24 Junho 2020
Grupo de 29 fundos, com ativos de US$ 3,6 trilhões, diz que desmatamento e violações de direitos indígenas expõem empresas investidas a risco e pode prejudicar títulos brasileiros.
A reportagem é de Solange A. Barreira, publicada por EcoDebate, 23-06-2020.
Um grupo de 29 investidores internacionais enviou, na segunda-feira (22/6), uma carta às embaixadas do Brasil nos EUA, no Reino Unido, na Holanda, na França, na Noruega e na Suécia, solicitando reuniões com os embaixadores para discutir as políticas ambientais do Brasil (leia a íntegra abaixo). O grupo, integrado por fundos da Europa, dos EUA e da Ásia, controla mais de US$ 3,6 trilhões. É liderado pela norueguesa Storebrand e conta com o apoio de fundos como o Legal and General Investment Management (LGIM), do Reino Unido, a Sumitomo Mitsui Trust Asset Management, do Japão, e o NN Invesment Partners, da Holanda.
Esta é a primeira vez que investidores pedem formalmente um diálogo com representantes do governo brasileiro sobre assuntos internos do Brasil. No ano passado, a maioria dos signatários da carta já haviam integrado um grupo maior, de 251 investidores, que expressou preocupação com a crise das queimadas na Amazônia. O pedido de conversa é um passo além. O seguinte pode ser o desinvestimento, que teria impacto para exportações brasileiras e para a geração de empregos no país no momento da recessão pós-pandemia.
“Queremos continuar investindo no Brasil e ajudar a mostrar que o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente não precisam ser mutuamente exclusivos. Portanto, instamos o governo do Brasil a demonstrar um claro compromisso com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas”, afirma a Storebrand em nome do grupo.
O grupo de investidores menciona especificamente as declarações do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) sobre aproveitar a pandemia para avançar na desregulação ambiental, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril, o Projeto de Lei 2.633/2020 (o “PL da grilagem”), e o Projeto de Lei 191/2020, que permite a mineração e instalação de hidrelétricas em terras indígenas, além das ameaças de enfraquecimento das regras de licenciamento ambiental.
A mensagem dos investidores internacionais é de que a postura do governo Bolsonaro em relação ao desmatamento e à proteção dos direitos humanos aumenta o “risco Brasil”, potencializando a fuga de capital do país, que só entre fevereiro e abril deste ano totalizou uma perda de US$ 11,8 bilhões em ações e US$ 18,7 bilhões em títulos públicos, de acordo com o Institute of International Finance (i).
“Considerando o aumento das taxas de desmatamento no Brasil, estamos preocupados com a dificuldade das empresas que podem estar expostas ao desmatamento em suas operações e cadeias de suprimentos no Brasil em acessar os mercados internacionais. Também é provável que os títulos públicos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar”, afirma a carta.
Além disso, a ratificação do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul e o acordo bilateral de comércio EUA-Brasil estão ameaçados devido às altas taxas de desmatamento, num contexto em que aumentam as preocupações dos parlamentares europeus e dos Democratas no Congresso norte-americano quanto ao desmonte da governança ambiental e direitos humanos (ii).
Uma análise de um grupo de pesquisadores da London School of Economics (LSE) sobre os títulos públicos brasileiros revelou que a produção agrícola nacional poderá sofrer importantes perdas como consequência do desmatamento e do sistema atual de gestão ambiental, o que leva a secas mais frequentes, degradação da qualidade e fertilidade do solo, redução da biodiversidade e aumento da exposição a desastres naturais. “Esses riscos têm impactos econômicos e fiscais que afetam os perfis de risco, o custo de capital e o acesso aos mercados internacionais de commodities e financeiros dos países”, afirmam os autores (iii). Foi essa lógica que levou a Nordea Asset Management, que em 2019 detinha US$ 100 milhões em títulos públicos brasileiros, a suspender a compra de títulos do governo do Brasil (iv).
A preocupação dos investidores pode ter consequências para as exportações brasileiras. Dados levantados pela consultoria Profundo, da Holanda, revelam que só a carteira de investimentos da Robeco, um dos maiores grupos de investidores holandeses, inclui mais de US$ 27 milhões em ações na brasileira Marfrig (v), que exporta 70% da sua produção de carne (vi). Uma série de desinvestimentos desse porte poderiam afetar negativamente o agronegócio brasileiro, único setor em alta no PIB do primeiro trimestre de 2020 (vii). De janeiro a março de 2020, a parcela do PIB proveniente do agro totalizou cerca de US$ 9 bilhões (viii). Em contrapartida, a LGIM, signatária da carta, tem US$ 1,5 trilhão em ativos sob gestão, com interesses nos ramos agrícola e pecuário, segundo a Profundo.
Carta aberta das instituições financeiras para os embaixadores do Brasil nos EUA, Reino Unido, França, Noruega, Suécia e Países Baixos para deter o desmatamento
Ilmo Sr. Embaixador
É com profunda preocupação que temos acompanhado o aumento do desmatamento no Brasil [1]. Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de nossos clientes a longo prazo, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, na proteção da biodiversidade e no fornecimento de serviços ecossistêmicos.
O Brasil tem um papel histórico de liderança no combate ao desmatamento, ao mesmo tempo em que oferece condições favoráveis para negócios e investimentos.
No entanto, a escalada do desmatamento nos últimos anos, combinada com relatos de um crescente enfraquecimento das políticas ambientais e de direitos humanos e esvaziamento do órgãos de fiscalização, estão criando uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil.
Estamos profundamente preocupados com a Medida Provisória 910 (recentemente alterada para PL 2633/2020), que foi submetida a votação no congresso brasileiro e que legalizaria a ocupação de terras públicas, principalmente concentradas na Amazônia. Caso a medida seja aprovada, incentivará a ocupação ilegal de terras públicas e o desmatamento generalizado, o que colocaria em risco a sobrevivência da Amazônia e o cumprimento das metas do Acordo de Paris, prejudicando também os direitos das comunidades indígenas e tradicionais.
Declarações recentes do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, usando a crise causada pela pandemia para promover a desregulamentação ambiental [2] e os projetos de lei visando legalizar a ocupação de terras e florestas públicas [3], abrir os territórios dos povos indígenas para mineração [4] e enfraquecer o sistema de licenciamento ambiental [5], são apenas algumas das ameaças que temos observado em relação às políticas ambientais e aos direitos humanos no Brasil.
Estamos preocupados com o impacto financeiro do desmatamento, bem como as violações dos direitos dos povos indígenas, os quais implicam potenciais consequências para os riscos de reputação, operacionais e regulatórios de nossos clientes e empresas investidas. Considerando o aumento da taxa de desmatamento no Brasil, nos preocupa a possível dificuldade das empresas em que investimos em acessar os mercados internacionais, dada a sua potencial exposição ao desmatamento em suas operações e cadeias de suprimentos. Também é provável que os títulos públicos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar.
Queremos continuar investindo no Brasil e ajudar a mostrar que o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente não precisam ser mutuamente exclusivos.
Portanto, instamos o governo do Brasil a demonstrar um claro compromisso com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas.
A maioria dos investidores abaixo assinados faz parte da Iniciativa para Investidores em Florestas Sustentáveis, uma iniciativa do PRI [6] em colaboração com a Ceres para questões ambientais, sociais e de governança, abarcando empresas expostas ao desmatamento devido à produção de soja e gado. Como instituições financeiras, vemos o desmatamento e os seus impactos sobre a biodiversidade e as mudanças climáticas como riscos sistêmicos para nossas carteiras.
A maioria dos signatários desta carta também se uniu a uma ação corporativa contra o desmatamento à luz dos incêndios devastadores na Amazônia no ano passado, representando 251 instituições financeiras com mais de 17 trilhões de dólares em ativos sob gestão. [7] Além de incentivarmos as empresas a abraçar práticas mais sustentáveis, consideramos igualmente importante que o ambiente regulatório favoreça tais práticas. Políticas robustas para a redução do desmatamento e a proteção dos direitos humanos são soluções essenciais para gerenciar esses riscos e contribuir para mercados financeiros eficientes e sustentáveis a longo prazo.
Dada a gravidade deste assunto, gostaríamos de solicitar uma videoconferência com o senhor ou seu representante, e entraremos em contato com a Embaixada em breve para agendar um horário adequado.
Queira aceitar a expressão da nossa mais alta consideração,
Signatários:
1. Storebrand Asset Management
2. KLP
3. Gjensidige
4. Sparebank 1 Forsikring
5. MP Pension
6. Nordea Asset Management
7. AP Pension
8. SEB Investment Management
9. AP2 Second Swedish National Pension Fund
10. AP4 Fourth Swedish National Pension Fund
11. Handelsbanken Asset Management
12. Robeco
13. ACTIAM
14. NN Investment Partners
15. A.s.r.
16. Church Commissioners for England
17. LGPS Central
18. Legal and General Investment Management
19. Brunel Pension Partnership
20. Boarder to Coast Pension Partnership
21. BlueBay Asset Management
22. Surrey Pension Fund
23. Northern LGPS
24. Comgest
25. Indep’AM
26. Domini Impact Investment
27. Pax World Funds
28. Sumitomo Mitsui Trust Asset Management
29. Fram Capital
1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.
3 Disponível aqui.
4 Disponível aqui.
5 Disponível aqui.
6 Disponível aqui.
7 Disponível aqui.
i. Fonte: Financial Times. Disponível aqui.
ii. ING. Disponível aqui.
iii. Pinzón A, Robins N, McLuckie M e Thoumi G (2020). The sovereign transition to sustainability: Understanding the dependence of sovereign debt on nature. London: Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, London School of Economics and Political Science, and Planet Tracker (p. 7). Disponível aqui.
iv. Disponível aqui.
v. Disponível aqui.
vi. Disponível aqui.
vii. Disponível aqui.
viii. Disponível aqui.
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Investidores internacionais pressionam governo brasileiro sobre crise ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU