVs (veículos utilitários esportivos) muito pesados e glutões e carros muito rápidos. Uma política de crédito orientada para a transição ecológica deve penalizar fortemente os créditos concedidos às empresas que produzem ou consomem energia baseada em carbono. As empresas devem elaborar planos de investimento que levem em consideração o aumento programado do preço da energia.
Um amplo programa de renovação térmica de moradias requer que não apenas as famílias sejam ajudadas a financiar as obras, mas também as empresas para qualificar seus funcionários. Um planejamento social e democrático significa que são as escolhas sociais coletivas que orientam a produção, e não o contrário. Isso implica a presença nos conselhos de administração de pessoas que representem essas escolhas sociais.
Quem são essas pessoas? Até 2006, o Comissariado Geral do Plano, que reúne economistas, mas também parceiros sociais, elaborou planos quinquenais que o General De Gaulle qualificou da seguinte maneira: “A planificação não é uma coerção. É uma orientação”…
É aqui que vemos a diferença entre um programa socioecológico e um programa disruptivo. No primeiro caso, são os altos funcionários que participam dos órgãos de decisão das grandes empresas aqueles que têm um impacto geral na economia. Esses representantes do Estado estariam encarregados de trazer para o debate as escolhas sociais. É um compromisso possível, o compromisso socioecológico.
Mas não mais desenvolver novas necessidades artificiais, perseguir o objetivo de satisfazer as necessidades básicas de toda a população, limitando os danos ecológicos e até reparando-os, exige um profundo ponto de inflexão na maneira de gerenciar o desenvolvimento econômico. O planejamento ecológico e social deve substituir o neoliberalismo. O crescimento não deve mais ser o objetivo de muitas empresas.
Em uma estratégia de ruptura, devemos questionar órgãos como a Inspetoria de Finanças ou o Tribunal de Contas, cujos membros são formados em sua grande maioria na Sciences Po e na ENA (Escola Nacional de Administração), e que não representam as escolhas sociais, mas as classes dirigentes e a oligarquia financeira. A forma de recrutamento deve ser completamente revista. O Ministério da Indústria deve ser oxigenado com pessoas vindas do sindicalismo, de organizações de massa, dos movimentos sociais, que zelam pela aplicação da inflexão ecológica e social do país. Para isso, também precisamos de uma ruptura democrática com as instituições atuais.
Para ter sucesso na transição ecológica, seria necessário, pois, questionar os poderes da economia. Isso parece um retorno à economia mista da década de 1970, ou ao programa da esquerda de nacionalizações democráticas da mesma época...
Certamente. Se não quisermos retornar in fine ao primeiro termo da alternativa, a saída neoliberal, aquela da inserção da França na concorrência mundial com todo abandono ambiental, e os danos sociais que isso acarreta, se não quisermos que a transição ecológica atinja os mais pobres e poupe os mais ricos, devemos questionar a maneira como as escolhas são feitas nas empresas.
Existe, certamente, uma solução intermediária, que consiste em levar em conta as restrições ecológicas, mas de maneira compatível com o capitalismo, ou seja, não mudando nada no funcionamento da economia, mas unicamente aumentando o preço das emissões de gases de efeito estufa. Esta é a posição de Jean Tirole e Christian Gollier, para quem basta aumentar os preços e a transição ecológica será feita pelo jogo dos mercados.
Mas esta transição recairia sobre os mais pobres, as primeiras vítimas dos aumentos de preços diretos e indiretos. Não colocariam em prática investimentos públicos e privados, que permitiriam a transição.
Da mesma forma, não acredito que possamos permitir que persistam as desigualdades de estatuto e de salários nas empresas, nem o domínio das finanças sobre as empresas e corrigir isso ex post aumentando os impostos sobre os ricos. É preciso sujar as mãos nas escolhas das empresas.
Não é preciso ser demagogo. Certamente será preciso aumentar o padrão de vida dos pobres, mas acima de tudo diminuir o dos ricos. O objetivo de uma sociedade igualitária e sóbria exige isso. A transição ecológica resultará em perdas do poder de compra, em mudanças de estilo de vida para as classes média e alta. Essa é a dificuldade do exercício: realizar uma transição ecológica e social, sabendo que ela será percebida como uma perda de liberdade para uma grande parcela da população.
A alternativa seria a de um mundo desigual e desestruturado, onde uma pequena minoria desfrutaria de um padrão de vida satisfatório, enquanto a massa seria penalizada pelas restrições ecológicas.
Mas qual é a viabilidade política e democrática de um programa desse tipo que reduziria as liberdades a que estamos acostumados? E que atacaria as classes média e alta, o que representa uma parcela substancial da população?
No momento, não existe uma aliança política possível em torno de semelhante programa. Mas como a agenda neoliberal fracassou, o debate é, na minha opinião, mais aberto do que se imagina.
Primeiramente, as classes dominantes ainda não escolheram o caminho que desejam trilhar. Para elas, os dois extremos são muito difíceis de gerir. Ignorar a restrição ecológica é algo que ficou impossível, assim como é difícil varrer as tensões sociais que os coletes amarelos e a crise da saúde revelaram.
Vamos sonhar: que a França e a Europa decidam se tornar o motor da transição ecológica e social. Do mesmo modo que Jacques Chirac, presidente da República, queria que a França e a Europa vendessem seu modelo de proteção social para o mundo, podemos imaginar que a França e a Europa queiram vender seu modelo de transição ecológica e social para o mundo.
Em segundo lugar, a Convenção abriu caminhos, mas ainda restam contradições que devem ser enfrentadas até o fim, e mostrar que as transformações essenciais são mais profundas do que as anunciadas. É necessário desenvolver o combate ideológico para modificar as percepções e os objetivos dos cidadãos. Com as repetidas crises climáticas, de saúde e financeiras que vamos enfrentar, não é totalmente impossível convencer a opinião de que as escolhas das empresas podem ser feitas de outra maneira, que o desperdício, as rendas exorbitantes, as desigualdades são insuportáveis, até criminosas.
Após a crise de 2008, mais ninguém, nem mesmo Alain Minc, defendeu o capitalismo financeiro. Precisamos realizar uma inversão da hierarquia dos valores. Esta é a luta que devemos travar.
[1] Trabalhadores, homens e mulheres, que seguem trabalhando enquanto grande parte está parada. Realizam trabalhos essenciais, mas precários e invisibilizados, em geral esquecidos pelas mobilizações tradicionais. Embora tenham ganhado visibilidade durante a pandemia, sua existência a precede. [Nota do tradutor]
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“O planejamento ecológico e social deve substituir o neoliberalismo”. Entrevista com Henri Sterdyniak - Instituto Humanitas Unisinos - IHU