23 Abril 2018
Podemos reduzir o desperdício de plástico?
Não é fácil de resolver o problema dos plásticos de uso único e outros itens de descarte rápido.
Às vezes pode parecer impossível evitar o uso desses produtos, tão presentes na vida diária do que o Papa Francisco chamou de "cultura do descarte", desde copos de café de isopor, canudos, sacos de papel e restos de comida, até tampas, embalagens e sacos plásticos.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 21-04-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Para os católicos que querem reduzir seu consumo, a paróquia muitas vezes é um bom começo. Encontros de hospitalidade, encontros depois da missa e outros eventos sociais oportunizam não apenas reconhecer o desperdício que uma comunidade produz, mas também fazer algo a respeito.
Esta é a primeira das três partes de uma série com o objetivo de olhar para o desafio imposto pela poluição do plástico — o tema do Dia da Terra de 2018 — e que medidas as paróquias e comunidades católicas estão tomando para reduzir o desperdício e mudar o estilo de vida.
Levou quase nove meses, mas, finalmente, para Betsy Zolper, os milhares de copos de isopor que preenchiam as despensas da Igreja Católica de São Marcos, em Arlington, Virgínia, não estão mais lá. No lugar, há uma pilha de copos de papel compostável e biodegradável, um primeiro passo dado pela equipe de cuidados de criação da paróquia para reduzir o desperdício e, ao mesmo tempo, aumentar a consciência do quanto é jogado fora.
Eliminar os copos de isopor — extremamente baratos, mas perigosos para o meio ambiente — tornou-se o foco do ministério do Cuidado Pastoral da Nossa Casa Comum (Care for Our Common Home), criado em janeiro de 2017.
Atingir esse objetivo também se demonstrou mais difícil do que parecia.
O estoque anterior de copos de isopor significava que qualquer substituto seguro para o meio ambiente teria que esperar aqueles acabarem. Em vez de doá-los para outra organização, a paróquia decidiu lidar com isso por si mesma. E assim começou a espera.
"Parece bobagem, mas ficava todos os meses em pauta — 'Copos de isopor?' Quando vamos ver os copos de papel em uso?", disse Zolper, co-presidente do ministério.
A também co-presidente Annette Kaine foi encarregada de manter atualizada a contagem de copos, verificando com a gerente do escritório paroquial, e também de pensar em uma alternativa. "Porque, claro, era uma prioridade para nós, mas não para o escritório”, explicou Zolper. "Eles estão ocupados com outras coisas importantes para a paróquia".
Quando finalmente chegou o "dia D", no outono, a equipe ambientalista conseguiu colocar os copos de papel da EcoChoice em uso. Eles receberam um retorno positivo por seu esforço, até mesmo da gerente do escritório, que confessou 10 anos de esforços infrutíferos para livrar a paróquia dos copos de isopor, interrompidos pela dificuldade de superar a questão do custo (os 120 copos de papel custam US$67, enquanto pode-se comprar 1.000 copos de isopor na Amazon por US$30).
Levou mais tempo do que o esperado para se livrar dos copos de isopor, mas era um começo.
"Uma coisa em que estamos insistindo é fazer uma pequena mudança e fazer com que as pessoas percebam", disse Zolper. "É assim que as pessoas começam a mudar seu consumo e seu estilo de vida".
Várias paróquias têm encarado o desafio de reduzir o desperdício há anos, alinhadas ao tema deste ano do Dia da Terra (22 de abril): acabar com a poluição pelo uso de plástico, com o objetivo específico de reduzir o uso e o descarte rápido dos plásticos de uso único. De acordo com um estudo de 2017 da Science Advances, citado pela Rede do Dia da Terra, dos 9,1 bilhões de toneladas de plástico produzidos desde a década de 50, meros 9% foram reciclados, e 79% tornaram-se excedente de plástico colocado em aterros e sujando a paisagem. Esse número deve aumentar, chegando a 13,2 bilhões de toneladas em 2050.
O problema dos plásticos é a dificuldade de decomposição. Alguns materiais utilizados na sua produção podem durar décadas ou séculos, sujando a terra e a água. Acredita-se que haja cinco manchas enormes de lixo marinho, sendo a Grande Porção de Lixo do Pacífico a mais notável — flutuando entre a Califórnia e o Havaí, compõe-se de cerca de 1,8 trilhões de pedaços de plástico, cumulativamente maior do que o estado do Texas. Outra porção de lixo, desta vez no sul do Pacífico, descoberta no ano passado, deve ser maior do que o México.
A presença do plástico nas hidrovias da Terra é prejudicial aos animais, que podem morrer ao usá-lo como alimento ou ficar presos nessas porções de lixo. Também pode ser prejudicial aos seres humanos ao entrar na cadeia alimentar. Certos plásticos contêm produtos químicos nocivos para a saúde humana, como os ftalatos e o BPA, e podem levar a uma variedade de problemas de saúde. Além disso, os pobres são desproporcionalmente afetados pela poluição causada pelo plástico, já que 2 bilhões de pessoas não têm acesso à coleta de lixo e os aterros e estruturas de descarte do lixo tendem a estar localizados perto de comunidades de baixa renda.
A cada 12% de plástico incinerado para produção de energia, são liberados, durante o processo, gases nocivos para a atmosfera. Com isso, por ser um produto feito a partir de petróleo, o plástico contribui para a mudança climática por queimar combustíveis fósseis em sua produção, que até 2050 deve crescer de 8% a até 20% da produção atual de petróleo.
"A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo”, diz a agora famosa observação do Papa Francisco, em sua encíclica de 2015, "Laudato Si', sobre o cuidado da casa comum".
Lamentando que "as paisagens de outrora, que agora vêem submersas de lixo”, o Papa repreendeu "uma cultura do descarte”, na qual, com uma mentalidade consumista, bens, alimentos e até mesmo pessoas são descartadas quando seu uso e valor se desgastam.
"Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os”, escreveu Francisco em Laudato Si'.
Enquanto ainda se buscam soluções para lidar com o plástico já descartado — os cientistas recentemente descobriram uma enzima que “come” plástico que poderia ser usada para degradar o plástico mais utilizado em materiais recicláveis —, isso aborda apenas parte da cultura do descarte que o Papa critica. Na outra ponta, também é preciso avaliar o quão comum é a compra de plástico e outros materiais de difícil reciclagem ou reutilização para descartar a maioria poucos minutos, horas ou dias.
"Muitas vezes fazemos isso inconscientemente”, disse Paz Artaza-Regan, gerente de programa da Catholic Climate Covenant. "Quantas vezes levei algo para casa por conveniência e depois olhei e disse: ‘Nossa, eu realmente precisava desses dois pimentões verdes em uma bandejinha de isopor embalados com plástico filme?’ Mas era o que estava disponível e em promoção no supermercado, então eu peguei".
A questão do plástico não é abandonar totalmente esse material tão penetrante em vários aspectos do cotidiano. Artaza-Regan e outros reconhecem que há casos e situações em que o plástico pode ser necessário, se não vital. Os hospitais dependem de uma série de produtos de plástico, como canudos para que os pacientes possam comer, beber e até mesmo respirar, e outros itens de descarte rápido, como luvas e roupas de proteção. E em desastres naturais ou épocas em que o abastecimento de água não é seguro, como no caso de Flint, Michigan, comprar garrafas de água pode ser literalmente a salvação.
Para ajudar os católicos a se envolverem no tema do Dia da Terra e refletirem sobre sua própria relação com itens descartáveis de plástico, a Catholic Climate Covenant criou um programa chamado "Beyond a Throwaway Culture: Reduce Waste, Grow Community" (Para além da cultura do descarte: diminuir o desperdício, desenvolver a comunidade). Cerca de 1.500 pessoas, paróquias e grupos de oração fizeram o download do programa, concebido para limitar o uso de plástico não apenas nas festividades do Dia da Terra.
Como parte do programa, a Catholic Climate Covenant está convidando grupos a se comprometerem com uma atividade para reduzir a utilização de plásticos de uso único entre o Dia da Terra e o início da temporada da Criação (1º de setembro). Esses projetos seriam compartilhados durante o mês de setembro para promover as medidas que os católicos estão adotando.
"Para as comunidades católicas, temos que começar a pensar também sobre a forma como usamos o plástico, não apenas em casa, mas também depois da Igreja, como, por exemplo, nas nossas pausas para tomar café e nos nossos encontros da comunidade. Como mudar essa cultura da conveniência usando copos de plástico e de isopor e louça de plástico?", disse Artaza-Regan.
Durante a Quaresma de 2016, aproximadamente 400 paroquianos na paróquia de St Columbkille, em Papillion, Nebraska, fora de Omaha, participaram de um desafio rápido sobre o uso de plástico, que teve início com a equipe de cuidados com a criação. Foi pedido que os participantes se concentrassem em reduzir o uso de garrafas e sacos plásticos.
"Ficamos muito animados, porque muitos dos mais jovens [na missa] disseram que já estavam fazendo isso. Foi muito edificante", disse a irmã Jean Marie Faltus, da equipe de cuidados com a criação da paróquia.
Na Quaresma deste ano, a equipe de cuidados com a criação da paróquia solicitou que os líderes ministeriais pedissem que cada um trouxesse seus próprios copos e canecas aos encontros. Eles conseguiram eliminar os copos de isopor da paróquia, passando para copos de papel biodegradável, que também devem ser eliminados no futuro, com o objetivo final de eliminar todo e qualquer lixo do tipo, transformando a cozinha num espaço sustentável.
No Dia da Terra, a paróquia adotou o programa da Catholic Climate Covenant e pediu que as famílias se comprometessem a usar papel e dizer não ao uso de plástico, seja recusando um canudo ou sacola plástica, optando por usar vidro em vez do plástico ou evitando itens que venham em embalagem plástica. Os participantes vão receber uma placa para pendurar na janela de casa durante o verão, para se responsabilizar e também para avisar os vizinhos de seu compromisso, talvez até os incentivando a participar também.
"Estamos dando nossos primeiros passos. Estamos aceitando os itens biodegradáveis, mas vamos acabar eliminando esses itens também", afirmou Faltus.
Mesmo com o sucesso, eles também enfrentaram desafios.
Os organizadores do encontro do peixe frito da paróquia continuam usando muitos produtos de isopor ou plástico. Na falta de voluntários, dizem valorizar a conveniência de poder jogar tudo fora e só levar os sacos de lixo para a lixeira, do que usar, lavar e guardar os pratos da paróquia. E apesar de os Cavaleiros de Colombo terem adotado copos biodegradáveis para o café da manhã — copos de comércio justo indicados por Faltus —, ainda usam copos de isopor para servir suco às crianças.
"É assim que as pessoas pensavam anos atrás, e agora temos que reprogramar esse pensamento", declarou Faltus. "E isso leva tempo".
Ainda na paróquia de São Marcos, o ministério do Cuidado com a Casa Comum tomou diversas medidas para educar e conscientizar as pessoas, como a apresentação de uma palestra sobre estilo de vida sem desperdício e o documentário "Bag It", sobre sacos plásticos. Zolper também quer criar um guia de sustentabilidade para os ministérios da paróquia.
No Dia da Terra, vão receber um astrônomo da Universidade Católica da América para fazer uma incursão pela Via Láctea e também vão angariar fundos para comprar uma máquina para a escola paroquial fazer a compostagem de restos de maçã e cascas de banana.
Em algum momento, a equipe de cuidados com a criação quer incluir a compostagem na paróquia e eliminar o uso de copos descartáveis, usando principalmente pratos reutilizáveis e a máquina de lavar louça industrial. Da maneira como está hoje, os copos de papel continuam indo para o lixo, embora não sejam tão prejudiciais ao meio ambiente quanto os de isopor.
Mesmo que às vezes pareça uma escalada árdua, Zolper não perde a esperança, tirando resiliência espiritual das palavras de um trecho de Laudato Si' em que o Papa Francisco declara: "É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas ações diárias, e é maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo de vida".
"Esse é realmente o primeiro passo", disse Zolper: "reconhecer onde se pode fazer pequenas mudanças. Onde se pode fazer pequenas mudanças, e por que fazê-las. Eu estou fazendo isso como parte da minha fé católica".
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Reduzindo o desperdício: a 'cultura do descarte' no centro das atenções pela redução do uso de plástico no Dia da Terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU