24 Mai 2020
A secretária de Estado da Ecologia, Brune Poirson, reflete sobre a aplicação política da mensagem da encíclica Laudato Si’.
A entrevista é de Pascale Tournier, publicada por La Vie, 21-05-2020. A tradução é de André Langer.
O que você guarda da encíclica de Laudato Si’?
Eu a li quando saiu em 2015. Depois a reli, quando fui nomeada para o governo. O Papa faz um diagnóstico lúcido da situação. De certa forma, ele retoma os valores estabelecidos da Igreja. Muitos antropólogos, como Claude Lévi-Strauss, marcaram sua ruptura com a ideologia dominante do homem como senhor da natureza, de uma natureza exterior ao homem ou apreciada como objeto. Lévis-Strauss diz até que sofremos dessa intoxicação. A força desta encíclica reside no fato de que ela nos convida a superar essa divisão. Nesse sentido, oferece uma minirrevolução. Ela também vem para nos lembrar a importância da transcendência.
Você pode precisar sua relação com a transcendência?
Eu fiquei muito impressionada com a citação do filósofo Kierkegaard: “O homem é este ser cuja carne acabada é perfurada pela espada do infinito”. O homem tem necessidade de sentido e de espiritualidade. Embora eu não seja católica, penso que a Igreja, com esta encíclica, antecipa essa questão, como outras religiões poderiam fazê-lo, e, assim, neutraliza a tentação de uma “religião verde”, que poderia representar uma ameaça para ela, por parte de alguns ambientalistas.
Enquanto não integrarmos em nossas vidas a ideia da transcendência, que pode ser bastante secular, não conseguiremos implementar a transição ecológica, pois precisamos conduzir a ética ao mesmo nível da economia. É por isso que gosto de consultar homens de religião como o cardeal Peter Turkson, que encontrei recentemente no Fórum de Davos. As religiões são portadoras dessa mensagem.
Como o governo está respondendo ao conceito “Tudo está interligado”?
Não é fácil porque envolve ir além da perspectiva tecnocrática e de especialização do Estado. Como em muitas outras democracias ocidentais, a máquina estatal é como uma linha de produção de automóveis, se você quiser ter uma imagem. Nós não vemos o todo, o que não nos impede de agir. Assim como as questões sociais, no final da guerra de 1945, irrigaram todas as políticas públicas com a afirmação do Estado-Providência, devemos fazer o mesmo com a ecologia, e é isso que fazemos, por exemplo, com novas ferramentas como o Conselho de Defesa Ecológica.
A encíclica denuncia o que chama de “ecologia superficial” e “os justos meios que apenas vão retardar um pouco mais o colapso”. A crise não obriga o governo a rever sua orientação política?
Como guia espiritual, o Papa oferece um propósito. Ele fixa um método: a ecologia deve incluir o tema da solidariedade, ultrapassar os métodos tecnocráticos, a lógica consumista. Não podemos crescer infinitamente. Cabe aos políticos traduzi-la em ação. Não acredito em uma perspectiva excessivamente radical, que não possa abarcar a todos.
Mas desde a crise da saúde, mensagens fortes foram passadas. Élisabeth Borne e Bruno Le Maire condicionaram a ajuda às empresas a fortes mudanças ecológicas. Assim, o Estado está dando uma ajuda de 7 bilhões de euros à Air France e, em contrapartida, a empresa deve se tornar uma empresa líder em matéria de transição ecológica.
Como você aprecia o novo apelo do Nicolas Hulot?
Ele se faz o eco de uma busca de sentido, especialmente entre os jovens. A questão do método permanece plena e completa.
O que devemos esperar do “Green Deal” europeu?
Desde o início, Élisabeth Borne lembrou que o Green Deal constituía uma resposta fundamental, assim como a retomada econômica. Um não anda sem o outro. Este texto é um projeto abrangente: aborda a biodiversidade, a economia circular, implementa o banco europeu para o clima, a neutralidade de carbono para 2050... É muito “ecologia integral”!
Onde está a Lei Antidesperdício? O Medef queria adiar sua entrada em vigor por causa da crise…
Ela foi promulgada em fevereiro pelo Presidente da República, após ser votada por unanimidade na Assembleia Nacional e no Senado. Temos seis meses para redigir os cem decretos de aplicação. Dado o confinamento, levaremos um pouco mais de tempo no calendário das consultas necessárias, mas a lei e seus prazos de aplicação não serão alterados em uma vírgula. A ambição permanece inalterada.
Como nasceu sua consciência ecológica?
Quando adolescente, descobri o entomologista Jean-Henri Fabre (1823-1915), que compartilhou em seus escritos sua experiência da beleza da natureza. Sua casa natal está situada na minha região de Vaucluse. O percurso da exploradora Alexandra David-Néel (1868-1969) também me interpelou bastante. Tenho uma relação carnal com a natureza, eu cresci no campo, onde morávamos quase em autarquia com meus pais.
Como foi sua temporada na Índia entre 2009 e 2015, onde trabalhou especialmente na Veolia Water?
Em particular, conheci o budismo, que te leva à compaixão. No hinduísmo, diz-se que existem três milhões de deuses; é uma maneira de dizer que em todo ser existe uma alma. A meditação e a ioga, que não tenho mais tempo para praticar, ajudam a colocar-se em um estado onde se sai de si mesmo, com uma relação também de compaixão para estar em harmonia com a natureza e a não estar mais numa atitude de domínio sobre ela.
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“Não há transição ecológica sem transcendência”. Entrevista com Brune Poirson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU